STF afasta Renan, que fica no cargo

Ontem (5), o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), afastou Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado Federal. Hoje, a mesa diretora do Senado decidiu não cumprir a decisão liminar de Marco Aurélio, esperando a decisão do pleno do STF, prevista para amanhã. É mais um episódio dos atritos entre os poderes da República, que parece esfacelar-se.

Desde 2014, vazamentos da operação lava-jato têm sido usados para fins políticos, buscando-se atingir determinados partidos e determinados representantes. Como demonstrado pelo UOL, tortura vem sendo utilizada na operação lava-jato.

Em dezembro de 2015, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) chantageava a presidente da República Dilma Rousseff (PT) para tentar se salvar da cassação do mandato. Seu pedido de afastamento ficou parado no STF até que o impeachment fosse votado na Câmara dos Deputados — logo em seguida, foi afastado.

Ao longo do ano, o Ministério Público Federal (MPF) promoveu um abaixo-assinado para a criação de um projeto de lei de “iniciativa popular” que rasgaria os direitos e garantias fundamentais conquistados com o fim da ditadura — provas ilegais poderiam ser usadas nos processos penais e seria destruído o habeas corpus, isto é, o direito à liberdade enquanto não houver condenação final.

Ao longo do ano, Renan Calheiros vem promovendo a criação de medidas para punir atos ilícitos de juízes e procuradores, especialmente o abuso de poder. Além de haver um projeto de lei no Senado Federal, essas medidas foram incluídas pela Câmara dos Deputados nas “10 medidas contra a corrupção” do MPF. Quando o projeto do Senado estava prestes a ser colocado em pauta, um ministro do STF afasta sozinho o presidente do Senado.

Enquanto isso, Michel Temer vinha usando e abusando de seu poder para beneficiar seu aliado Geddel Vieira Lima, equiparando os interesses pessoais de Geddel a um “órgão da administração pública”, tentando fazer com que a divergência entre o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e o bolso de Geddel fosse resolvida pela Advocacia-Geral da União.

Esses são apenas alguns dos exemplos de uma República que se desfaz.

(Foto destacada: Renan Calheiros dá entrevista coletiva. Fonte: Agência Senado.)

Começa ofensiva contra capital do Estado Islâmico

Forças especiais americanas na batalha por Raca, na Síria. (Foto: isis.liveuamap.com)
Forças especiais americanas na batalha por Raca, na Síria. (Foto: isis.liveuamap.com)

Após dois anos de proclamação do califado do Estado Islâmico (EI), profundamente contestado pelos próprios muçulmanos sunitas, que dizem liderar, o Estado Islâmico se vê na defensiva nas duas principais cidades que controla: Mossul (antiga Nínive, onde atuou o profeta Jonas) e Raca. A primeira ofensiva, pelo controle de Mossul, e que já dura semanas, visa a retomar o controle da maior cidade do califado pelo governo iraquiano com ajuda de forças internacionais, milícias xiitas e curdas. Na segunda ofensiva, iniciada há horas, participam apenas forças da oposição síria e da autoproclamada “coalizão” liderada pelos EUA. Enquanto isso, as forças armadas sírias avançam na província de Homs.

Civis que fugiam para o sul foram alvo do Estado Islâmico na batalha por Mossul. (Foto: isis.liveuamap.com)
Civis que fugiam para o sul foram alvo do Estado Islâmico na batalha por Mossul. (Foto: isis.liveuamap.com)

No centro das batalhas, como sempre, estão os civis. Em Mossul, os que fugiam da batalha foram ontem alvo de um atentado terrorista do EI, que deixou dezenas de vítimas. Eles rumavam para o sul, em direção ao território já conquistado pelas forças do governo iraquiano.

