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Lula reinstala comissão sobre mortos e desaparecidos políticos

(Agência Brasil) A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos foi reinstalada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O despacho com a medida está publicado na edição do Diário Oficial da União desta quinta-feira (4). O documento restabelece o colegiado nos mesmos moldes previstos de quando foi criada, em 1995, pela Lei nº 9.140/1995.

Recuperação de ossadas de presos políticos no Cemitério Dom Bosco, em Perus, São Paulo. (Marcelo Vigneron/Memorial da Resistência)

Encerrada em dezembro de 2022, no governo de Jair Bolsonaro, a comissão tem como atribuição tratar de desaparecimentos e mortes de pessoas em razão de atividades políticas no período de 2 setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979. Entre outros pontos, cabe à comissão mobilizar esforços para localizar os restos mortais das vítimas do regime militar e emitir pareceres sobre indenizações a familiares.

Em 2002, a comissão especial passou a examinar e reconhecer casos de morte ou desaparecimento ocorridos até 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal. E, em 2004, os critérios para reconhecimento das vítimas da ditadura militar foram ampliados para reconhecer pessoas mortas por agentes públicos em manifestações públicas, conflitos armados ou que praticaram suicídio na iminência de serem presas ou em decorrência de sequelas psicológicas resultantes de torturas.

No início do governo Lula, em 2023, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania adotou medidas administrativas e jurídicas para o restabelecimento da comissão. O Ministério Público Federal também recomendou a reinstalação considerando que a extinção da comissão ocorreu de forma prematura, já que existem casos pendentes de vítimas, incluindo os desaparecimentos da Guerrilha do Araguaia e as valas encontradas nos cemitérios de Perus, em São Paulo, e Ricardo Albuquerque, no Rio de Janeiro.

Em julho do ano passado, a Coalizão Brasil por Memória Verdade Justiça Reparação e Democracia, grupo formado por dezenas de entidades de defesa dos direitos humanos, já havia cobrado do governo federal ações efetivas de políticas públicas de memória, verdade, justiça e reparação.

Até hoje, existem 144 pessoas desaparecidas na ditadura militar.

Composição

Lula também dispensou quatro membros da comissão, o presidente, Marco Vinicius Pereira de Carvalho, representante da sociedade civil; Paulo Fernando Mela da Costa, também representante da sociedade civil; Jorge Luiz Mendes de Assis, representante do Ministério da Defesa; e o deputado federal Filipe Barros (PL-PR), que ocupava o cargo de representante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.
 
Por outro lado, o presidente da República designou como membros Eugênia Augusta Gonzaga, representante da sociedade civil que presidirá a comissão; Maria Cecília de Oliveira Adão, representante da sociedade civil; Rafaelo Abritta, representante do Ministério da Defesa; e a deputada federal Natália Bastos Bonavides (PT-RN), representante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados
 
O decreto com as dispensas e nomeações também estão na edição de hoje do Diário Oficial da União.

(Até aqui o texto da Agência Brasil)

Opinião de Visão Católica

Reconhecer os crimes cometidos pelo Estado brasileiro durante a ditadura militar, revelar a verdade e preservar a memória são essenciais para evitar que um novo tempo de terror se abata sobre a sociedade brasileira. A verdade efetivamente liberta. A dignidade de cada homem e de cada mulher é uma verdade de fé. Velar pelos mortos e dar-lhes sepultura digna é um ato de misericórdia. Evitar que a repressão recaia novamente sobre padres, religiosos e leigos, sobre cristãos, pessoas com religiosidade de matriz africana, ateus, sobre democratas, comunistas, pessoas que apenas defendem o direito de filhos, maridos, esposas, pais e mães terem uma opinião política – evitar uma nova ditadura é um dever.

Você que chegou até aqui, aproveite e acompanhe a leitura do Compêndio da Doutrina Social da Igreja pelo Visão Católica no Youtube.

Rússia x Ucrânia: Putin expõe exigências russas

Putin explicitou ontem (14/6) as condições russas para a paz – enquanto a Ucrânia exige a devolução dos territórios conquistados pela Rússia, inclusive as repúblicas de Lugansk, Donetsk e Crimeia, a Rússia exige a retirada das tropas ucranianas da totalidade das repúblicas do Donbass e das regiões de Kherson e Zaporojia, mesmo aquelas partes onde tropas da Federação Russa nunca estiveram.

Após o fracasso das negociações na Bielorrúsia e na Turquia – que levaram à retirada das tropas russas da região de Kiev, mas não foram concluídas com a assinatura de um acordo – e da proibição de negociações com Putin pelas autoridades ucranianas, o governo de Kiev elaborou um “plano de paz” que deveria ser aceito integralmente pela Rússia para por um fim à guerra. Entre os pontos principais estava a retirada russa de todo o território ucraniano do final de 1991, quando foi dissolvida a União Soviética – isso incluiria as repúblicas da Crimeia, Donetsk e Lugansk, que votaram para obter autonomia e lutaram para se tornarem parte da Rússia.

