4. Os discípulos de Jesus criticaram a mulher que derramou um perfume muito precioso sobre a sua cabeça: «Para quê este desperdício?» – diziam eles – «Podia vender-se por bom preço e dar-se o dinheiro aos pobres». Mas o Senhor disse-lhes: «Pobres, sempre os tereis convosco; mas a mim nem sempre me tereis» (Mt 26, 8-9.11). Aquela mulher tinha compreendido que Jesus era o Messias humilde e sofredor sobre quem derramar o seu amor: que consolo aquele unguento sobre a cabeça que, dali a poucos dias, seria atormentada pelos espinhos! Era um pequeno gesto, mas quem sofre sabe o quanto é grande mesmo um pequeno sinal de afeto e quanto alívio pode trazer. Jesus compreende isso e confirma a sua perenidade: «Em qualquer parte do mundo onde este Evangelho for anunciado, há de também narrar-se, em sua memória, o que ela acaba de fazer» (Mt 26, 13). A simplicidade daquele gesto revela algo grandioso. Nenhuma expressão de carinho, nem mesmo a menor delas, será esquecida, especialmente se dirigida a quem se encontra na dor, sozinho, necessitado, como estava o Senhor naquela hora.
5. É precisamente nesta perspectiva que o afeto pelo Senhor se une ao afeto pelos pobres. Aquele Jesus que diz «Pobres, sempre os tereis convosco» (Mt 26, 11), expressa igual sentido quando promete aos discípulos: «Sabei que Eu estarei sempre convosco» (Mt 28, 20). Ao mesmo tempo, vêm-nos à mente aquelas palavras do Senhor: «Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40). Não estamos no horizonte da beneficência, mas no da Revelação: o contato com quem não tem poder nem grandeza é um modo fundamental de encontro com o Senhor da história. Nos pobres, Ele ainda tem algo a dizer-nos.
Após falar da importância de reconhecer Jesus Cristo nos pobres e atribulados (n. 1-3), o papa Leão XIV faz uma afirmação fundamental: a relação do cristão com os pobres não é de beneficência, mas de Revelação. Essa afirmação não pode ser subestimada. O cuidado com os pobres não é apenas fazer algo a quem não tem. Nos pobres é Deus que se revela ao mundo, continuando sua pedagogia. Ouso dizer, é uma revelação no espelho: é na relação com os mais frágeis deste mundo que nós mesmos revelamos quem somos, nossas semelhanças e nossas diferenças com Deus que os ama a ponto de ser um deles. E esse será nosso julgamento: “Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes.” (Mt 25,40)
Foto em destaque: viúva armênia foge com crianças diante de massacres no Império Turco-Otomano no final do século XIX. (Domíno público. Fonte: Wikimedia)
Com a recente derrota do governo na questão da elevação do Imposto sobre Operações Financeiras e da ampliação da incidência desse imposto, é um bom momento para revisitar o que diz a Igreja Católica sobre o papel dos impostos na sociedade.
É claro que podemos recorrer simplesmente à conhecida frase de Jesus, “Dai a César o que é de César” (Mt 22,21), mas a Igreja, em seu cuidado pastoral, desenvolveu de forma mais clara e concreta para nossos tempos o ensinamento sobre os impostos e seu papel. O lugar onde encontramos mais diretamente esse ensinamento é o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, mais especificamente em seu número 355:
A arrecadação fiscal e a despesa pública assumem uma importância econômica crucial para qualquer comunidade civil e política: o objetivo para o qual há de tender é uma finança pública capaz de se propor como instrumento de desenvolvimento e de solidariedade. Uma finança pública eqüitativa, eficiente, eficaz, produz efeitos virtuosos sobre a economia, porque consegue favorecer o crescimento do emprego, amparar as atividades empresariais e as iniciativas sem fins lucrativos, e contribui a aumentar a credibilidade do Estado enquanto garante dos sistemas de previdência e de proteção social destinados em particular a proteger os mais fracos.