Forças iraquianas (território em vermelho) avançam sobre Mossul com apoio dos curdos (em amarelo), xiitas e forças internacionais. (Fonte: isis.liveuamap.com)
Forças iraquianas (território em vermelho) avançam sobre Mossul com apoio dos curdos (em amarelo), xiitas e forças internacionais. (Fonte: isis.liveuamap.com)

O controle territorial é fundamental para o conceito islâmico de califado. Conquistadas as duas cidades, o EI perderá sua capital e sua maior cidade, justamente o local onde o califado foi proclamado. Se as vitórias de 2014 ajudaram a recrutar estrangeiros para sua guerra, o EI se vê agora enfrentando sucessivas derrotas, na eminência de perder o controle sobre suas maiores glórias: a capital de onde administra seu território e sua maior conquista militar, símbolo de seu antigo poderio. Há tempos o califado foi derrotado também em Dabiq, cidade simbólica para sua ideologia, que busca levar à “batalha final”, que segundo testemunhas Maomé teria predito que aconteceria naquele lugar antes do fim dos tempos.

Helicópteros do governo sírio fotografados pelo Estado Islâmico na província de Homs. (Foto: isis.liveuamap.com)
Helicópteros do governo sírio fotografados pelo Estado Islâmico na província de Homs. (Foto: isis.liveuamap.com)

Contra posição da Igreja, teto dos gastos chega ao Senado

Deputados entregam abaixo-assinado com mais de 330 mil subscrições contra o teto de gastos. Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados.
Deputados entregam abaixo-assinado com 330 mil subscrições contra o teto de gastos. Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados.

Apesar do posicionamento contrário da Igreja Católica, representada pela Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz, a proposta de emenda à Constituição (PEC) nº 241/2016 foi aprovada semana passada (25/10) pela Câmara dos Deputados e agora segue para ser analisada no Senado Federal, onde se espera que seja votada a toque de caixa, no próximo mês. No Senado, passa a ser conhecida como PEC nº 55/2016. Durante a sessão, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, determinou que os manifestantes fossem retirados das galerias. Um abaixo-assinado com 330 mil assinaturas contrárias ao projeto também não demoveu os deputados.

Principal proposta de Michel Temer para o país, a medida congelará a aplicação dos recursos públicos nos programas para a população, aumentando a cada ano a parcela destinada a pagar os credores, isto é, aquelas pessoas e empresas que têm dinheiro suficiente para emprestar ao governo. Dessa forma, a Constituição Federal passará a determinar, pelos próximos 20 anos, o aumento da concentração das riquezas e a redução dos recursos para atender cada cidadão. Quando terminar o prazo do chamado “novo regime fiscal”, o governo federal usará para atender as necessidades de cada brasileiro apenas 90% do que usa hoje. Menos dinheiro para cada vaga na escola pública, menos dinheiro para cada paciente no SUS, menos dinheiro para combater a corrupção.

O teto dos gastos diminuirá o investimento do governo federal com cada brasileiro.
O teto dos gastos diminuirá o investimento do governo federal com cada brasileiro.

A expectativa é de que a proposta seja analisada em curtíssimo prazo. O arcebispo de Montes Claros (MG), Dom José Alberto Moura, CSS, se opõe:

No mínimo a população deve ser envolvida na discussão sobre este tema de relevância e consequência, principalmente, para a classe menos favorecida. Alternativas para o equilíbrio da economia podem existir, como a tributação maior dos mais ricos, investimentos em infraestrutura e outros, com a promoção de emprego para milhões de desempregados.

O que mais chama atenção numa PEC como esta é a questão ética: se toda determinação legal não passar pelo benefício social, principalmente dos mais carentes, ela lesa a cidadania deles, seus valores e direitos, como o de viver minimamente com dignidade. O favorecimento do caixa governamental sem o atendimento da inclusão social não deve ser o papel de quem representa a sociedade.

Manifestantes protestam contra teto dos gastos durante sessão na Câmara dos Deputados. Rodrigo Maia (DEM) mandou retirá-los. Foto: Luiz Macedo/Câmara dos Deputados.
Manifestantes protestam contra teto dos gastos durante sessão na Câmara dos Deputados. Rodrigo Maia (DEM) mandou retirá-los. Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados.

Por sua vez, os bispos que compõem a Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz afirmaram:

Em sintonia com a Doutrina Social da Igreja Católica, não se pode equilibrar as contas cortando os investimentos nos serviços públicos que atendem aos mais pobres de nossa nação. Não é justo que os pobres paguem essa conta, enquanto outros setores continuam lucrando com a crise.

