Guerra no Oriente Médio recrudesce

A guerra no Oriente Médio (especialmente na Síria) tem recrudescido. No início deste mês, com o início de uma ofensiva do governo sírio para tomar a cidade de Alepo, dezenas de milhares de habitantes fugiram rumo à Turquia, encontrando a fronteira fechada pelos turcos. Um pouco antes, haviam fracassado as negociações de paz, diante da recusa de participação pelos rebeldes. No último sábado (13), doze picapes armadas com metralhadoras pesadas entraram na Síria a partir da Turquia, em uma operação para entrega de suprimentos aos rebeldes – a Síria denunciou a presença de militares turcos, o que foi negado pela Turquia. Também Turquia e Rússia trocam acusações mútuas desde a derrubada de um avião russo que atacava rebeldes na Síria. A região onde o avião foi abatido é povoada por população turcomana, que a Turquia diz estar sendo massacrada (e ameaça agir). No dia 15, mais um hospital da organização Médicos Sem Fronteiras foi bombardeado. As forças envolvidas na guerra trocam acusações entre si (EUA acusam a Rússia e a Síria, que acusam os EUA). No mesmo dia, aviões turcos invadiram o espaço aéreo grego sobre o mar Egeu, perto de ilhas cuja soberania é disputada entre os dois países. Desde julho de 2015, a Turquia vem bombardeando as forças curdas, que combatem com sucesso o Estado Islâmico, com a desculpa de combater terroristas após atentados que vitimaram a população curda e seus aliados internos na Turquia. Os bombardeios foram intensificados desde o sábado (13) – e, na reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas da segunda-feira (15), a Turquia foi fortemente criticada pela Rússia, pelo Chipre e pela Síria. Na reunião do dia seguinte (terça, 16), a Turquia foi instada a retirar suas tropas do território iraquiano, “cuja presença mina a soberania do Iraque”. Essa atuação turca contra os curdos, assim como a facilidade que os rebeldes (inclusive o Estado Islâmico) têm para cruzar a fronteira turca com armamentos e tropas leva facilmente à conclusão de que, no fim das contas, a Turquia (sede do último califado) apóia o Estado Islâmico (que proclamou um novo califado). No Iêmen, 14 militares foram mortos por um suicida do Estado Islâmico ontem (17). A situação iemenita, em que Arábia Saudita e Irã, como expoentes do sunismo e do xiismo, se confrontam, contando ainda com a presença da Al Qaeda e do Estado Islâmico, também foi alvo de discussão no conselho de segurança no dia 16. Em Ancara, capital turca, ao menos 5 pessoas morreram e 10 ficaram feridas ontem (17) em uma explosão que teria como alvo instalações militares.

Na Síria, embora nenhum lado possa se declarar inocente de crimes contra a humanidade, chama a atenção a declaração do vigário apostólico de Alepo dos Latinos, dom Georges Abou Khazen, alertando sobre a “‘frente moderada’, que, por ser considerada ‘moderada’, é protegida, defendida e armada [pelos EUA e aliados]. Na realidade, eles não são diferentes em nada dos outros jihadistas [Estado Islâmico e Frente Al Nusra], a não ser no nome”.

Opinião de Visão Católica

Esse extenso relatório demonstra o acerto do papa Francisco e do patriarca Kiril em sua preocupação com a possibilidade de o conflito se tornar uma nova guerra mundial. Na declaração conjunta que firmaram no último dia 12, exortam à busca de uma convivência pacífica e do diálogo inter-religioso. Pedem o auxílio para os cristãos perseguidos e a ação da comunidade internacional. Pedem pela libertação dos metropolitas de Alepo, Paulo e João Ibrahim, e suplicam aos céus para que o Criador proteja sua criação da destruição.

Eis o trecho mais significativo com relação a isso:

7. Determinados a realizar tudo o que seja necessário para superar as divergências históricas que herdámos, queremos unir os nossos esforços para testemunhar o Evangelho de Cristo e o património comum da Igreja do primeiro milénio, respondendo em conjunto aos desafios do mundo contemporâneo. Ortodoxos e católicos devem aprender a dar um testemunho concorde da verdade, em áreas onde isso seja possível e necessário. A civilização humana entrou num período de mudança epocal. A nossa consciência cristã e a nossa responsabilidade pastoral não nos permitem ficar inertes perante os desafios que requerem uma resposta comum.

8. O nosso olhar dirige-se, em primeiro lugar, para as regiões do mundo onde os cristãos são vítimas de perseguição. Em muitos países do Médio Oriente e do Norte de África, os nossos irmãos e irmãs em Cristo vêem exterminadas as suas famílias, aldeias e cidades inteiras. As suas igrejas são barbaramente devastadas e saqueadas; os seus objectos sagrados profanados, os seus monumentos destruídos. Na Síria, no Iraque e noutros países do Médio Oriente, constatamos, com amargura, o êxodo maciço dos cristãos da terra onde começou a espalhar-se a nossa fé e onde eles viveram, desde o tempo dos apóstolos, em conjunto com outras comunidades religiosas.

9. Pedimos a acção urgente da comunidade internacional para prevenir nova expulsão dos cristãos do Médio Oriente. Ao levantar a voz em defesa dos cristãos perseguidos, queremos expressar a nossa compaixão pelas tribulações sofridas pelos fiéis doutras tradições religiosas, também eles vítimas da guerra civil, do caos e da violência terrorista.

10. Na Síria e no Iraque, a violência já causou milhares de vítimas, deixando milhões de pessoas sem casa nem meios de subsistência. Exortamos a comunidade internacional a unir-se para pôr termo à violência e ao terrorismo e, ao mesmo tempo, a contribuir através do diálogo para um rápido restabelecimento da paz civil. É essencial garantir uma ajuda humanitária em larga escala às populações martirizadas e a tantos refugiados nos países vizinhos.

Pedimos a quantos possam influir sobre o destino das pessoas raptadas, entre as quais se contam os Metropolitas de Alepo, Paulo e João Ibrahim, sequestrados no mês de Abril de 2013, que façam tudo o que é necessário para a sua rápida libertação.

11. Elevamos as nossas súplicas a Cristo, Salvador do mundo, pelo restabelecimento da paz no Médio Oriente, que é «fruto da justiça» (Is 32, 17), a fim de que se reforce a convivência fraterna entre as várias populações, as Igrejas e as religiões lá presentes, pelo regresso dos refugiados às suas casas, a cura dos feridos e o repouso da alma dos inocentes que morreram.

