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Teste público da urna eletrônica acontece agora

No período de 27 de novembro a 1º de dezembro de 2023 acontece o 7º Teste Público de Segurança (TPS) da urna eletrônica brasileira. 36 especialistas da sociedade civil estão na sede do Tribunal Superior Eleitoral em Brasília para verificar o funcionamento correto das urnas e de outros equipamentos e sistemas eletrônicos utilizados nas eleições, como o Gerenciador de Dados, Aplicativos e Interface com a Urna Eletrônica (Gedai-UE), softwares de carga e de votação, sistema de apuração, kit JE-Connect.

Os testes públicos do sistema eleitoral informatizado acontecem sempre nos anos anteriores às eleições municipais e gerais – sendo uma das várias etapas de fiscalização, que incluem também a abertura do código-fonte dos sistemas para consulta e verificação pelas entidades fiscalizadoras (incluindo partidos políticos, associações especializadas, universidades entre outros), a confirmação de que eventuais vulnerabilidades identificadas no teste público foram corrigidas, a assinatura digital e lacração dos sistemas, o teste de integridade paralelo à eleição, o boletim de urna, a publicação dos dados de votação pelo TSE etc.

Resultados anteriores

Como resultado de edições anteriores dos TPS, para as eleições de 2018 foram corrigidas fragilidades relacionadas à chave de criptografia das mídias da urna eletrônica, que apareciam no código fonte e que permitiram aos testadores modificar o comportamento do software da urna – o problema foi corrigido com um mecanismo de derivação das chaves em 2018 e, a partir de 2020, da utilização de um hardware seguro específico. Em 2012, uma das equipes fiscalizadoras conseguiu refazer a ordem dos votos contidos no Registro Digital de Voto, mas não a sequência de comparecimento dos eleitores – demonstrando a inviolabilidade do sigilo do voto.

Eliminação de fraudes

A fiscalização externa do processo eleitoral visa a garantir a integridade da votação eletrônica e aumentar a confiança no resultado das eleições. Com a participação de pessoas e entidades externas à Justiça Eleitoral, todos os mecanismos envolvidos com o voto e a apuração eletrônicos passam por testes e verificações independentes para corrigir eventuais falhas e assegurar a lisura do processo eleitoral. O voto eletrônico também conseguiu acabar com diversas fraudes que aconteciam com o voto em papel, como o roubo de urnas, o uso de cédulas pré-preenchidas e a anulação de votos no momento da apuração.

O Teste Público de Segurança pode ser acompanhado no canal de Youtube do TSE.

(Imagem em destaque: quadro de vídeo da 7ª edição do TPS no canal do TSE.)

Temer amordaça EBC

Temer destituiu novamente o presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e mudou seus estatutos, extinguindo o conselho curador da companhia — que era responsável por que fosse uma empresa de comunicação pública, e não estatal. Agora, toda a direção da empresa passa a ser nomeada direta e livremente pelo governo federal, sem mandato e sem participação da sociedade ou dos demais poderes da República. As mudanças ocorreram hoje (2), e o estatuto da empresa foi alterado por medida provisória, sem autorização prévia do Congresso Nacional.

Antes, o presidente da EBC tinha mandato fixo, e 15 dos 22 membros do conselho curador não tinham vínculo com o poder público (e havia também representantes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e dos trabalhadores da empresa, além de 4 ministros de Estado). Agora, porém, o presidente da empresa pode ser exonerado quando não agradar mais o chefe do pode Poder Executivo. E a sociedade não tem mais voz na empresa que é responsável pela TV Brasil e pela Rádio Nacional, dentre outros veículos de comunicação. A EBC passa a ser a voz do governo federal.

Transparência pública avançou em 2014

(Ilustração: Artigo 19)
(Ilustração: Artigo 19)

Comemorando o terceiro aniversário da Lei de Acesso à Informação, a ONG Artigo 19 divulgou hoje (14) estudo sobre a transparência pública em órgãos federais. Dos três poderes, o Executivo foi o mais transparente e cumpridor das regras de transparência. Em segundo lugar ficou o Legislativo e, em último, o Judiciário. O estudo foi realizado em 2014 e mostra avanços em relação ao ano anterior.