Afirmamos nossa solidariedade com os Movimentos Sociais, principalmente de trabalhadores e trabalhadoras, e com a juventude, que manifestam seu descontentamento com as propostas do governo, bem como todas as organizações que lutam na defesa dos direitos da população. Encorajamos as Pastorais Sociais a participarem, com os demais movimentos e organizações populares, na defesa das conquistas sociais garantidas na Constituição Federal de 1988, na qual a CNBB tanto se empenhou no final da década de 1980. Não desanimemos diante das dificuldades. Somos povo da esperança!

A nota da comissão episcopal conclui:

Com compromisso profético, denunciamos, como fez o Profeta Amós: “Eles vendem o justo por dinheiro, o indigente, por um par de sandálias; esmagam a cabeça dos fracos no pó da terra e tornam a vida dos oprimidos impossível” (Am 2,6-7).

O Espírito do Senhor nos anima no serviço da Caridade, da Justiça e da Paz. Com Maria cantamos a grandeza de Deus que “derruba os poderosos de seus tronos e exalta os humildes; enche de bens os famintos e manda embora os ricos de mãos vazias” (Lc 1, 51s).

Na consulta pública eletrônica do Senado, há mais de 251 mil votos contrários à medida, e apenas 14 mil favoráveis. A PEC nº 55/2016 pode ser consultada aqui.

Veja aqui a íntegra da nota da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz.

Temer tira R$ 5,6 bilhões da saúde

Brasília - Michel Temer (centro) e o ministro da Saúde, Ricardo Barros (direita). Orçamento da saúde proposto para 2017 é R$ 5,6 bilhões menor que o de 2016. (Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)
Michel Temer (centro) e o ministro da Saúde, Ricardo Barros (direita). Orçamento da saúde proposto para 2017 é R$ 5,6 bilhões menor que o de 2016. (Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)

R$ 5,6 bilhões. É a redução da verba da saúde para o ano que vem, segundo o projeto de orçamento enviado por Michel Temer (PMDB) ao Congresso Nacional semana passada. O valor total para as seis áreas da saúde é de R$ 102,6 bilhões, contra R$ 108,2 previstos na lei orçamentária deste ano. Considerando-se a inflação prevista para 2016, a redução do orçamento da saúde é de 14%.

Redução do orçamento da saúde proposta por Michel Temer (PMDB) é de R$ 5,6 bilhões.
Redução do orçamento da saúde proposta por Michel Temer (PMDB) é de R$ 5,6 bilhões.

A tabela abaixo mostra a evolução dos valores de cada área (subfunção) e o total do investimento direto em saúde. A maior redução foi na área de alimentação e nutrição, que perdeu 93% do orçamento:

Subfunção 2016
2017
301 – Atenção Básica R$ 27 bi R$ 25,7 bi
302 – Assistência Hospitalar e Ambulatorial R$ 54,9 bi R$ 54,7 bi
303 – Suporte Profilático e Terapêutico R$ 14,9 bi R$ 14,7 bi
304 – Vigilâcia Sanitária R$ 0,3 bi R$ 0,3 bi
305 – Vigilância Epidemiológica R$ 6,4 bi R$ 6,6 bi
306 – Alimentação e Nutrição R$ 4,4 bi R$ 0,3 bi
Total: R$ 108,2 bi R$ 102,6 bi

 

Governo paulista proíbe marcha contra Temer

O governo de Geraldo Alckmin (PSDB) proibiu uma manifestação contra Michel Temer (PMDB) agendada para o próximo domingo. A razão seria a passagem da tocha paraolímpica pela avenida Paulista às 13h30. A proibição atingiria qualquer manifestação no local no próximo dia 4, mas essa é a única prevista até o momento.