Com um ardente apelo, dirigimo-nos a todas as partes que possam estar envolvidas nos conflitos pedindo-lhes que dêem prova de boa vontade e se sentem à mesa das negociações. Ao mesmo tempo, é preciso que a comunidade internacional faça todos os esforços possíveis para pôr fim ao terrorismo valendo-se de acções comuns, conjuntas e coordenadas. Apelamos a todos os países envolvidos na luta contra o terrorismo, para que actuem de maneira responsável e prudente. Exortamos todos os cristãos e todos os crentes em Deus a suplicarem, fervorosamente, ao Criador providente do mundo que proteja a sua criação da destruição e não permita uma nova guerra mundial. Para que a paz seja duradoura e esperançosa, são necessários esforços específicos tendentes a redescobrir os valores comuns que nos unem, fundados no Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo.

12. Curvamo-nos perante o martírio daqueles que, à custa da própria vida, testemunham a verdade do Evangelho, preferindo a morte à apostasia de Cristo. Acreditamos que estes mártires do nosso tempo, pertencentes a várias Igrejas mas unidos por uma tribulação comum, são um penhor da unidade dos cristãos. É a vós, que sofreis por Cristo, que se dirige a palavra do Apóstolo: «Caríssimos, (…) alegrai-vos, pois assim como participais dos padecimentos de Cristo, assim também rejubilareis de alegria na altura da revelação da sua glória» (1 Ped 4, 12-13).

13. Nesta época preocupante, é indispensável o diálogo inter-religioso. As diferenças na compreensão das verdades religiosas não devem impedir que pessoas de crenças diversas vivam em paz e harmonia. Nas circunstâncias actuais, os líderes religiosos têm a responsabilidade particular de educar os seus fiéis num espírito respeitador das convicções daqueles que pertencem a outras tradições religiosas. São absolutamente inaceitáveis as tentativas de justificar acções criminosas com slôganes religiosos. Nenhum crime pode ser cometido em nome de Deus, «porque Deus não é um Deus de desordem, mas de paz» (1 Cor 14, 33)

(Imagem em destaque: tanques em frente a mesquita em Azaz, ao norte de Alepo, Síria. Foto: Christiaan Triebert.)

Bebês com microcefalia viram alvo de abortistas

Com a recente epidemia do vírus de Zika, e com a suspeita de que guarde relação com o aumento do número de casos de microcefalia registrados no Brasil desde o ano passado  (no entanto, há somente 17 casos confirmados da relação entre Zika e microcefalia), bebês com essa malformação viraram o novo alvo dos que querem a legalização do aborto. Para evitar um derrota se propusessem uma alteração na lei, resolveram procurar o poder judiciário.

O portal G1 divulgou ontem (2) e hoje (3) entrevistas concedidas por José Gomes Temporão (PSB-RJ), Débora Diniz e Drauzio Varella, todos favoráveis ao aborto. Na versão deles, haveria hipocrisia e machismo na proibição do aborto, que só atingiria as camadas mais pobres da população. Em outras palavras, querem permitir que bebês pobres ou com malformação possam ser abortados.

No entanto, querem evitar que a sociedade apresente sua opinião. Se propusessem uma lei ao Congresso Nacional, “jamais passaria”, disse Temporão. E justifica sua opinião abortista com a suposição de que “abortos ilegais são feitos todos os dias nas camadas mais ricas da sociedade”, excluindo qualquer apreciação moral do tema — alguém poderia argumentar, por exemplo, que roubos acontecem todos os dias, em praça pública, então não haveria porque proibir.

Além do Congresso Nacional, a opinião abortista também não encontra ecos no governo federal. “A presidente Dilma nunca falou sobre o assunto e nenhum dos ministros que me sucedeu tocou no tema”, afirmou Temporão. Resta a eles repetir o caminho que permitiu o aborto de bebês com anencefalia, isto é, fazer brotar do judiciário um alteração na legislação, ferindo a tripartição dos poderes.

Todos os citados estão de acordo em que a religião deveria ficar de fora da discussão, como se ela não fosse um aspecto legítimo, e mesmo uma parte constituinte da sociedade brasileira.

Opinião de Visão Católica

No fim das contas, não querem outra coisa, senão implementar políticas eugênicas, como as que fizeram sucesso na primeira metade do século XX, culminando no nazismo e no genocídio de judeus e ciganos, acompanhados de homossexuais e comunistas — mas agora em nome de um falso humanismo. Se não houvesse problema em matar um bebê com malformação, que problema haveria em matar uma pessoa já nascida, mas que precisa de cuidados especiais? E, no fim das contas, a outra ponta dessa corda é a eutanásia, que pretende legalizar o homicídio. Não é brincadeira, até mesmo as câmaras de gás eram consideradas uma forma “humana” de matar judeus.

(Foto em destaque: José Gomes Temporão. Fonte: Valter Campanato/ABr.)

Ministério do Planejamento esclarece decretos sem número

Decretos não numerados são comuns na legislação brasileira, e há uma lista infindável disponível ao público, desde 1991 até hoje. Segundo o site do Palácio do Planalto, esses decretos, “editados pelo Presidente da República, possuem objeto concreto, específico e sem caráter normativo. Os temas mais comuns são a abertura de créditos, a declaração de utilidade pública para fins de desapropriação, a concessão de serviços públicos e a criação de grupos de trabalho.” Isso pode ser facilmente conferido nos decretos de 2015, por exemplo. No entanto, a oposição vem sustentando o argumento de que alguns desses decretos feririam a lei orçamentária e, portanto, seriam razões suficientes para o impedimento de Dilma Rousseff. Para esclarecer esse assunto, o Ministério do Planejamento divulgou a nota a respeito da edição desses decretos (v. abaixo).

Opinião de Visão Católica

É importante conhecer o argumento do governo federal antes de tomar posição quanto ao possível impeachment da presidente da República. A edição de decretos não numerados é perfeitamente normal na legislação brasileira, e um dos seus usos é a abertura de créditos extraordinários. O que se poderia questionar seria a adequação desses créditos às leis orçamentárias, e, ao que parece, os decretos contestados atendem tanto à Lei de Diretrizes Orçamentárias quanto à Lei Orçamentária Anual — é o que argumenta, com fundamentos, o Ministério do Planejamento.

Sobre as chamadas “pedaladas fiscais”, isto é, o atraso de pagamentos a bancos públicos, que o TCU considerou ilegal, ainda cabe ao Congresso Nacional julgar se são motivo para reprovação das contas, o que somente acarretaria a ineligibilidade da presidente em novas eleições, mas não a perda do mandato — e mesmo isso pode ser contestado, pois dificilmente se enquadra nos artigos 36 e 37 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que vedam a entes públicos a tomada de empréstimos de bancos que controlem.