Nos critérios da chamada “transparência ativa”, isto é, informações que os órgãos divulgam independente da iniciativa do cidadão, os resultados foram os seguintes:Cumprimento das normas de transparência ativa“As maiores lacunas no quesito Transparência Ativa continuam sendo as informações relativas a participação popular e a lista de documentos classificados. Dos 38 órgãos avaliados do Executivo Federal, apenas 44,7% apresentavam em seus sites uma seção especializada para a divulgação de audiências públicas, consultas populares, entre outros. Nenhum órgão de Justiça e do Legislativo cumpriu o critério de divulgar informações sobre documentos classificados”, informa o relatório.

No caso da “transparência passiva”, isto é, das respostas dadas aos pedidos de informação feitos pela ONG, os resultados foram:Qualidade das respostas aos pedidos de acesso à informaçãoCabe ressaltar que, dos 38 pedidos de informação realizados para órgãos do Executivo Federal, somente dois não foram respondidos, ambos destinados ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Sobre mecanismos de participação popular, apenas o Poder Executivo respondeu, da seguinte maneira:Mecanismos de participação popular mencionados pelos órgãos do Executivo Federal

A ONG divulgou um relatório detalhado incluindo a metodologia e explorando “casos emblemáticos” para ilustrar as dificuldades que ainda existem, apesar dos avanços percebidos desde a avaliação anterior. Há também sugestões para o aprimoramento da transparência pública.

Amanhã (15), às 10h, a Controladoria-Geral da União fará o lançamento oficial da Escala Brasil Transparente (EBT), que mede a transparência passiva nos estados e municípios, incluindo um mapa interativo. O evento acontecerá na sede do órgão, no Setor de Autarquias Sul, quadra 1, bloco A, no Distrito Federal.

Opinião de Visão Católica

O Compêndio da Doutrina Social da Igreja é claro: “não existe democracia sem participação” (n.º 190). O Brasil tem uma estrutura própria por meio da qual o cidadão pode influenciar nas decisões do Estado, especialmente quando participa de associações e movimentos, somando forças com outros cidadãos. O acesso à informação pública pode transformar essa relação, empoderando a sociedade e permitindo que as opiniões sejam formadas de maneira mais sólida, para que cada cidadão não fique a reboque de jornais, blogs, ou até mesmo mensagens de Facebook e WhatsApp.

E o católico que procura o desenvolvimento humano integral deve sempre agir com caridade na verdade (caritas in veritate), isto é, a sua ação social deve se pautar pela verdade, e para isso a informação correta e tempestiva é fundamental. Com a aprovação da Lei de Acesso à Informação e da lei complementar n.º 131, que garantem o acesso à informação pública, não existe muita desculpa para agir somente com base no ouvir dizer, terceirizando sua opinião para algum jornalista, filósofo ou mesmo um clérigo mal informado. O católico hoje, mais do que nunca, pode e deve ir atrás da verdade, conhecer por si mesmo a realidade, buscar a informação de múltiplas fontes. Dessa forma, não cairá nos engodos que tanto se vêem por aí, especialmente quando estão envolvidas paixões políticas, sejam elas de esquerda ou de direita, governistas ou oposicionistas.

Para a Igreja, “a Informação está entre os principais instrumentos de participação democrática” (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 414). A Lei de Acesso à Informação pode, aliás, justamente ajudar a quebrar a concentração econômica dos meios de comunicação e a sua ideologização na busca do poder (v. n. 414-416), promovendo a democracia. Dessa forma, é motivo de comemoração o avanço constatado pela ONG Artigo 19.

Participação social, etc. e tal (ou: o Brasil segue na direção oposta ao comunismo)

Recentemente (logo antes do 1.º turno), tive a oportunidade de participar, como representante do órgão público em que trabalho, de uma reunião no Palácio do Planalto a respeito de participação social no Mercosul e na Unasul. Já escrevi a respeito da política nacional de participação social e do voto anticomunista, o que deveria tornar desnecessário relatar tal reunião por aqui. Mas, como esse assunto sempre vem à tona quando os mais favorecidos entram na disputa política, deixo para você um brevíssimo relato do que vi e ouvi.