Exigências ucranianas

Os principais pontos do plano de paz ucraniano são:

  • Retirada das tropas russas das fronteiras ucranianas de 1991.
  • Restauração da soberania da Ucrânia nas fronteiras de 1991 (portanto, o fim das repúblicas da Crimeia, Donetsk e Lugansk).
  • Retorno da central nuclear de Zaparojia ao controle ucraniano.
  • Garantia da exportação de cereais ucranianos.
  • Limitações às vendas de recursos energéticos russos e ajuda à reconstrução dos recursos energéticos ucranianos destruídos na guerra.
  • Troca total de prisioneiros de guerra e retorno das crianças ucranianas retiradas da região de combates.
  • Criação de um tribunal especial para julgar crimes de guerra russos.
  • Desminagem e reparação de instalações de tratamento de água.
  • Garantias de segurança pela OTAN.

Exigências russas

As principais exigências da Rússia são:

  • Retirada das tropas ucranianas das regiões de Lugansk, Donetsk, Zaporojia e Kherson, segundo os limites territoriais dessas regiões em 1991.
  • Neutralidade e não-alinhamento da Ucrânia nas relações internacionais.
  • Status não-nuclear da Ucrânia.
  • Desmilitarização ucraniana.
  • Desnazificação ucraniana.
Mapa com as áreas atualmente ocupadas pela Rússia (amarelo) e as que teriam de ser desocupadas pela Ucrânia (vermelho) segundo as exigências de Vladímir Putin.

Putin acrescentou que, realizada a retirada de tropas e o abandono da pretensão de ingressar na OTAN, a Rússia imediatamente cessaria as hostilidades e daria início às negociações de paz.

Opinião de Visão Católica

Ambos os lados expõem como inegociáveis pontos que jamais serão aceitos pelo outro, especialmente as exigências territoriais. Por um lado, as repúblicas da Crimeia, Donetsk e Lugansk votaram para obter autonomia de Kiev e pegaram em armas para se opor às forças neonazistas que haviam derrubado o governo eleito em 2014. Por outro, a Federação Russa não controla hoje uma parte significativa do território que exige da Ucrânia – na verdade, suas tropas jamais chegaram à cidade de Zaporojia, capital da região homônima. Ainda que argumentem que houve referendos, uma parte significativa dessa região não se pronunciou pela incorporação à Rússia – independentemente da legalidade das votações.

Claro que propostas de paz devem ser discutidas, e as demandas de cada lado deveriam ser o ponto de partida das negociações. Contudo, Zelenski e Putin apresentam suas propostas como um verdadeiro ultimato, cuja não-aceitação resultaria em graves prejuízos para a outra parte. O caminho para a paz deveria passar por reconhecer os direitos de todas as pessoas que habitam a região, inclusive à liberdade linguística, cultural e religiosa, além de proibir e punir manifestações nazistas ou neonazistas, mesmo aquelas que foram elevadas ao status de identidade nacional na Ucrânia pós-soviética.

Lavrov: F-16 para a Ucrânia são sinal no campo nuclear

Em entrevista à agência de notícias russa RIA Novosti, o ministro de negócios estrangeiros russo, Sergey Lavrov, afirmou que a entrega de caças F-16 para a Ucrânia são uma “ação sinalizadora” da OTAN no campo nuclear. Segundo ele, ao entregar caças F-16 a Organização do Tratado do Atlântico Norte dá a conhecer à Rússia que os Estados Unidos e a Aliança estão “prontos literalmente para tudo”. Os exercícios com armas nucleares não-estratégicas conduzidos pela Rússia e pela Bielorrússia, continuou, deveriam trazer os oponentes à razão. Entrementes, a Dinamarca avisou que os F-16 que entregará à Ucrânia poderão ser usados para ataques em território russo.

A Federação Russa já se pronunciou diversas vezes nesse sentido, visto que esses caças são os mesmos estacionados na Alemanha e na Turquia para utilizar armas nucleares norte-americanas. Em entrevista anterior, Lavrov afirmou que países da União Europeia, especialmente a Polônia e os países bálticos, “cumprem no terreno a tarefa que os Estados Unidos estabeleceram: enfraquecer a Rússia e dar-lhe uma derrota estratégica” – acrescentando: “nos círculos de cientistas políticos do ocidente, já se fala em descolonizar a Rússia”.