Por fim, os demais argumentos do pedido de impeachment não foram aceitos nem sequer por Eduardo Cunha, com todas as suas motivações, tão comentadas nas últimas semanas, para se vingar do PT e do governo petista. Enquanto não se encontrar um ato de Dilma Rousseff que atente contra a probidade da administração pública, a independência dos poderes públicos, a existência da União, a segurança interna do país, o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais, o cumprimento das leis e decisões judiciais, ou então a lei orçamentária, não estará configurado o crime de responsabilidade que a Constituição Federal exige para o impeachment. Nem mesmo a omissão poderia justificar o impedimento da presidente da República — e essa parece não existir, haja vista o empenho da Polícia Federal em operações como a Lava Jato. Se desejamos viver em um país democrático (e a democracia é preferível à ditadura — v. Compêndio da Doutrina Social da Igreja), isso deve ser respeitado.

Para a CNBB, “há no contexto [do processo de impeachment] motivação de ordem estritamente embasada no exercício da política voltada para interesses contrários ao bem comum”, pelo que manifesta apreensão e considera o possível impedimento de Dilma Rousseff uma ameaça à democracia.

Confira a nota do Ministério do Planejamento:

Esclarecimentos Sobre Edição de Decretos de Suplementação Orçamentária

Um dos fatores apontados no pedido de impeachment da Presidenta da República é a edição, em 2015, de seis decretos de suplementação orçamentária que supostamente não teriam base legal e a consequente execução de despesas que não teriam autorização do Congresso Nacional.

O questionamento não é feito sobre o valor total dos decretos, mas apenas sobre a parte que se refere à utilização de excesso de arrecadação de receitas próprias ou de superávit financeiro de anos anteriores como fonte de recursos. Alega-se que o uso dessas fontes seria incompatível com o alcance da meta fiscal.

O valor total dos decretos é de R$ 95 bilhões, dos quais, apenas R$ 2,5 bilhões referem-se às fontes mencionadas. O valor restante foi compensado com o cancelamento parcial de outras dotações como apresentado na tabela 1.

Desses R$ 2,5 bilhões correspondentes a excesso de arrecadação ou superávit financeiro, R$ 708 milhões referem-se a despesas financeiras que por definição não entram no cálculo do resultado primário, como detalhado na tabela 2.

As alegações feitas no pedido de impeachment não se sustentam por dois motivos básicos: os decretos mencionados estão de acordo com a legislação em vigor e, por si sós, não aumentaram a despesa da União.

Por que os Decretos estão de Acordo com a Lei?

A autorização para abertura de créditos suplementares por Decreto consta do art. 4º da Lei Orçamentária Anual de 2015 (LOA 2015), que define a possibilidade em diversas situações. São 29 incisos que tratam de autorizações específicas, muitas delas para garantir a agilidade na adaptação do orçamento em determinadas situações. Este mesmo artigo da LOA 2015 define que as fontes possíveis para abertura de crédito são:  

a) anulação parcial de dotações, limitada a 20% (vinte por cento) do valor do subtítulo objeto da anulação; 

b) reserva de contingência, inclusive à conta de recursos próprios e vinculados, observado o disposto no art. 5o, inciso III, da LRF; 

c) excesso de arrecadação de receitas próprias, nos termos do art. 43, §§ 1o, inciso II, 3o e 4o, da Lei no  4.320, de 17 de março de 1964; 

d) excesso de arrecadação de receitas do Tesouro Nacional; e 

e) superávit financeiro apurado no balanço patrimonial do exercício de 2014, nos termos do art. 43, §§ 1o, inciso I, e 2o, da Lei no  4.320, de 1964; 

Portanto, não há como questionar que poderiam ser editados decretos de suplementação e que estes decretos poderiam ter como fontes de recursos o excesso de arrecadação de receitas próprias ou superávit financeiro de anos anteriores.

Por que os Decretos não aumentam a despesa discricionária da União?

Sobre a adequação dos decretos de suplementação orçamentária ao cumprimento da meta fiscal, é importante separar claramente a gestão fiscal da gestão orçamentária.

Os Decretos de Crédito Suplementar são objetos da Gestão Orçamentária, enquanto o cumprimento da meta diz respeito à Gestão Fiscal.

Sobre a gestão fiscal, a Lei de Responsabilidade Fiscal é clara:

Art. 9o Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subsequentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias.”

Essa limitação de empenho e movimentação financeira é o que popularmente se chama de contingenciamento. Ou seja, a cada ano, o Governo limita, por meio de Decreto específico e numerado, o total de despesas que podem efetivamente ser executadas por cada órgão. Assim, para executar uma despesa, não basta que o órgão tenha dotação orçamentária, ele também precisa de limite de execução financeira.

Os decretos que estão sendo questionados são decorrentes da gestão orçamentária e não aumentaram o limite de execução para nenhum órgão definido no decreto de contingenciamento. Portanto, eles não ampliaram o total de despesas que podiam ser executadas. Em realidade, eles apenas possibilitaram que os órgãos remanejassem recursos internamente, de forma a melhorar a qualidade do gasto.

Assim, não cabe falar que houve comprometimento da meta fiscal por esses decretos. No período imediatamente anterior a esses decretos, ao contrário do que se acusa, o Governo cortou ainda mais seus gastos discricionários em R$ 8,6 bilhões, aumentando o contingenciamento total de 2015 para R$ 79,8 bilhões, o maior contingenciamento já realizado desde o início da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Esclarecimentos adicionais

Porque os decretos são não-numerados

Os decretos mencionados no pedido de impeachment não possuem numeração por que não possuem caráter normativo. Mais especificamente, segundo o Decreto 4.176/2002, editado pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso, somente os decretos de caráter normativo deverão ser numerados. Os demais tipos de decreto, como aberturas de créditos e provimento e vacância de cargos, são identificados pelo seu tema e data de publicação. Esses Decretos são publicados no diário oficial e estão disponíveis “Portal da Legislação do Governo Federal”: http://www4.planalto.gov.br/legislacao/legislacao-1/decretos-nao-numerados1#content

Esforço Fiscal de 2015

Ao longo de 2015, o governo federal vem adotando uma série de medidas de ajuste fiscal, cujo valor total estimado atinge R$ 134 bilhões (2,3% do PIB). Houve medidas de redução de despesas e aumento ou recuperação de receitas. O esforço de redução de despesas atingiu R$ 82,7 bilhões (1,4% do PIB) e responde por 61,7% do esforço fiscal programado para este ano, como detalhado na tabela 3.