Primeiro: segundo a própria Igreja, “toda democracia deve ser participativa” (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 190). Isso, ao menos, se o desejado é realmente representar a vontade do povo, que só é conhecida pelo povo coletivamente. Essa participação não se resume ao voto periódico para eleger representantes, mas pode assumir as formas mais diversas, como o plebiscito, o referendo, consultas públicas e conselhos de políticas públicas. Estes, aliás, existem no Brasil já há décadas, tendo sido criados até mesmo durante a ditadura militar, que atuou em nome do anticomunismo.

É moda, porém, em alguns setores, tratar qualquer forma de democracia participativa como “comunismo”. São pessoas que afirmam que o país segue atrás de Venezuela e de Bolívia rumo ao comunismo, quando na verdade segue até mesmo na direção oposta. São pessoas que falam uma coisa aqui, e outra, contrária, ali. Um exemplo de incoerência, o PSDB foi contra o decreto que consolidou a Política Nacional de Participação Social. Sob o disfarce de resguardar a divisão de poderes, quis extirpar da legislação brasileira a garantia de que o povo deve ser ouvido durante a formulação de políticas que estão sob a responsabilidade do poder executivo. O ex-candidato ao governo do Distrito Federal pelo PSDB, Luiz Pitiman, chegou a afirmar que “O PT avança para o comunismo no Brasil”. Por outro lado, o programa de governo registrado por Aécio Neves no Tribunal Superior Eleitoral afirma:

O Governo Federal deve estimular o debate e a busca de consensos por meio da participação social de grupos, coletivos, organizações não-governamentais, movimentos sociais e populares. Não se pode buscar as soluções para os graves problemas nacionais sem escutar aqueles que tem a efetiva vivência destes em seu dia-a-dia e quem trabalha para resolvê-los. A participação do cidadão também se manifesta por meio dos Conselhos Nacionais de políticas públicas, que devem ser prestigiados e fortalecidos. (p. 24-25)

O PSDB deveria decidir se é a favor ou contra a participação social…

Vamos, porém, ao que interessa. Fui, na citada reunião, um dos representantes do órgão público em que trabalho, o qual compõe a Presidência da República. Havia ali, na sala de reuniões leste do Palácio, um grande número de cadeiras, a maioria destinada aos representantes da sociedade civil. Havia também um número menor, mas significativo, de cadeiras destinadas aos representantes dos órgãos públicos.

A diversidade de representantes da sociedade civil organizada impressionava. Ao lado do MST ou da UBM, uma organização internacional de jovens evangélicos e outra, latino-americana, de micro, pequenos e médios empresários. Grande diversidade social e de opiniões políticas. Na própria organização da reunião, o cuidado para não manipular, nem parecer que se manipulasse a opinião social, foi a grande regra. Nos dois dias, muito tempo foi destinado a que os representantes da sociedade civil discutissem entre si as questões relativas à participação social no Mercosul e na Unasul. Algumas opiniões resultantes dessas discussões inclusive divergiram do entendimento do governo federal. Um exemplo: o governo não admite que haja um representante da sociedade civil em cada conselho da Unasul (especialmente o de defesa), enquanto a sociedade civil o queria. Esta é apenas uma das divergências que o atual governo está disposto a ouvir, enquanto a prática tucana quer desprezá-la.

Apenas mais um aspecto importante, pois PSDB, DEM e seus simpatizantes costumam pintar o governo de “vermelho” e “bolivariano”, como se fosse um governo socialista e guiado pela Venezuela e pela Bolívia. Especificamente em relação à participação social na Unasul, o Brasil (governo e representantes da sociedade) é contra a forma de participação proposta por aqueles países, que pode colocar em risco o próprio espírito da Unasul, que é de estabilização regional, procurando dirimir conflitos e confrontos, numa área do globo com visões político-econômicas tão diversas como as da Colômbia, da Venezuela, do Chile, do Paraguai ou da Bolívia. Muitos militantes da campanha tucana igualam a Unasul à União Soviética, mas, os países com governos de orientação socialista (Bolívia e Venezuela) vão em uma direção, e o governo brasileiro vai na direção contrária.

Enfim, é o que posso dizer no momento sobre esse importante tema. Que o Senhor Deus nos ilumine e nos guie para um bom voto, com uma consciência bem formada, sem medos preconcebidos, procurando compreender a realidade atual e rezando sempre por nossos governantes. Que Deus abençoe e proteja o Brasil, pela intercessão da Santíssima Virgem, nossa mãe, a quem recorremos sob o título de Nossa Senhora da Imaculada Conceição Aparecida. Amém.