Opinião de Visão Católica

Como diz insistentemente o papa Francisco, “o uso de armas nucleares, assim como sua posse, é imoral“. Criar uma falsa segurança através de um equilíbrio de terror dificulta o verdadeiro diálogo. A solução para o conflito na Ucrânia, portanto, não virá do uso de portadores em potencial de armas nucleares, nem de exercícios para seu uso, mas sim de um verdadeiro diálogo que leve em consideração o sofrimento da população local, seja russa, seja ucraniana, e da construção da confiança e cooperação entre os países – não apenas a Federação Russa e a Ucrânia, mas também aqueles atores geopolíticos que interferem na situação, especialmente a OTAN e a União Europeia.

(Imagem em destaque: RIA Novosti)

Estônia instala barreiras antitanque na fronteira com a Rússia

Barreiras antitanque conhecidas como “dentes de dragão” sendo instaladas na ponte que liga a Estônia à Rússia entre as cidades de Narva e Ivangorod.

Em mais um agravamento da tensão na fronteira noroeste da Rússia, esta noite a Estônia instalou barreiras antitanque na ponte que liga os dois países entre Narva e Ivangorod. A medida, que transmite aos habitantes locais a ideia de um suposto perigo iminente de invasão russa, veio logo após a Finlândia, recém-admitida à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), anunciar o fechamento de todas as passagens na fronteira com a Rússia, exceto a de Raja-Jooseppi.

Ambas as medidas vêm após um prolongado agravamento das tensões na região, que incluem o banimento da língua russa nas escolas da Lituânia, a respeito do qual o Alto Comissário das Nações Unidas sobre Direitos Humanos expressou sua preocupação: “O governo da Lituânia tem a obrigação, no direito internacional e em instrumentos regionais, de proteger e sustentar os direitos linguísticos das comunidades minoritárias no país, sem discriminação”. Desde o ano passado, uma lei local determinou a expulsão de pessoas apátridas ou com cidadania russa ou bielorrussa que não fossem aprovadas em um exame de proficiência da língua lituana – sendo que muitos desses apenas haviam permanecido no local onde residiam após a desintegração da União Soviética (somente os lituanos étnicos foram admitidos como cidadãos do país nessa ocasião, independente da república onde residiam na URSS).

Opinião de Visão Católica

O fim da União Soviética viu o florescimento de nacionalismos extremos nas antigas repúblicas soviéticas do leste europeu – os únicos países que até agora conseguiram controlar o fenômeno foram a Rússia e a Bielorrússia. Esses nacionalismos são direcionados contra o inimigo óbvio que foi criado: a Federação Russa, herdeira do Império Russo e da União Soviética. O fenômeno é tão grave que até mesmo os colaboradores locais do nazismo são exaltados na Ucrânia e na Lituânia, com marchas dos remanescentes das SS nazistas nesta e a glorificação de pessoas como Stepan Bandera e das organizações colaboracionistas naquela. Recentemente, um membro ucraniano das SS foi ovacionado de pé no parlamento canadense durante a visita do presidente ucraniano, Vladimir Zelenski – o Canadá abriga uma importante comunidade de ucranianos exilados após a Segunda Guerra Mundial.

O caminho para evitar conflitos passa não pela exacerbação das tensões e diferenças, nem pela perseguição de minorias étnicas ou linguísticas, mas sim pelo desarmamento e pela cooperação entre os povos, com o reconhecimento do direito de cada um deles ao desenvolvimento e à soberania. A Isso não é nenhum ensinamento novo, mas parte da Carta Encíclica Pacem in terris, do papa João XXIII, que ensina:

110. Costuma-se justificar essa corrida ao armamento aduzindo o motivo de que, nas circunstâncias atuais, não se assegura a paz senão com o equilíbrio de forças: se uma comunidade política se arma, faz com que também outras comunidades políticas porfiem em aumentar o próprio armamento. […]

112. Eis por que a justiça, a reta razão e o sentido da dignidade humana terminantemente exigem que se pare com essa corrida ao poderio militar, que o material de guerra, instalado em várias nações, se vá reduzindo duma parte e doutra, simultaneamente, que sejam banidas as armas atômicas; e, finalmente, que se chegue a um acordo para a gradual diminuição dos armamentos, na base de garantias mútuas e eficazes. […]

113. Todos devem estar convencidos de que nem a renúncia à competição militar, nem a redução dos armamentos, nem a sua completa eliminação, que seria o principal, de modo nenhum se pode levar a efeito tudo isto, se não se proceder a um desarmamento integral, que atinja o próprio espírito, isto é, se não trabalharem todos em concórdia e sinceridade, para afastar o medo e a psicose de uma possível guerra. Mas isto requer que, em vez do critério de equilíbrio em armamentos que hoje mantém a paz, se abrace o princípio segundo o qual a verdadeira paz entre os povos não se baseia em tal equilíbrio, mas sim e exclusivamente na confiança mútua. Nós pensamos que se trata de objetivo possível, por tratar-se de causa que não só se impõe pelos princípios da reta razão, mas que é sumamente desejável e fecunda de preciosos resultados.