Michel Temer envia carta a Dilma

O vice-presidente da República, Michel Temer, enviou carta “confidencial e pessoal” à presidente Dilma Rousseff. O conteúdo dela, no entanto, foi divulgado na imprensa e causou constrangimento a todas as partes. Na carta, Temer acusa Dilma de nunca ter confiado nele, e de ter sido tratado como um “vice decorativo”.

A missiva do vice-presidente elenca 11 situações em que isso teria sido demonstrado, incluindo deixar de ser chamado para reuniões, não ser ouvido em assuntos importantes, ser ignorado enquanto vice-presidente da República e presidente do PMDB nas tratativas com parlamentares do partido. Mais ainda, revela que parte de seu desconforto vem de Dilma não ter se preocupado em manter ministros indicados por ele — sem querer revelando que o governo não usou tanto assim os cargos como moeda para compra de apoio político, como foi aventado na última reforma ministerial.

Segundo Temer revelou a jornalista de O Globo, a carta foi entregue em mãos a sua chefe de gabinete, para que a entregasse à presidência da República. O vice-presidente acusa a presidência de ter vazado o conteúdo dela.

No entanto, nem todo o PMDB expressa mágoas em relação à presidente. Nas palavras do governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (também do PMDB):

Não tenho poder nenhum para mediar uma conversa entre os dois e não acredito que o Temer esteja se afastando. Não acredito na ruptura. Minhas posições são claras e acho que o impeachment é um desserviço num momento de tão grande crise. O PMDB ajudou a eleger a presidente e agora tem de ajudar a governar.

Opinião de Visão Católica

Independente de qualquer avaliação sobre a veracidade do que está expresso na carta de Michel Temer a Dilma Rousseff, ou então de quem  a divulgou e por qual razão, um fato parece transparecer do texto: o PT está colhendo o que plantou em sua relação com os aliados.

No início do ano, o PT tentou impor um candidato à presidência da Câmara dos Deputados, mesmo tendo uma bancada menor que a peemedebista. Aconteceu que Eduardo Cunha (PMDB-RJ) não apenas foi eleito, mas passou a se opor ao governo petista. Isso abriu espaço para que, aliando-se à oposição, acatasse um pedido de impeachment muito semelhante a outro que já havia sido rejeitado por ele mesmo. E não é a primeira vez. Basta olhar para o passado, e ver a eleição de Severino Cavalcanti (PP) para a presidência da Câmara em 2005, um processo muito semelhante, em situação igualmente delicada. Cavalcanti renunciou ao mandato meses depois, após denúncias de corrupção, algo que Cunha se recusa a fazer.

Isso tudo me lembra uma ocasião em que, presidindo um debate com Markus Sokol, da corrente O Trabalho, do PT, pude questioná-lo a respeito da visão petista da política brasileira nos últimos 20 anos (na época). Ele havia mencionado em sua fala que o PT seria uma “necessidade histórica”, bem aos moldes de um certo marxismo. Questionei o porquê dessa afirmação, pois, na época em que o partido foi fundado, havia alternativas, desde os grupo de Brizola até o PCdoB, passando pelo grupo de Miguel Arraes e pelo PCB, por exemplo. A resposta foi de que a história estava aí para mostrar: o PT passara a ser maior que esses outros grupos.

Ou seja: a visão petista da política brasileira diz que o Partido dos Trabalhadores é uma “necessidade histórica”, o destino manifesto do PT é governar o Brasil e suplantar as “velhas” formas de  política e de sindicalismo representadas pelos outros grupos. O petismo está imbuído, enfim, de um menosprezo pelos demais grupos políticos, especialmente de um menosprezo por seus aliados. O PT colhe o que plantou.

A íntegra da carta está disponível em http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/12/leia-integra-da-carta-enviada-pelo-vice-michel-temer-dilma.html

(Foto em destaque: Michel Temer, por Romério Cunha/VPR.)

Rússia ajuda a libertar cidades do EI; Turquia derruba avião russo

Avião militar russo abatido pela Turquia cai na Síria.
Avião militar russo abatido pela Turquia cai na Síria.

O exército da Síria retomou, com ajuda da aviação militar russa, as cidades de Mheen e Hawwarin, até então sob domínio do Estado Islâmico (EI) — a informação foi divulgada ontem (23) pelo Observatório Sírio dos Direitos Humanos. Hoje (24), a Turquia derrubou um avião militar russo modelo SU-24, que caiu perto de Idlib, na Síria, cidade que fica a cerca de 25Km da fronteira turco-síria. Segundo o governo turco, teria havido violação do espaço aéreo da Turquia; a Rússia afirma que a aeronave permaneceu todo o tempo no espaço aéreo sírio, onde, afinal, caiu. A Turquia pediu a criação de uma zona de exclusão aérea na fronteira entre Síria e Turquia, o que inviabilizaria ataques aéreos ao Estado Islâmico na região, incluindo a cidade de Dabiq, onde o EI espera haver uma intervenção divina para expandir seu califado.

Mapa da região onde a Turquia derrubou o avião militar russo. Em vermelho, a fronteira turco-síria. A cidade de Idlib em cujas cercanias o avião caiu, fica a cerca de 25Km da Turquia. Fonte: Google Maps.
Mapa da região onde a Turquia derrubou o avião militar russo. Em vermelho, a fronteira turco-síria. A cidade de Idlib (marca vermelha) em cujas cercanias o avião caiu, fica a cerca de 25Km da Turquia. Clique na imagem para ampliar. Fonte: Google Maps.

Embora a Rússia tenha tomado partido do governo de Bashar al-Assad, atacando também grupos rebeldes não alinhados ao Estado Islâmico, a derrubada do avião russo no Egito por partidários do EI levou a uma inflexão em sua estratégia, intensificando os ataques diretos ao território controlado pelo califado. A região onde caiu o avião russo, porém, é controlada por grupos que se opõem a Assad, mas não pertencem ao EI. Um dos tripulantes da aeronave teria sido assassinado por esses rebeldes.

“A perda de hoje é uma facada nas costas que foi dada pelos cúmplices dos terroristas”, disse o presidente russo, Vladimir Putin, em referência à Turquia. Disse ainda que “os eventos trágicos de hoje vão ter consequências sérias nas relações russo-turcas” e que “nosso avião, nossos pilotos, não ameaçavam a Turquia”.