O decreto n.º 8.243/2014 extinguiria a democracia?

As últimas semanas foram justamente pautadas pelo debate da infame portaria n.º 415/2014, da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde. Simultaneamente, houve a edição do decreto presidencial n.º 8.243/2014, que trata da Política Nacional de Participação Social (PNPS). Trata-se de assunto há muito discutido no governo federal, e que remonta aos tempos de Getúlio Vargas, com a Conferência Nacional de Saúde. Hoje existem conferências as mais diversas, e, até então, muitas vezes sem periodicidade. Existem também muitos conselhos de políticas públicas, criados pelos mais diversos governos, inclusive pelo regime militar. Em geral, pouca voz têm.

Não se trata, portanto, de novidade absoluta. As verbas destinadas à educação, por exemplo, têm que ter seu uso fiscalizado por um conselho municipal composto de representantes do poder público e dos cidadãos. É um conselho praticamente inócuo, porém, pois, se desaprovar as contas dos recursos do FUNDEB no município, este deixará de receber as verbas desse fundo, e estas são fundamentais para o sistema educacional público. Ninguém quer realmente rejeitar a prestação de contas.

Na verdade, a Constituição Federal já prevê, desde 1988, a participação social no exercício do poder público: “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (art. 1.º, parágrafo único). O erro fundamental nessa proposição é que o poder emana realmente de Deus: “Não terias poder algum sobre mim, se de cima não te fora dado”, disse Jesus Cristo a Pôncio Pilatos (Jo 19,11b; v. Catecismo da Igreja Católica, 1899). Enfim, numa democracia, o poder deve emanar de Deus por meio do povo, para que seja democracia verdadeira.

Os meios de exercício do poder diretamente pelo povo previstos na Constituição são o plebiscito, o referendo e a lei de iniciativa popular (art. 14, I-III). São meios de exercício da “soberania popular”, junto com a eleição dos representantes. Conselhos, conferências, comissões etc. não são meio de exercício de soberania, nem é esse o objetivo do decreto n.º 8.243/2014, e sim “fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública e a sociedade civil” (art. 1.º, caput).

Trata-se, portanto, de decreto que visa principalmente ao diálogo entre o poder público e a sociedade. Como, porém, se dará esse diálogo? Aí mora o perigo. Um governo democrático irá escolher conselheiros que representem a sociedade. Um governo autoritário, independente do regime político, irá escolher aqueles que representam os interesses do partido no poder. Isso, havendo ou não a transparência prevista para o funcionamento dos conselhos – a qual, no entanto, dificulta minimamente o uso autoritário. Contando apenas com seus partidários entre os membros dessas instâncias participativas, um mal governante poderá apropriar-se deles e usá-los como ferramenta de legitimação de suas decisões “em nome da sociedade”.

O grande aspecto positivo do decreto fica por conta da institucionalização das chamadas “mesas de diálogo”, que objetivam evitar que tensões sociais se tornem explosivas. O grande “porém” fica na obrigatoriedade de uma diversidade definida a priori como de “etnia, raça, cultura, geração, origem, sexo, orientação sexual, religião e condição social, econômica ou de deficiência” (dec. n.º 8.243/2014, art. 3.º, III), em vez da definição trazida pelo Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 189: “favorecer a participação sobretudo dos menos favorecidos”. A redação do decreto pode vir a distorcer a finalidade das instâncias participativas, pois levaria a uma composição que pouco teria em conta a representatividade social e o favorecimento dos menos favorecidos, mas privilegiaria determinados grupos minoritários conforme o governo em questão. De resto, convém terminar com as palavras da Igreja:

“A participação na vida comunitária não é somente uma das maiores aspirações do cidadão, chamado a exercitar livre e responsavelmente o próprio papel cívico com e pelos outros, mas também uma das pilastras de todos os ordenamentos democráticos, além de ser uma das maiores garantias de permanência da democracia. O governo democrático, com efeito, é definido a partir da atribuição por parte do povo de poderes e funções, que serão exercitados em seu nome, por sua conta e em seu favor; é evidente, portanto, que toda democracia deve ser participativa. Isto implica que os vários sujeitos da comunidade civil, em todos os seus níveis, sejam informados, ouvidos e envolvidos no exercício das funções que ela desempenha.” (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 190).