Governo quer reduzir direitos das pessoas doentes

Conforme publicado hoje no Diário Oficial da União, o governo federal instituiu grupo de trabalho composto exclusivamente por representantes do Ministério da Economia e do Ministério da Saúde para rever a lista de doenças que dão direito à aposentadoria e ao auxílio-doença independente do cumprimento de carência. A lista atual, que data de 2001, coincide com as demais listas de doenças graves existentes na legislação brasileira.

O que primeiro chama a atenção na portaria interministerial é a total ausência de representantes dos interessados: os doentes crônicos. Também não há representantes de sociedades médicas, que poderiam trazer conhecimento técnico para a discussão. Ao contrário, tudo é deixado nas mãos de financistas (Paulo Guedes, ministro da economia) e militares sem conhecimento técnico (Pazuello, ministro interino da saúde). Isso acontece em um momento em que o governo federal quer reduzir o valor das próximas parcelas do auxílio emergencial, após já reduzir drasticamente o direito à aposentadoria com a reforma da previdência. O viés, portanto, é claro: reduzir a lista de doenças que dão direito ao não cumprimento de carência para receber benefícios da previdência social.

Opinião de Visão Católica

A seguridade social – que inclui a previdência social – é a contribuição de toda a sociedade para a proteção das pessoas vulneráveis: doentes, acidentados, idosos e pobres. Contudo, os anos recentes têm visto grandes ataques à seguridade: reformas da previdência, redução do gasto com saúde etc. Parafraseando macunaíma, poderíamos dizer: “pouca solidariedade e muitas finanças, os males do Brasil são”.

(Foto em destaque: fachada do Edifício Sede do INSS. Pedro França/Agência Senado)

Ataque turco inicia com dificuldade

Como noticiado há uma semana, o ataque da Turquia aos curdos no noroeste da Síria (província de Afrin) finalmente iniciou no sábado (20). Até o momento, porém, as forças turcomanas têm tido dificuldade de adentrar no território sírio. São rebeldes turcomanos islamitas do chamado Exército Livre Sírio (FSA) apoiados pelo exército e pela aviação do governo turco. O motivo alegado pela Turquia é a expulsão de “terroristas” da fronteira turco-síria e o retorno dos refugiados – isto é, sua expulsão do país turcomano.

Rebeldes turcomanos (FSA) celebram butim. (Foto via Twitter – @op_shield)

Os rebeldes do FSA têm noticiado a ocupação de algumas colinas e festejado o butim – munição e armamento tomados dos curdos. Por outro lado, as chamadas Forças Democráticas Sírias (SDF, dominadas pelos curdos e com participação cristã e árabe) têm dito que reconquistaram diversos desses lugares. Os turcomanos ainda tentam abrir novas frentes na fronteira.

Opinião de Visão Católica

A Turquia vem dizendo que a ação encontraria respaldo no direito internacional, mas não houve provocação curda ou síria anterior, não sendo, portanto, resposta a um ataque. Por outro lado o apoio é dado aos mesmos rebeldes turcomanos que mataram um aviador russo após este se ejetar do avião que a Turquia abateu, em absurda violação do direito humanitário. Isso fortalece a posição deles na guerra civil travada na Síria, influindo diretamente na política da nação árabe. Aliás, a ênfase no apoio aos rebeldes turcomanos, aliada ao histórico de repressão aos curdos e de genocídio dos armênios provoca preocupações de que as motivações possam ir muito além da segurança da fronteira e do retorno dos refugiados.

É preciso dizer, claro, que a mera dominação curda não pode substituir a dominação árabe (do governo de Bashar al Assad) ou turcomana. A relação deles com as outras minorias étnico-religiosas, inclusive os cristãos, não é totalmente pacífica. Contudo, as SDF são o único agrupamento que surgiu para autodefesa contra o Estado Islâmico e, mesmo sendo apoiadas pelos Estados Unidos, têm se mostrado abertas ao diálogo e à paz.

Exército confirma tratativas de golpe

O Comando do Exército não apenas não punirá o general Antonio Hamilton Martins Mourão, mas até mesmo avaliza sua fala. Em vez da esperada punição por conspirar contra a República (ele disse que “chegará a hora em que nós [as Forças Armadas] teremos que impor uma solução” ao problema da corrupção), ele foi elogiado hoje (20) pelo comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas: “O Mourão é um grande soldado, uma figura fantástica, um gauchão”. Em sua fala, Mourão revelou também que “nós temos planejamentos, muito bem preparados” — ou seja, as condições e a forma de tomar o poder já são discutidas pelo alto comando militar. Cabe lembrar que Mourão, mesmo sem uma tropa sob sua chefia, ocupa cargo-chave como secretário de economia e finanças do Exército.