Opinião de Visão Católica

Não é a primeira vez que a Turquia ataca forças que se opõem ao Estado Islâmico. Nesse ano mesmo, após um ataque terrorista contra curdos e apoiadores da causa curda na Turquia, esse país bombardeou o curdos na Síria, a pretexto de combater o terrorismo. Os curdos, porém, não eram apenas vítimas, mas são um dos principais grupos opositores do EI. Na ocasião, Visão Católica publicou Turquia ataca os inimigos do Estado Islâmico.

A emergência do Estado Islâmico só foi possível graças à desagregação das sociedades iraquiana e síria após a invasão americana do Iraque em 2003 e a promoção da mal chamada “Primavera Árabe” (2010-2011) pelas potências reunidas na OTAN. Nesses lugares, em meio à crise, à desagregação e à desesperança, frutificou um movimento messiânico islamista, que procura provocar uma “batalha final” em Dabiq, na Síria, em que uma intervenção divina salvaria as tropas muçulmanas contra “Roma”, e iniciaria a expansão final do califado até que Jesus voltasse — os muçulmanos consideram Jesus um mero profeta.

Tendo origem na desagregação social, a batalha “final” contra o EI só poderá acontecer quando as sociedades iraquiana e síria voltarem a se reunir como uma comunidade. Por isso, é preciso levar em consideração os governos locais, que têm apoio de parcela considerável da população, mas também os grupos rebeldes que não procurarem implementar suas próprias visões de califado ou de submissão das demais parcelas da população. Uma vitória militar, mesmo sendo uma etapa necessária, não chegará a acabar com o pavio que incendiou o Levante. É preciso reconciliação e a harmonia social, em que cada povo, religião ou estrato social tenha voz e seja ouvido. Isso poderá criar a esperança, que é o verdadeiro antídoto para visões de mundo como a do Estado Islâmico.

Movimentos sociais no planalto pela continuidade institucional

Movimentos sociais se reuniram ontem (13) no Palácio do Planalto com a presidente da República, Dilma Rousseff e com o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Miguel Rossetto. No evento, chamado Diálogo com os Movimentos Sociais, a tônica foi a da defesa da continuidade do mandato de Dilma até 2018 e pelo aprofundamento das mudanças introduzidas nos governos petistas.

A presidente Dilma Rousseff participa do evento Diálogo com os Movimentos Sociais, no Palácio do Planalto. (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
A presidente Dilma Rousseff participa do evento Diálogo com os Movimentos Sociais, no Palácio do Planalto. (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Os movimentos sociais também demarcaram as diferenças com os que pretendem interromper o mandato de Dilma Rousseff. Guilherme Boulos, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, chamou-os de “golpistas que se utilizam da insatisfação social para impor o seu projeto político e para atacar a democracia”. Segundo Carina Vitral, presidente da UNE, “para ter impeachment precisa ter crime de responsabilidade, e sabemos que, contra a presidenta, não há qualquer indício ou acusação”. O presidente da CUT, Vagner Freitas, disse que “o que se vende hoje no Brasil é a intolerância, o preconceito de classe contra nós. Somos defensores da unidade nacional, de um projeto nacional.”

Pautas sociais

Por outro lado, projetos de interesse dos movimentos sociais também foram debatidos. Raimundo Bonfin, da Central dos Movimentos Populares afirmou que o governo “tem de taxar as grandes fortunas e combater de forma dura a sonegação fiscal”, fazendo menção ainda a manifestações ocorridas este ano em que a sonegação fiscal foi defendida pelos opositores: disse que songação “é corrupção, sim, porque tira dinheiro dos programas sociais e do desenvolvimento econômico.” Também foi defendida a universalidade do Sistema Único de Saúde, o orçamento da educação, o programa Minha Casa, Minha Vida, os povos e comunidades tradicionais.

Por outro lado, foi criticada a “Agenda Brasil“, proposta pelo presidente do Senado Federal, Renan Calheiros. Também foram criticados o presidente da Câmara dos Deputados e a política econômica — personificada no ministro da Fazenda, Joaquim Levy: “Fora já, fora já daqui, o Eduardo Cunha junto com o Levy”, repetiam os presentes.

Senadores independentes

Em outra frente política, também ontem os senadores independentes Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), Cristovam Buarque (PDT-DF), João Alberto Capiberibe (PDT-AP), Lídice da Mata (PSB-BA) e Lasier Martins (PDT-RS) se reuniram com Dilma Rousseff e defenderam a formação de um governo de união nacional. Na ocasião, Dilma elogiou o papel do Senado na crise atual, afirmando que a casa legislativa tem agido como “poder moderador”.

Opinião de Visão Católica

Tanto os movimentos sociais quanto os senadores do PDT, do PSB e até do PSOL defenderam “união nacional”. Mas, sempre de acordo com os seus interesses. Os movimentos sociais, por exemplo, têm acirrado em seu discurso a divisão de classes — que, embora exista e seja vista nas manifestações de rua que vêm ocorrendo ao longo do ano, não tende a produzir bons frutos, ao contrário, pode ter um resultado bastante danoso à democracia e aos interesses dos próprios movimentos sociais. O acirramento dos conflitos políticos tem evidentemente produzido intolerância (como eles mesmos denunciaram), até mesmo com atentados com bombas incendiárias contra sedes do PT e do Instituto Lula.

A violência tem crescido na política brasileira, e está presente especialmente nas manifestações da oposição, com bonecos enforcados, ameaças de magnicídio e atentados terroristas (porque as tentativas de incendiar sedes de instituições adversárias é terrorismo na sua acepção mais pura). E deve ser combatida. Porém, é aconselhável que o combate não se dê pelo acirramento dessa clivagem, já tão danosa, e o discursos dos movimentos sociais têm que ficar atentos a isso. Se pregam a união nacional, então, mesmo demarcando diferenças, não devem seguir verbalmente o caminho que os opositores têm seguido também materialmente.

As falas dos movimentos sociais podem ser lidas com mais detalhes na Agência Brasil.

Turquia ataca os inimigos do Estado Islâmico

Após sofrer um atentado terrorista na semana passada, atribuído ao Estado Islâmico (EI), e que teve simpatizantes dos curdos da Síria como alvo, a Turquia vem atacando fortemente as forças curdas — inimigas do Estado Islâmico — tanto em seu território quanto fora dele. Hoje (27), foi a vez de um ataque de artilharia contra a cidade síria de Zur Maghar, controlada pelas Unidades de Proteção Popular Curdas. Quatro pessoas foram mortas, todas pertencentes a um grupo aliado aos curdos.

Os curdos têm tido um papel proeminente no combate ao Estado Islâmico na Síria e no Iraque, e seu território vem se tornando refúgio de muitos cristãos que fogem do califado. A Turquia, por outro lado, vem sendo constantemente acusada de dar passagem livre aos estrangeiros que vão se juntar ao Estado Islâmico, e até mesmo a armas, munição com destino aos jihadistas.