As finanças públicas se orientam para o bem comum quando se atêm a alguns princípios fundamentais: o pagamento dos impostoscomo especificação do dever de solidariedade; racionalidade e eqüidade na imposição dos tributos; rigor e integridade na administração e na destinação dos recursos públicos. Ao redistribuir as riquezas, a finança pública deve seguir os princípios da solidariedade, da igualdade, da valorização dos talentos, e prestar grande atenção a amparar as famílias, destinando a tal fim uma adequada quantidade de recursos.
Deixei em negrito alguns trechos, que falam diretamente à sociedade brasileira atual, em que uma parte enorme da população pensa de modo individualista e egoísta, verdadeiros empreendedores do sofrimento alheio.
Primeiro, os impostos – segundo a doutrina católica – servem para manter sistemas de previdência e proteção social, isto é: aposentadorias, auxílio-doença, auxílio acidente de trabalho, bolsa família, benefício de prestação continuada e tantas outras maneiras de auxiliar os menos favorecidos. “Ninguém no mundo de hoje, em que as distâncias já não importam, pode alegar o pretexto de que não conhece as necessidades de seu irmão distante, que a ajuda que deve fornecer não lhe diz respeito”, disse São João XXIII. Cada um que seja mais favorecido que o outro deve ajudá-lo, inclusive por meio dos impostos pagos ao Estado. Quanto mais as empresas de apostas online, que passariam a ter que pagar IOF – um imposto que cada um de nós paga, por exemplo, ao obter um empréstimo consignado.
Segundo, redistribuir riquezas, amparar as famílias: ninguém é a favor da família se milhões de famílias não puderem ter o mínimo – casa, saúde, comida, educação de qualidade. E isso só pode ser garantido com impostos. Que paguem mais os que podem mais (mas que hoje são justamente os que pagam menos, pois obtém suas rendas através de investimentos financeiros isentos de tributação, diferente do salário de cada trabalhador).
Por fim, “uma adequada quantidade de recursos”: não existe uma fórmula mágica para definir qual a carga tributária mais adequada para uma sociedade. Para saber quanto o Estado tem que arrecadar, é preciso ver primeiro as necessidades humanas a suprir e as possibilidades de arrecadar esses recursos, especialmente dos mais favorecidos. Que se estruture, portanto, o sistema tributário para que os mais favorecidos paguem mais: os bilionários, os grandes investidores do mercado financeiro, os sócios de grandes empresas. São esses justamente os que menos pagam imposto no Brasil de hoje, e que o Congresso Nacional quer continuar privilegiando. Deputados e senadores eleitos em 2022 e 2018 muitas vezes prometendo “defender a família”, mas que querem jogar todas as famílias brasileiras na miséria.
Foto destacada: Hugo Motta (Republicanos/PB) no dia em que o Congresso Nacional decidiu derrubar o aumento do IOF e manter a isenção das empresas de bets – Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados.
Na sede do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, em evento para comemorar os 10 anos do primeiro Encontro Mundial dos Movimentos Populares, o papa Francisco afirmou: se perdermos o amor como categoria teológica, ética e política, ficarão apenas o individualismo, a acumulação e a eliminação dos mais fracos! O darwinismo social, a lei do mais forte, da indiferença e da crueldade é diabólico. Sem o amor, não somos nada.
Ouso dizer: se Deus é amor, o amor é tudo, e nossa sociedade deve ser edificada sobre a base do amor. Sem essa base, nenhuma sociedade, nenhuma economia, nenhuma relação é boa.
Hoje foi publicada a leitura do primeiro número do Compêndio da Doutrina Social da Igreja no canal de Youtube Visão Católica. A leitura, acompanhada do texto do primeiro número do Compêndio, faz parte de um projeto para popularizar a doutrina social da Igreja Católica por meio de vídeos curtos – este tem menos de um minuto. O próximo vídeo já está agendado para publicação amanhã às 6h da manhã.
Primeiro vídeo da leitura do Compêndio da Doutrina Social da Igreja.