O comandante do Exército também lembrou que o general maçom Mourão iniciou sua fala à maçonaria dizendo “que segue as diretrizes do comandante” e afirma que a Constituição permitiria uma intervenção militar à revelia dos poderes constituídos se houvesse a “iminência de um caos”. Ou seja, o Comando do Exército considera que o país se aproxima do caos e começa a se mobilizar para intervir contra a República.

Opinião de Visão Católica

Não custa lembrar, uma fala do coronel Bizarria Mamede esteve no epicentro do golpismo que levou à ditadura militar. Mas, em 1955, quando isso ocorreu, havia um general Lott para restaurar a legalidade. Hoje, temos apenas Michel Temer, Raul Jungmann e o general Eduardo Villas Boas.

PS (21/9): Alguns afirmam que o general Mourão simplesmente não foi punido porque isso provocaria uma crise dentro do Exército — afirmação que já seria bastante grave. Porém, o general Villas Boas, comandante do Exército Brasileiro, não apenas elogiou seu camarada, mas confirmou a sua fala: o exército poderia intervir “na iminência de um caos”. Houve, portanto, a confirmação tácita dos preparativos dessa intervenção. Do conjunto (inclusive porque o general Mourão é crítico ferrenho do PT), podemos pensar que eles disseram, na verdade: “Lula não pode ser candidato. Se for candidato, não pode ser eleito. Se for eleito, não pode tomar posse. Se tomar posse, não deixaremos governar”. Estamos diante de um Carlos Lacerda fardado e com todo o dinheiro do Exército em suas mãos.

(Foto em destaque: general Eduardo Villas Boas, pelo Exército Brasileiro)

Venezuela: situação se agrava

A Venezuela vive uma grave crise econômica, política e humanitária, decorrente especialmente da queda do preço do petróleo, do qual sua economia depende há cerca de 60 anos. O parlamento dominado pela oposição já não tinha poder de tomar decisões válidas, pois desobedecia determinações judiciais, especialmente por ter dado posse a quatro deputados cuja eleição havia sido anulada. A oposição não reconhecia essas decisões, pois os 4 parlamentares lhe dariam poder para alterar a Constituição de 1999, cuja validade ela nunca reconheceu.

Semana passada, foi eleita uma nova assembléia constituinte, sem a participação da oposição — que passou a jurar defender a Constituição de 1999, que ela mesma revogou em 2002, quando obteve o poder por 3 dias, por meio de um golpe militar. Apesar dos apelos, inclusive da Santa Sé,  o governo resolveu continuar com o processo, instalando a constituinte. Naquela mesma semana, o governo americano declarou que faz de tudo para destituir o presidente Nicolás Maduro.

No domingo (6), ao menos um ex-militar, expulso das forças de segurança por participar de um golpe frustrado em 2014, promoveu um levante junto com alguns civis e assaltou o quartel onde fica a principal base de veículos blindados da Venezuela, levando consigo 93 fuzis AK-103 e quatro lança-granadas.

Ontem (8), o Palácio Legislativo da Venezuela foi totalmente tomado pela nova Assembleia Nacional Constituinte, proibindo-se a entrada dos parlamentares da Assembleia Nacional Bolivariana. No mesmo dia, a Constituinte se declarou acima de todos os poderes venezuelanos. Ainda no dia 8, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos divulgou nota em que afirma o uso desproporcional da força e a tortura contra manifestantes da oposição — apesar de que a metodologia pode ter fornecido um retrato ainda pior do que a situação real, inclusive ignorando os atos de terrorismo praticados pela oposição, como o lançamento de granadas contra o Tribunal Supremo de Justiça e o uso de bomba contra a Guarda Nacional Bolivariana.

Opinião de Visão Católica

É urgente restabelecer o diálogo no seio da sociedade venezuelana. A oposição, marcadamente os proprietários do capital e a classe média, nunca se conformaram com a Constituição de 1999, com a lei de hidrocarbonetos (petróleo e gás natural) e com a perda das benesses da administração do tesouro nacional. Nos três dias em que estiveram no poder em 2002, por meio de golpe revertido pela mobilização popular e por parte das forças armadas, revogaram a Constituição, a lei de hidrocarbonetos, a lei de pesca e o acesso universal à saúde.