A etnia curda reclama há muitos anos a criação de um Estado independente no norte do Iraque e da Síria e sul da Turquia, chamado “Curdistão”. Com a débâcle do Estado iraquiano, ganharam na prática alguma autonomia, e hoje são uma das poucas forças locais capazes de combater o califado proclamado por Al Baghdadi. Por esse mesmo motivo, o Curdistão se tornou refúgio de minorias, inclusive cristãos expulsos pelo EI.

Opinião de Visão Católica

A Turquia não tem atuado contra o Estado Islâmico. Membro da OTAN com maioria muçulmana, vizinha da região do conflito, poderia demonstrar ao mundo, e especialmente aos muçulmanos, que o combate ao Estado Islâmico é um combate pela humanidade, e não contra a religião que o EI afirma defender. Contudo, a reação da Turquia após o atentado da semana passada em Suruç demonstra que a Turquia tem tentado usar o conflito no Iraque e na Síria para enfraquecer os curdos, vistos como um inimigo interno. Isso, porém, pode levar ao fortalecimento do califado de Al Baghdadi, e sua conseqüente expansão para outros países de maioria muçulmana, inclusive a Turquia.

Intelectuais armênios assassinados a 24 de abril de 1915 (Fonte: Wikimedia)
A Turquia teima em não repudiar os atos do Império Turco-Otomano e do antigo califado. Na foto, intelectuais armênios assassinados a 24 de abril de 1915 (Fonte: Wikimedia)

Para complicar a situação, a Turquia foi a sede do califado anterior, extinto sob o governo do coronel Ataturk em 1924. Esse califado foi o responsável pela expansão do islamismo para o sudeste da Europa e pelo domínio de vastas áreas cristãs. Também foi o responsável, junto com o governo turco-otomano, pelo genocídio dos armênios durante a Primeira Guerra Mundial — evento até hoje defendido como uma questão de honra pelos governos turcos.

Mas, o califa é para os muçulmanos sunitas o legatário de Deus, e não pode haver dois califados. Se a Turquia quer se manter independente do Estado Islâmico, deve combatê-lo. E este já avisou que não reconhece nenhum governo secular, nem mesmo o turco.

(Imagem destacada: blindado turco em serviço a partir deste ano. Foto: Karaahmet/Wikimedia.)

Maioridade penal: OAB diz que redução viola a Constituição

Constitucionalmente, a matéria rejeitada não pode ser votada no mesmo ano legislativo. A redução da maioridade, que já possuía a inconstitucionalidade material, porque fere uma garantia pétrea fundamental, passa a contar com uma inconstitucionalidade formal, diante deste ferimento ao devido processo legislativo.

Parlamentar denuncia golpe que levou à aprovação da redução da maioridade penal na Câmara dos Deputados. Foto: Gustavo Lima/Câmara dos Deputados.
Parlamentar denuncia golpe que levou à aprovação da redução da maioridade penal na Câmara dos Deputados. Foto: Gustavo Lima/Câmara dos Deputados.

Essa é a posição oficial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), expressa em nota divulgada ontem (2), após a aprovação de uma emenda aglutinativa sobre uma matéria que já havia sido derrotada na Câmara dos Deputados: a redução da maioridade penal. No dia 30, os 303 deputados votaram pela redução da maioridade, 5 a menos do que os 308 votos necessários para mudar a Constituição Federal. No dia seguinte, 323 votaram pela redução.

Diante do cenário, a OAB e mais 7 partidos políticos ingressarão com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para declarar a inconstitucionalidade da votação. O ministro Marco Aurélio Mello já se pronunciou contrário à forma como foi aprovada a redução.  “A matéria constante de Proposta de Emenda à Constituição rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. E nesse período muito curto de 48 horas, não tivemos duas sessões legislativas”, disse o ministro do STF. Ele também é contra a redução da maioridade. Também o ministro do STF aposentado Joaquim Barbosa se manifestou publicamente contra a redução e contra a forma como aconteceu a votação. A Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), igualmente se posicionou contrária à medida: “não se pode alterar o que está estabelecido pelo artigo 228 da Constituição Federal; e o artigo 60, que trata de emenda à Constituição, veda a deliberação sobre matéria que tente abolir direito ou garantia individual”.

Opinião de Visão Católica

Visão Católica já havia alertado sobre a ameaça que ainda pairava sobre o povo brasileiro, visto que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, prometera insistir na matéria, como já fizera com o financiamento empresarial de campanhas eleitorais (assim como a redução da maioridade, ele foi rejeitado na primeira votação, mas aprovado na segunda).

Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, durante sessão que aprovou a redução da maioridade penal. OAB, AMB, ministros do STF e partidos políticos dizem que a manobra foi inconstitucional. Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados.
Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, durante sessão que aprovou a redução da maioridade penal. OAB, AMB, ministros do STF e partidos políticos dizem que a manobra foi inconstitucional. Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados.

O mandato de presidente da Câmara dos Deputados é curto (apenas dois anos), mas, já no primeiro quarto dele, Eduardo Cunha fez um grande estrago. Sempre empurrando suas próprias prioridades e posicionamentos políticos, ele seguidamente aprovou a ampliação da terceirização, o financiamento empresarial de campanhas eleitorais e a redução da maioridade penal. Nos dois últimos casos, colocando novamente em votação temas que antes não haviam conseguido os votos necessários para a aprovação. Felizmente essas propostas ainda tramitarão no Senado Federal, que poderá rejeitá-las.

A agenda de Eduardo Cunha é contrária à Doutrina Social da Igreja e ao Evangelho de Jesus Cristo. O cristão, como indivíduo e como cidadão, deve privilegiar os pobres e socorrer os mais necessitados. Deve agir com misericórdia, e não com espírito de vingança ou em benefício próprio. Amar o próximo como a si mesmo é mandamento divino (Mt 22,39). “Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes” dirá Jesus Cristo quando retornar em sua glória para julgar os vivos e os mortos (Mt 25,40).

Lembremo-nos, enfim, das palavras que o Espírito Santo inspirou na Santa Mãe de Deus:

O Poderoso fez por mim maravilhas
e Santo é o seu nome!
Seu amor, de geração em geração,
chega a todos que o respeitam;
demonstrou o poder de seu braço, *
dispersou os orgulhosos;
derrubou os poderosos de seus tronos *
e os humildes exaltou;
De bens saciou os famintos, *
e despediu, sem nada, os ricos.