Repressão a manifestação contra impeachment  na Avenida Paulista (Rovena Rovena Rosa/Agência Brasil)
Repressão a manifestação contra impeachment na Avenida Paulista (Rovena Rovena Rosa/Agência Brasil)

A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo declarou que “no domingo, não será permitida a realização de atos na Avenida Paulista”. A organização do protesto, no entanto, alterou o horário para que não haja conflito com a passagem da tocha — mesmo assim, a proibição continua.

As manifestações contra Michel Temer em São Paulo esta semana deixaram manifestantes feridos e fotojornalistas detidos e com equipamentos destruídos, violentando as liberdades básicas garantidas na Constituição Federal. Há temor de que as forças armadas participem da repressão ao protesto do próximo domingo.

Leia a íntegra da nota da Frente Povo sem Medo e da Frente Brasil Popular:

NOTA SOBRE A MANIFESTAÇÃO DE DOMINGO

A Secretaria de Segurança Publica de São Paulo emitiu nota afirmando que “não permitirá” a mobilização agendada para o próximo domingo pelas Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular, alegando que o ato coincidirá com a passagem da tocha paraolímpica na Avenida Paulista.

Em primeiro lugar, não entendemos que caiba à Secretaria de Segurança ou à Polícia “permitir” ou não uma manifestação popular. A Constituição nos assegura este direito. De toda forma, não é de nosso interesse prejudicar a passagem da tocha paraolímpica. Por essa razão, buscamos a informação exata do horário de passagem da tocha na Avenida Paulista, que será das 13:00 as 14:10.

Neste sentido, visando garantir tanto a passagem da tocha quanto a manifestação programada, passaremos o horário da concentração para as 15:00 horas. Esta é uma decisão razoável que busca conciliar os dois eventos e evitar conflitos. Informaremos ainda hoje a alteração para a SSP.

Portanto, a manifestação de domingo ESTÁ MANTIDA na Avenida Paulista, agora as 15:00 horas. Não pretendemos qualquer conflito e esperamos que a PM tenha o equilíbrio necessário para lidar com o evento, garantindo a liberdade de manifestação. Reiteramos que não iremos impedir nem prejudicar a passagem da tocha paraolimpica.

Ainda buscando uma solução que não seja o enfrentamento com a PM estamos alterando a concentração para a frente do MASP.

Esperamos que a SSP se manifeste neste sentido. A manifestação está confirmada e já conta com mais de 30 mil pessoas confirmadas pelas redes sociais.

Todos e todas as 15hrs na Av.Paulista, concentração em frente ao Masp.

Fora Temer!

O povo deve decidir!

FRENTE POVO SEM MEDO
FRENTE BRASIL POPULAR

Temer amordaça EBC

Temer destituiu novamente o presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e mudou seus estatutos, extinguindo o conselho curador da companhia — que era responsável por que fosse uma empresa de comunicação pública, e não estatal. Agora, toda a direção da empresa passa a ser nomeada direta e livremente pelo governo federal, sem mandato e sem participação da sociedade ou dos demais poderes da República. As mudanças ocorreram hoje (2), e o estatuto da empresa foi alterado por medida provisória, sem autorização prévia do Congresso Nacional.

Antes, o presidente da EBC tinha mandato fixo, e 15 dos 22 membros do conselho curador não tinham vínculo com o poder público (e havia também representantes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e dos trabalhadores da empresa, além de 4 ministros de Estado). Agora, porém, o presidente da empresa pode ser exonerado quando não agradar mais o chefe do pode Poder Executivo. E a sociedade não tem mais voz na empresa que é responsável pela TV Brasil e pela Rádio Nacional, dentre outros veículos de comunicação. A EBC passa a ser a voz do governo federal.

Elegia da ovelha perdida

Este é o poema (de minha autoria) que declamei ontem no I Sarau da Paróquia e Santuário Nossa Senhora do Carmo (Brasília, DF). Baseia-se na parábola da ovelha perdida, é claro (Lc 15,4-6; Mt 18,12-14), mas também no livro do profeta Ezequiel (cap. 34), na primeira carta de São Paulo aos Coríntios e no Evangelho segundo São João (10,24-29).