Depois, promoveram um locaute (greve patronal) e se recusaram a participar das eleições, deixando o chavismo dominar o parlamento praticamente sozinho. Frustradas as iniciativas, voltaram às eleições, e, com a crise decorrente da queda do preço do petróleo, obtiveram ampla maioria na Assembleia Nacional Bolivariana. Não se contentaram com a simples maioria, deram posse a 4 deputados cuja eleição havia sido anulada devido a irregularidades — queriam garantir para si o poder de alterar a Constituição que nunca aceitaram. Desde então, nenhuma decisão do parlamento é considerada válida, por determinação do Tribunal Supremo de Justiça.

Em 2014 e agora, em 2017, protestos violentos marcaram a sociedade venezuelana. A violência parte de ambos os lados. No Brasil, por muito menos as forças armadas foram enviadas para impedir protestos em Brasília, ainda este ano.

Por outro lado, o governo também eleva a tensão social, em vez de promover o diálogo. Quando a Santa Sé tentou promovê-lo, o governo até tentou participar e firmou compromissos para distender a sociedade. Diante da negativa da oposição, retrocedeu. Agora, com a sociedade profundamente dividida e radicalizada, a instalação da Constituinte, mesmo que legal, acirra ainda mais os ânimos, sendo motivo de piora da situação.

O que os católicos podemos fazer? Penso que rezar para que as autoridades promovam o diálogo e a conciliação, mas também promover a construção de pontes entre as partes, reconhecendo que ambas têm um lastro social importante, que há verdadeiramente uma crise grave na Venezuela, e conclamando ao respeito pelo próximo, inclusive a sua opinião política. Todos os lados estão errados em alguma medida, mas não são por isso menos representativos de partes da sociedade venezuelana — é preciso reconhecer a legitimidade de ambos.

(Imagem em destaque: quadro de vídeo da sublevação em Paramacay.)

Balanço de 2016

Opinião de Visão Católica

O ano finda, e a imprensa aproveita para fazer suas retrospectivas de 2016. Muita coisa aconteceu, sem dúvida, mas nenhum levantamento será capaz de expressar o que levará desse ano o coração de cada pessoa, o que ele significa para cada um de nós e para nossas famílias. Mas, como a memória é fundamental para um presente sadio e para a construção de um futuro melhor, fica aqui meu exercício de historiador e estudante de teologia.

Na política, o mundo ficou avesso às periferias existenciais, tão caras ao nosso papa Francisco e a todo cristão. O Reino Unido decidiu sair da União Europeia, que havia sido construída para garantir a paz após a Segunda Guerra Mundial por meio da integração das economias e das populações. E fez isso em um contexto de gravíssima crise migratória, em um ano em que milhares de pessoas morreram ao atravessar o mar Mediterrâneo ou ainda esperam em campos de refugiados para chegar aos seus destinos finais, muitas vezes o próprio Reino Unido. Do outro lado do Atlântico, Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos da América pela minoria dos cidadãos americanos, com a promessa de “fazer a América grande novamente”, construir um muro na fronteira com o México e barrar a imigração muçulmana. Parece Hitler querendo restaurar a glória da Alemanha combatendo as populações judias e eslavas.

Foi também um ano de atentados terroristas que mataram milhares de pessoas, e um ano de inflexão na guerra que o Estado Islâmico trava contra a humanidade. Essa organização messiânica (porque os muçulmanos sunitas também têm um messianismo), que procura apressar o fim do mundo com a criação de um califado em um lugar de suma importância para o fim dos tempos em sua visão, mudou sua estratégia no exterior, e agora não apenas recruta soldados, mas também incentiva que simpatizantes e militantes executem ataques terroristas fora do território que reivindica. E foi um ano de muita dor para as famílias de cada vítima desse desastre que se chama “primavera árabe”. Por outro lado, essa mesma organização começou a perder território, tanto na Síria como no Iraque. Mesmo assim, não há como prever o fim da guerra.

Aqui no Brasil, tivemos o impeachment de Dilma sem que houvesse crime de responsabilidade comprovado. O que se viu a partir de então foi o ataque frontal à Constituição de 1988, rasgada pelo menos desde maio, quando a presidente foi afastada do cargo. As garantias, os direitos, o espírito da Constituição Cidadã foi completamente varrido do mapa. Minha avaliação desse processo pode ser lida aqui e aqui.