(Lc 1,49-53)

México: pais de estudantes desaparecidos percorrem a América do Sul

Os pais de 43 estudantes secundaristas mexicanos desaparecidos no dia 26 de setembro de 2014 estão percorrendo a América do Sul em campanha para que o desaparecimento seja solucionado. Eles não acreditam na versão oficial de que eles teriam sido queimados em um aterro sanitário. “Vivos os levaram, vivos os queremos”, diz o lema deles. Os estudantes viajavam de ônibus quando policiais fardados os atacaram. O objetivo da viagem era arrecadar recursos para a escola em que estudavam e participar da marcha nacional contra o esquecimento do massacre de estudantes a 2 de outubro de 1968, na Cidade do México. A ronda atual foi intitulada Caravana 43 América do Sul e já passou pela Argentina e Uruguai, encontrando-se agora no Brasil.

Pais de estudantes desaparecidos no México percorrem a América do Sul em campanha para que o caso seja solucionado. "Vivos os levaram, vivos os queremos", diz o lema. (Foto: Fenando Frazão/Agência Brasil)
Pais de estudantes desaparecidos no México percorrem a América do Sul em campanha para que o caso seja solucionado. “Vivos os levaram, vivos os queremos”, diz o lema. (Foto: Fenando Frazão/Agência Brasil)

Os pais não crêem que os filhos estejam mortos. “Não cremos na Justiça. Mas o meu filho vai ter que regressar. Todos os pais estão procurando por eles. Nós os queremos vivos”, disse Mario César Gonzales Contreras, pai de César Manuel Hernandes, desaparecido. “Nós estamos procurando nossos filhos com vida. O governo apenas vem emitindo sua posição oficial, baseada no que disseram três pessoas que foram presas. Não tenho prova científica [de que estejam mortos]. Como pais, procuramos nossos filhos vivos. E justiça vamos pedir quando tivermos nossos filhos conosco”, afirmou Hilda Vargas, mãe de Jorge Antônio Tizapa Legideño, 21 anos, desaparecido.

Segundo a Agência Brasil, nesta quarta-feira (10), a Caravana 43 se encontrará com vítimas da violência e moradores de favelas, no Complexo da Maré. No dia 12, haverá um ato de encerramento da passagem do grupo pelo Brasil, na Cinelândia, tradicional espaço de manifestações políticas, no centro da cidade. A caravana já esteve em Porto Alegre e São Paulo.

Opinião de Visão Católica

Quando o papa Francisco escreveu, em correspondência pessoal, alertando contra o perigo da mexicanização de seu país natal, alguns não o compreenderam. Mas, aí está o que isso significa. No México, há décadas o crime organizado está de tal forma infiltrado no Estado e nos governos, que uma verdadeira guerra tomou conta do país, e os que mais sofrem são os jovens e os pobres.

Também no Brasil temos um cenário de terrível violência. Não à toa, haverá esse encontro hoje com moradores de favelas no Rio de Janeiro. Por lá nos últimos anos, além da infiltração do tráfico de drogas na polícia, observou-se a formação de milícias paramilitares, uma forma de corrupção e violência originada dentro das próprias corporações policiais.

Isso chama a atenção também para o problema da violência policial. Em uma justa medida, ela pode ser necessária para proteger a vida. A coerção, especialmente, é parte da atividade policial. Contudo, a maneira e como é exercida deve ser estritamente medida para que não viole a vida que diz defender, nem a dignidade dos que diz proteger.

PR: Ministério Público investigará massacre; ajude!

O Ministério Público do Paraná investigará o massacre ocorrido ontem (29) contra manifestantes na praça Nossa Senhora de Salete, no Centro Cívico de Curitiba. Pelo menos 200 pessoas ficaram feridas, 40 hospitalizadas, sendo 8 em estado grave. 14 manifestantes foram presos, mas não têm seus nomes revelados, nem é permitido que advogados auxiliem eles, em flagrante desrespeito aos direitos mais básicos do ser humano e à Constituição Federal. 20 a 50 policiais que se recusaram a participar do massacre teriam sido presos, mas não há informações oficiais. Crianças também foram atingidas, inclusive nas creches da região. Órgãos públicos e empresas tiveram que dispensar seus funcionários em decorrência do abuso do gás lacrimogênio. O barulho das bombas era ouvido até no Pilarzinho, bairro no norte de Curitiba.

O próprio Ministério Público havia expedido, pela manhã, a recomendação n.º 1/2015, para que se evitasse a violência por parte das autoridades públicas. A nota dizia:

a) garantam o direito à realização de manifestações públicas e pacíficas nos arredores da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná, a partir do livre acesso àquele espaço público, sem prejuízo do livre e regular funcionamento do Parlamento;

b) no acompanhamento da realização de manifestações pacíficas nelas não intervenham, salvo para assegurar a segurança de seus participantes ou para conter a prática de infrações penais, sendo certo que, neste caso, a atuação deve incidir tão somente em relação ao indivíduo que estiver cometendo o ilícito;

c) havendo a necessidade de atuação repressiva da Polícia Militar, observem os meios adequados e proporcionais de contenção, evitando-se o uso de qualquer espécie de armamento (não letal ou letal), salvo em caso de necessidade inafastável;

[…]

f) seja garantido o acesso de representantes da sociedade civil no acompanhamento dos trabalhos legislativos, na medida em que o espaço comporte, e sem prejuízo da ordem interna dos trabalhos;

Nada disso foi cumprido. Por isso, o Ministério Público instaurou procedimento para investigar os abusos da força policial e descobrir os responsáveis. Quem puder auxiliar com depoimentos, documentos, imagens ou vídeos da violência deve procurar os promotores de Justiça Paulo Sérgio Markowicz de Lima e Maurício Cirino dos Santos na Procuradoria-Geral de Justiça, rua Marechal Hermes, 751, Centro Cívico (atrás do Palácio Iguaçu e ao lado do Museu Oscar Niemeyer).

Entre os abusos constatados ontem, o prefeito de Curitiba, Gustavo Fruet (PDT), informou que as ambulâncias não conseguiam chegar ao local. Outras pessoas informavam que, as que eventualmente chegaram, foram alvo de bombas disparadas pela polícia. Pessoas que tentavam socorrer os feridos foram também alvo de tiros, bombas e cachorros policiais. Entre os feridos por cada um desses motivos estão um cinegrafista da CATVE, um da TV 15 e um da Band, respectivamente. O equipamento de filmagem da TV 15 ficou destruído pela bomba, jogada do helicóptero policial. Três pessoas testemunharam as bombas sendo jogadas do helicóptero, inclusive a Senadora Gleisi Hoffmann (PT), que estava em missão do Senado Federal para tentar evitar o massacre. Isso aparece também em ao menos um vídeo.