É interessante pensar que, para os homens, talvez não haja razões para procurar quem se perdeu — fulano vivia aqui na paróquia, atuava nas pastorais, mas agora não vem nem à missa, dizem até que não quer mais ouvir falar da Igreja. Ou, pior, quantas vezes não somos nós que dispersamos o rebanho de Deus? Quantas vezes não afugentamos outros fiéis? Em vez disso, façamos o bem, mas não nos preocupemos demais quando uma ovelha se desgarrar— oremos, pois Deus “chama as ovelhas pelo nome e as conduz à pastagem.” (Jo 10, 3)

Elegia da ovelha perdida

(Por Leandro Arndt)

Vim fazer uma elegia
No rebanho uma ovelha
Uma ovelha não se via
Por ela, o que faria?

Era ovelha educada
Do Pastor seguia a voz
Ao Pastor acostumada
Jamais será roubada

E nos campos que pastava
Gordos campos de Israel
Sobre a relva repousava
Sua voz ela escutava

A ovelha assim viveu
Já nos campos não se via
Ninguém sabe se morreu
O que foi que aconteceu

Já findava a elegia
Mas eis que o Pastor, um tresloucado
Um Pastor alucinado
Saiu correndo pelos campos

Quem é o louco? – perguntavam
É alguém que pensa pouco
Abandona todo o rebanho
Pela ovelha desgarrada

Tresmalharam meu rebanho!
Dispersaram o que é meu!
Mas nenhuma perderei
Ouvirá o que direi!

Que sandice ele fazia!
Por aquela que não via
Quase cem abandonava!
O mundo assim pensava

Procurarei a que está perdida
Curarei a que está ferida
Reconduzirei a desgarrada
A doente será curada

Me foi tirada em negro dia
Eu ainda vou julgar
Se comigo ela voltar
Será a maior, essa alegria

Ela é minha, ela me ouve
Me conhece e me segue
Eu lhe dou a vida eterna
E jamais perecerá

Que os deuses não cometam pecado

Levanta-se Deus na assembléia divina, entre os deuses profere o seu julgamento. Até quando julgareis iniquamente, favorecendo a causa dos ímpios? (Sl 81,1s)

Nesse momento da história brasileira, nada mais adequado que o Salmo 81. A assembléia dos juízes se reúne, começa a julgar a presidente que o povo brasileiro elegeu.

Nunca argumentei com base no meu conhecimento profissional. Mas, parece-me chegada a hora de dizer que sou ocupante de cargo do ciclo de gestão do governo federal. Ou seja, conheço a burocracia e o processo orçamentário.

Sei que uma coisa é a despesa autorizada no orçamento, outra coisa é a realização dessa despesa. Sei que existem diversas hipóteses, presentes na Lei, para alterar o orçamento, incluindo a anulação de despesas anteriormente previstas (o que não muda o valor total do orçamento), o superávit financeiro (que é, grosso modo, dinheiro disponível) e o excesso de arrecadação (ou seja, taxas e tributos arrecadados além da previsão orçamentária). Sei que despesa prevista (no orçamento) e despesa realizada são coisas muito diferentes. Portanto, as mudanças realizadas no orçamento não feriram a lei orçamentária de 2015. Não houve atentado contra a lei orçamentária. Não houve crime de responsabilidade.

Sei também que existem gestores responsáveis pela execução dos programas orçamentários. Sei que as altas autoridades só recebem informações consolidadas a respeito deles. Sei que isso é insuficiente para conhecer as minúcias da execução e sei que existe um sistema de controle interno para que a execução não fira as normas legais. E sei que, se não houver nenhum alerta do controle ou dos técnicos responsáveis pela execução das políticas públicas, as altas autoridades não ficam sabendo de nada que esteja acontecendo. E isso se aplica aos ministros. A presidente da República só fica sabendo do que acontece pelo que os ministros informam. E informam do que são informados. Não há como Dilma ser responsável pela demora no pagamento de uma obrigação de responsabilidade do Ministério da Fazenda.

E sei ainda que não há atraso onde não há prazo, como no caso do Plano Safra. E que atraso não é empréstimo, porque não há a contratação de capital e de pagamentos de amortização e juros. Quando uma conta está atrasada, pagam-se a conta, os juros e a multa.