Apenas para dar alguns exemplos, não custa ver a súbita mudança de atitudes em relação às manifestações públicas. Antes de maio havia relativa tranquilidade para os cidadãos se manifestarem, exceto em São Paulo, onde o atual ministro da justiça dizia que as manifestações contra o impeachment não teriam direito de existir. Mas, essa tranquilidade ilusória de repente se dissipou após o afastamento de Dilma. Diversos relatos de abuso sobrevieram. Mais recentemente, em Brasília vândalos se infiltraram em manifestações contra o governo federal e suas medidas, esperando apenas o sinal da polícia para começar a depredação — pareceu até haver combinação para que as manifestações de repente passassem a ser taxadas de “baderna” e para que as pessoas se sentissem inseguras para se manifestar. Um autêntico “Movimento Sai da Rua”. Não custa lembrar que, no episódio mais recente, a polícia impediu os manifestantes de sequer se aproximarem do Senado Federal, onde estava sendo votada a medida a que se opunham. A barreira policial foi colocada junto ao Museu da República, a 1,5 quilômetro de distância.

Com o teto dos gastos públicos, a economia ficará engessada por 20 anos, e os recursos de saúde, educação, segurança, ciência e tecnologia, por exemplo, ficarão cada vez mais escassos para uma população em crescimento. Propõe-se uma reforma da previdência que praticamente inviabilizará a aposentadoria de milhões de pessoas e obrigará outras tantas a se aposentar com um valor miserável — mesmo que as contribuições sociais superem em muito o valor utilizado na seguridade social. E isso que chamam de governo também atropela a discussão sobre a reforma do ensino médio, que já levava anos, com uma medida provisória que nem sequer terá eficácia no próximo ano — ou seja, sem nenhuma urgência que justificasse o uso de uma medida provisória. O Ministério Público Federal considera essa medida inconstitucional.

Mas, não foi só isso. Houve divulgação de conversas telefônicas, vazamentos seletivos de delações premiadas, mais e mais prisões “preventivas” abusivas, conduções coercitivas sem tentativa anterior de tomar depoimento, tudo muito bem orquestrado para provocar o impacto político desejado: derrubar o governo petista. Até mesmo o UOL foi obrigado a reconhecer as ilegalidades da Operação Lava Jato. E foi 2016 o ano em que isso que está no lugar do governo federal apoiou até o fim os interesses privados de um ministro contra o interesse público pela preservação do patrimônio histórico — com direito a moções de apoio do parlamento. Em qualquer república isso teria levado ao fim do governo. O próprio ocupante do Palácio do Planalto publicamente afirmou que tentou colocar um órgão público (a AGU) para mediar esse conflito entre o IPHAN e o bolso do Geddel. Não há mais República no Brasil.

Já na economia, se formos fazer um balanço de 2016, estaremos diante do desastre: um desastre que tende a se agravar mais e mais. Chegamos ao final do ano com 33% mais desempregados (quase 3 milhões de pessoas) e, mesmo entre os que mantém o emprego, o salário caiu em média 2%. Somente de maio para cá, subiu 4% o número de empregados sem carteira assinada. E tais estatísticas não incluem os servidores públicos com salários atrasados.

Na chamada macroeconomia, os números vão de mal a pior: o PIB já caiu 2,5%, o consumo das famílias caiu 3,4%, o investimento chamado “formação de capital fixo” caiu 8,4%. Parece que os empresários desistiram da economia real, daquilo que afeta os mais de 200 milhões de brasileiros. Mesmo no comércio exterior, as exportações praticamente paradas e a queda de 6,8% das importações indicam justamente que ninguém mais está comprando. As operações de crédito são exemplo disso: caíram 3,6% no ano. Mas, ainda há muita gente feliz na economia “irreal”, quer dizer, aquela que praticamente não gera empregos nem bens que possam ser usados pelas pessoas. Os lucros do setor financeiro vão muito bem, obrigado, com juros que subiram 11% e o lucro com esses juros subindo 26,3%. O dinheiro ficou mais barato para os bancos, mas mais caro para o povo e as empresas produtivas. E, com a derrubada do governo e da política escolhida pela população, os bancos públicos não movem mais uma palha para mudar a situação — nos governos petistas, já teriam anunciado a queda dos juros do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal para impulsionar a economia.

Mas, nem tudo são espinhos. No cenário internacional, sobressaem algumas boas notícias, como a paz alcançada pelo governo da Colômbia e pelas FARC, após 52 anos de guerra. Na Síria, terminamos o ano com Aleppo pacificada e um cessar-fogo promissor. No Iraque, as forças armadas avançam contra o Estado Islâmico em Mossul, antiga Nínive, onde atuou o profeta Jonas. E temos o exemplo, no mundo todo e no Brasil, de pessoas que nas piores situações se mantém firmes, fiéis aos valores morais e à fé. Deus queira que o próximo ano nos traga a paz!

PMDB sai do governo: e agora, Temer?