O governador Beto Richa (PSDB) afirmou que a ação policial teria ocorrido em resposta a vândalos e “black blocks”, que no entanto não aparecem em nenhuma imagem gravada no local. O governo do estado afirmou ainda que os presos seriam “black blocks” e que não haveria professores entre eles. Nota da APP Sindicato desemente:

“Pelo menos três professores conhecidos meus, um de Maringá e dois de Curitiba, estão detidos”, afirma o secretário de Assuntos Jurídicos da APP, Mário Sergio Ferreira de Souza. Segundo ele, nas delegacias os advogados estão sendo impedidos de conversar com os detidos.

“Além disso, eles se negam a dar os nomes de quem foi detido. Estamos vivendo, no Paraná, um total desrespeito ao Estado Democrático de Direito. O novo tirano das Araucárias se chama Beto Richa”, descreve Mário Sérgio.

De acordo com o diretor da APP, o Jurídico da entidade – em conjunto com a seccional paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Defensoria Pública – irá elaborar uma ação criminal contra o governador do Estado, o secretário de Segurança Pública e a cúpula da Polícia Militar (PM) do Paraná.

Atualização: A Senadora Gleisi Hoffmann (PT) escreveu ontem à noite em sua conta no Facebook:

Nada justifica a violência que presenciei hoje no Centro Cívico de Curitiba. Eu sou testemunha. Estava na porta da Assembléia com o Senador Roberto Requião [PMDB] conversando com os deputados, quando começamos a ouvir as bombas estourarem sem que ninguém tentasse entrar no local. Eu também andei no meio do povo, ninguém estava fazendo resistência e as bombas continuavam. Isso não faz parte da nossa história, não faz parte da democracia e do respeito que temos que ter com os movimentos.

Mais de 200 pessoas ficaram feridas. Vamos levar esse relato para o Senado, até porque não viemos aqui só como senadores do Paraná. Viemos representando o Senado Federal e vamos deixar registrada a vergonha que vimos aqui. É um absurdo que o governador não tenha tido o mínimo de sensibilidade para fazer a negociação.

Atualização 2: a rádio curitibana Banda B divulgou entrevista do comandante-geral da PM, onde ele supostamente isenta de culpa o secretário de segurança, Francisco Francischini, da violência ocorrida (e tenta igualar manifestantes e policiais, apesar de todas as imagens dizerem que os manifestantes não agrediram a polícia em momento algum). O comandante César Kogut disse:

O secretário observou de longe e não participou em momento algum das ordem dada a nível de campo. Os comandantes, junto com a tropa que estava no local, agiram de momento e não tivemos interferência dizendo faça isso ou aquilo

Ou seja, ele afirma que tudo foi uma ação espontânea dos militares envolvidos, eximindo-se também de qualquer culpa. Porém, ninguém tomou providências para parar o massacre, o que os coloca ao menos como cúmplices dos crimes cometidos pelos policiais. As imagens, contudo, demonstram uma ação organizada e premeditada por parte da Polícia Militar do Paraná, certamente autorizada ou determinada por seus chefes (Kogut, Francischini e Richa). Todos os policiais começam e terminam juntos as ações violentas, não há nada espontâneo, da “tropa que estava no local”.

Opinião de Visão Católica

Ontem Visão Católica já alertava para os crimes cometidos pelo governador Beto Richa (PSDB). Já na terça-feira afirmava que o governador promovia uma guerra contra o povo, e ontem repercutia informação dada a Esmael Morais, de que ” o subcomandante-geral da PM, coronel Nerino Mariano de Brito, ‘quer sangue’, segundo informam policiais”. Também ontem divulgava que o deputado Tadeu Veneri (PT) havia pedido a organismos internacionais que investigassem as violações de direitos humanos. O massacre de 29/4 foi anunciado. Beto Richa, responsável por ele, incorreu em crimes e deve ser punido conforme a lei. Ele inclusive não fala em investigar eventuais abusos: ao contrário, dá respaldo total à ação, na verdade orquestrada com o seu consentimento.

Depoimento

Estou a 1.300 Km do massacre, mas com o coração dilacerado. Nasci em Curitiba, e a praça Nossa Senhora de Salete, no Centro Cívico da cidade, faz parte dos primeiros 22 anos da minha vida. Lá aprendi a andar de bicicleta. Meu primeiro tombo foi perto de onde está hoje a rótula junto à prefeitura de Curitiba, onde foi socorrida a maior parte dos feridos. Se ia de ônibus à casa de minha avó paterna, passava pelo meio da praça, no veículo da linha Boqueirão-Centro Cívico. O caminho do Ahu ao centro da cidade muitas vezes era feito por ali. Quando voltava de bicicleta da faculdade, desviava pela rua que passa atrás da Assembléia (para não andar na contramão), indo da rótula da prefeitura à outra, entre a praça Cabeza de Vaca (atrás do Palácio Iguaçu, sede do governo estadual) e o Ministério Público do Paraná. Muitas vezes simplesmente caminhava por lá para apreciar a beleza da natureza e da arquitetura modernista, projetada para a comemoração do centenário da emancipação do Paraná, em 1953. Foi ali que aprendi a me manifestar, e aprendi também que a polícia estava lá para desviar o trânsito e para garantir nossa segurança. O direito à manifestação era constitucional, diziam (e eu conferi).

Mas, Beto Richa revogou a Constituição Federal. Acabou com o habeas corpus (nem as decisões judiciais permitindo a entrada na ALEP foram cumpridas) e com o direito à livre manifestação de opiniões. Acabou com o princípio constitucional da proporcionalidade. Acabou com o direito à dignidade humana, à integridade física e moral. Não disse nem sequer “esvaziem a praça a qualquer custo”. Ele disse: “esvaziem a praça a todo custo“. Até mesmo crianças foram atingidas. Quem tentava socorrer os feridos foi atingido. Quem filmava os acontecimentos foi atingido. Quem apenas estava ali, dizendo o que pensava, foi atingido. Todos nós, seres humanos, irmãos e irmãs no sangue, no batismo, na humanidade fomos atingidos. Quem estava lá eram meus amigos, meus conhecidos, meus colegas de faculdade. Posso ter seguido outros rumos após concluir o curso de bacharelado e licenciatura em História na UFPR. No entanto, sou professor. Meu corpo está longe, mas as bombas explodiram na minha alma.

(Imagem destacada: massacre na praça Nossa Senhora de Salete, 29/04/2015 — Pragmatismo Político)