E, por fim, eu sei que, para um decreto chegar às mãos da presidente da República para ser assinado, foi elaborado por técnicos, analisado por dirigentes e por procuradores federais, passou por vários ministérios e secretarias, e só fica pronto para ser assinado com a aprovação de todos os envolvidos. Inclusive com pareceres técnicos e jurídicos pela legitimidade e legalidade do futuro decreto. Foi nesses pareceres que a presidente da República se baseou para assiná-los. Era essa a informação de que dispunha. Não há como ser penalizada se porventura tiver havido uma falha de outras pessoas nesse processo.

Mas, mais que tudo, como historiador e cidadão, sei que o povo brasileiro elegeu um programa de governo em 2014. E que os que tentam tirar Dilma do poder definitivamente são os que propuseram o contrário. Sei que a vontade do povo, expressa nas urnas em 2014, que escolheu um programa de governo, será derrotada no Congresso Nacional, pelo conluio de parlamentares, partidos, empresas de mídia, confederações patronais e até de um vice-presidente — caso prevaleça o voto “sim” ao impeachment. E, onde a vontade do povo não é ouvida, não há democracia. E a democracia é o melhor sistema de governo, diz a Igreja:

A Igreja encara com simpatia o sistema da democracia, enquanto assegura a participação dos cidadãos nas opções políticas e garante aos governados a possibilidade quer de escolher e controlar os próprios governantes, quer de os substituir pacificamente, quando tal se torne oportuno; ela não pode, portanto, favorecer a formação de grupos restritos de dirigentes, que usurpam o poder do Estado a favor dos seus interesses particulares ou dos objetivos ideológicos. (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 406)

E a escolha do povo, como o povo disse em 2014, é cuidar do órfão e do pobre, do oprimido e do necessitado. E querem tirar a Dilma para fazer o contrário.

Levanta-se Deus na assembléia divina, entre os deuses profere o seu julgamento.
Até quando julgareis iniquamente, favorecendo a causa dos ímpios?
Defendei o oprimido e o órfão, fazei justiça ao humilde e ao pobre,
livrai o oprimido e o necessitado, tirai-o das garras dos ímpios.
Eles não querem saber nem compreender, andam nas trevas, vacilam os fundamentos da terra.
Eu disse: Sois deuses, sois todos filhos do Altíssimo.
Contudo, morrereis como simples homens e, como qualquer príncipe, caireis.
Levantai-vos, Senhor, para julgar a terra, porque são vossas todas as nações. (Sl 81)

Governo corta direitos dos trabalhadores

Passou quase despercebido pela imprensa. Após tentar negociar com algumas centrais sindicais uma mudança nas regras das aposentadorias — mas sem obter apoio nem mesmo daqueles que ajudaram a afastar a presidente Dilma Rousseff —, com a medida provisória nº 739, de 7 de julho, o governo interino de Michel Temer cortou direitos dos trabalhadores do regime geral de previdência social (que têm direito a benefícios do INSS). A alteração foi no tempo necessário para readquirir a qualidade de segurado, ou seja, no tempo necessário para voltar a ter direito ao auxílio-doença, por exemplo.

Antes, quando deixava de ser segurado pela previdência social, o trabalhador precisava de 4 contribuições para retornar ao sistema. Agora, é preciso ter 12 contribuições — um ano inteiro, portanto. Na prática, isso significa que muitos trabalhadores ficarão doentes e não terão a quem recorrer. Não poderão trabalhar, mas não receberão o benefício para cuidar de sua saúde. Para pagar um mês de benefício, porém, bastaria em média o dinheiro de 5 contribuições. Ou seja, esse governo quer arrecadar e reduzir o déficit primário às custas do trabalhador.

(Foto em destaque: Elza Fiúza/ABr)

O fim da República

Gostaria de compartilhar com vocês, leitores, minhas reflexões mais recentes sobre a situação política brasileira. Continuo, portanto, o pensamento finalmente expresso no último artigo. Vinha tentando me manter quieto, dando voz mais às autoridades da Igreja que à minha. Mas, como historiador, posso analisar com tranquilidade a situação.