Hoje (29), em uma reunião que durou apenas 4 minutos e 12 segundos, e que não contou com nenhum debate, os peemedebistas que se dignaram participar da reunião da direção nacional do partido resolveram por aclamação que o PMDB sairá do governo. Michel Temer, principal articulador do rompimento,  pretende continuar vice-presidente da República. Renan Calheiros, presidente do Senado, não participou da reunião. Eduardo Cunha, presidente da Câmara, sim. Os seis ministros peemedebistas não participaram. A moção aprovada se omite quanto ao ingresso na oposição. Na prática, abre espaço para que o partido simplesmente continue dividido.

Eduardo Cunha, Romero Jucá, José Sarney e outros peemedebistas comemoram decisão de deixar o governo. Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados.
Eduardo Cunha, Romero Jucá e outros peemedebistas comemoram decisão de deixar o governo. Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados.

A moção afirma que a disputa das eleições em 2018 é um fator preponderante na decisão de hoje — isto é, o partido deixa o governo em meio a uma grave crise da República com o objetivo explícito de eleger o próximo presidente. Também reclamam da falta de participação do PMDB nas decisões políticas e econômicas do governo federal — no mesmo tom da carta de Michel Temer publicada em dezembro. Naquela ocasião, Temer reclamou também de que Dilma não teria se preocupado em manter no governo ministros indicados por ele, sem querer demonstrando que a presidente da República não usa esses cargos para “comprar apoio” de outros partidos, como constantemente aventado pela oposição e pela mídia.

Opinião de Visão Católica

Antes de mais nada, sugiro que o leitor acesse e leia com atenção o dossiê sobre a posição da Igreja Católica, contrária ao impeachment. Também pode ver o vídeo abaixo, do bispo de Crateús (CE), dom Ailton Menegussi:

Michel Temer tem lutado para que o PMDB se oponha ao governo federal e apoie o impeachment da presidenta Dilma Rousseff — ainda que não haja um crime de responsabilidade provado contra ela. O Brasil já viveu essa situação em que presidente e vice se mantém em polos opostos. Resultou no golpe de 1964.

Em 1960, a eleição do presidente da República e de seu vice era separada: o cidadão escolhia cada um deles conforme sua vontade, mesmo que de posições contrárias. Nesse ano foram eleitos Jânio Quadros — com o mote de combater a corrupção que grassaria no governo de Juscelino Kubitschek, contra o qual nada foi provado — e João Goulart (Jango), ex-ministro do trabalho do governo de Getúlio Vargas e cunhado de Leonel Brizola, candidato pelo mesmo grupo que sustentou JK. Estavam nos extremos opostos da política brasileira à época.

Logo em agosto de 1961, Jânio Quadros renunciou, alegando que “forças terríveis” investiam contra ele. Nunca ficou esclarecido que forças seriam essas, mas é suposto que seu objetivo seria, com a aversão do Congresso Nacional a João Goulart, seu vice, obter apoio ou poderes adicionais junto com a rejeição da renúncia. No entanto, o Congresso aceitou a renúncia, ao mesmo tempo em que se insurgia — junto com setores das forças armadas — contra a posse do vice-presidente, Jango. Foi o golpe do parlamentarismo, em que esse sistema de governo foi imposto como “solução” para que o vice fosse empossado. Houve grande resistência de setores da população e das forças armadas, especialmente do governo do Rio Grande do Sul, tendo à frente Leonel Brizola, e do exército lá sediado. Foi a Campanha da Legalidade, de admirável memória.

Em 1963, como parte da “solução parlamentarista”, houve um plebiscito, em que a população escolheu o presidencialismo (o mesmo ocorreu há 23 anos, no plebiscito de 1993). Agora, a oposição tenta ressuscitar o golpe parlamentar, usando a pressão de setores da população para tentar depor a presidente da República, Dilma Rousseff, com a desculpa das chamadas “pedaladas fiscais”, que nada mais foram, realmente, do que atrasos no pagamento de certas obrigações do governo federal. Conduta questionável, sem dúvida, mas que não está elencada entre os crimes de responsabilidade listados na lei. Toda essa questão das “pedaladas” e dos decretos não numerados já foi oportunamente esclarecida pelo governo, e não há, até agora, julgamento das contas da presidente (e mesmo uma reprovação não implicaria necessariamente um crime de responsabilidade). Somente no parlamentarismo seria possível depor um governante pela mera insatisfação dos deputados — e setores da política brasileira, como o PSDB, sugerem o parlamentarismo como solução para a crise. Querem passar por cima da vontade do povo brasileiro, expressa nas urnas em dois plebiscitos.

Se Michel Temer fosse um homem coerente, deixaria o governo. Ele articulou a saída do PMDB. Ele deveria sair também. Mas, ao contrário, pretende utilizar a estrutura da vice-presidência como quartel-general do impeachment e conquistar o poder que as urnas não lhe conferiram. Com vistas à eleição de 2018. O que querem não é o bem do povo brasileiro. O que querem, afinal, é o poder.