Não há mais República. Não mais Estado de direito. Não há mais justiça. Começando pela articulação de Temer pelo impeachment: o vice-presidente promovendo a deposição da presidente da República. Mais que isso, quando promoveu o rompimento de seu partido com o governo, disse que não tinha motivo para renunciar, pois fora eleito vice-presidente. Mas, foi eleito com o mesmo programa de governo que Dilma Rousseff, derrotando o programa de governo do PSDB. Agora, é certo que ele pretende nomear um tucano para o Ministério das Relações Exteriores. E quer rever as regras de concessão para exploração do petróleo, acabar com o investimento mínimo em educação e saúde etc. Rasgar o programa de governo que o elegeu. Um golpe por si só, independente das alegadas razões para o impeachment (e que são apenas isso: alegações).

Some-se a isso os recentes acontecimentos no Congresso Nacional. Após 5 meses do pedido, o STF finalmente decidiu pelo afastamento de Eduardo Cunha da presidência, mas só após ele comandar todo o processo de impeachment na Câmara dos Deputados. Seu substituto, Waldir Maranhão, decidiu acatar os argumentos da defesa de Dilma e declarar nula a sessão da Câmara que decidiu admitir o processo. O presidente do Senado Federal disse que ignoraria a decisão (que tornaria nulos todos os atos posteriores, inclusive do Senado). No dia seguinte, Maranhão revogou sua decisão anterior, não sem antes ser ameaçado de expulsão por seu partido, o PP, e de ser denunciado por oposicionistas no Conselho de Ética da Câmara — revogou sua própria decisão somente após ameaças fortes e a promessa de ser “ignorado” por Renan Calheiros. Enquanto isso, o STF se prende à formalidade do processo, fingindo ignorar que cada decisão em um processo político como esse é por si só um julgamento, com graves consequências, e que o cerceamento da defesa (que de fato existiu) não pode ser admitido em nenhuma fase de um processo como esse. O ministro do STF Gilmar Mendes (ex-chefe da assessoria jurídica de Collor no Planalto e ex-advogado geral da União de FHC) ri de tudo isso.

Para completar, hoje a Polícia Federal reteve 73 mulheres em um avião, pois entoaram palavras de ordem contra dois deputados que viajavam com elas. Permaneceram sentadas durante o vôo. Não havia ameaça à segurança aeronáutica. A LATAM, companhia que as transportava, alegou que haviam sido “indisciplinadas”. Não é motivo para reter ninguém. Já no Rio de Janeiro, um grupo intitulado “Desocupa” invadiu uma escola para retirar manifestantes que a ocupavam, fazendo “justiça” com as próprias mãos. Enquanto isso, o possível ministro da justiça de um pretenso governo Michel Temer, Alexandre de Moraes, afirmou que as manifestações contra o impeachment em São Paulo não foram “manifestações”, mas “atos de guerrilha” — e guerrilhas são combatidas com armas.

Nesse ínterim, enquanto o secretário-geral da OEA duvida da legalidade do impeachment, “católicos” que não ligam para direito, justiça e misericórdia aplaudem Gilmar Mendes (que mandou a defesa de Dilma procurar “o céu, o papa ou o diabo”) e Eduardo “Meu Malvado Favorito” Cunha. E xingam a CNBB e todo bispo que não diga o que querem ouvir.

Não existe mais democracia nem Estado de direito no Brasil. Não vivemos numa ditadura escancarada. Mas, o voto de mais de 54 milhões de brasileiros está sendo desprezado. Junto com o dos outros 50 milhões que votaram no candidato derrotado, mas participaram das eleições, tornando-a plenamente válida e legítima. O poder não emana do povo, mas de uma dúzia de caciques partidários em seus conchavos. O direito de livre manifestação é livremente cerceado. A prisão preventiva é usada como tortura. O devido processo legal é jogado na lata do lixo. E, com Alexandre de Moraes e Desocupa, o DOPS e o CCC estão à espreita.