Esse é o início do Compêndio da Doutrina Social da Igreja. Nele se afirma que a salvação é dada ao homem somente no nome de Cristo, mas que essa salvação se realiza não apenas no mundo que há de vir, mas também nas realidades presentes, incluindo a economia, o trabalho, a sociedade, a política, as relações entre culturas e povos etc. A salvação trazida por Jesus é integral e “abrange o homem todo e todos os homens” (Redemptoris missio, 11).
Nesta segunda-feira (24, dia de Santo Antônio Maria Claret, bispo), bispos de todo o Brasil divulgaram uma carta aberta afirmando que “a Igreja não tem um partido, mas tem um lado: do amor, da justiça, da liberdade religiosa e da inclusão social”.
“Não se trata de uma disputa religiosa, nem de mera opção partidária e, tampouco, de escolher o candidato perfeito, mas de uma decisão sobre o futuro de nosso país, da democracia e do povo. A Igreja não tem partido, nem nunca terá, porém ela tem lado, e sempre terá: o lado da justiça e da paz, da verdade e da solidariedade, do amor e da igualdade, da liberdade religiosa e do Estado laico, da inclusão social e do bem viver para todos.” (Bispos do Diálogo pelo Reino)
Chamado A gravidade do segundo turno das eleições 2022, o documento demonstra como o atual governo contraria as normas morais e sociais do cristianismo, especialmente o segundo, o quinto e o oitavo mandamentos. Comparando os governos dos dois postulantes à Presidência da República, deixa claro que Lula é democrático e “comprometido com a defesa da vida, a partir dos empobrecidos”, que ele “cuida da educação, saúde, trabalho, alimentação, cultura”; ao contrário, Bolsonaro tem um projeto autoritário, é “comprometido com a economia que mata” e “menospreza as políticas públicas, porque despreza os pobres”. No final, afirmam que a motivação deles é ética e não decorre do seguimento de um líder político, nem de preferências pessoais, mas vem da fidelidade ao Evangelho de Jesus e à Doutrina Social da Igreja e ao magistério profético do Papa Francisco.”
Leia a íntegra da carta:
A GRAVIDADE DO SEGUNDO TURNO DAS ELEIÇÕES 2022
Irmãos e irmãs,
Somos bispos da Igreja Católica de várias regiões do Brasil, em profunda comunhão com o Papa Francisco e seu magistério e em plena comunhão com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a CNBB que, no exercício de sua missão evangelizadora, sempre se coloca na defesa dos pequeninos, da justiça e da paz. Lideramos a escrita de uma primeira Carta ao Povo de Deus, em julho de 2020. Diante da gravidade do momento atual, nos dirigimos novamente a vocês.
O segundo turno das eleições presidenciais de 2022 nos coloca diante de um dramático desafio. Devemos escolher, de maneira consciente e serena, pois não cabe neutralidade quando se trata de decidir sobre dois projetos de Brasil, um democrático e outro autoritário; um comprometido com a defesa da vida, a partir dos empobrecidos, outro comprometido com a “economia que mata” (Papa Francisco, A Alegria do Evangelho, 53); um que cuida da educação, saúde, trabalho, alimentação, cultura, outro que menospreza as políticas públicas, porque despreza os pobres. Os dois candidatos já governaram o Brasil e deram resultados diferentes para o povo e para a natureza, os quais podemos analisar.
Iluminados pelas exigências sociais e políticas de nossa fé cristã e da Doutrina Social da Igreja Católica, precisamos falar de forma clara e direta sobre o que realmente está em jogo neste momento. Jesus nos mandou ser “luz do mundo” e a luz não deve ficar escondida (Mt 5,15).
Somos testemunhas de que o atual Governo, que busca a reeleição, virou as costas para a população mais carente, principalmente no tempo da pandemia. Apenas às vésperas da eleição, lançou um programa temporário de auxílio aos necessitados. A 59ª Assembleia Geral da CNBB constatou “os alarmantes descuidos com a Terra, a violência latente, explícita e crescente, potencializada pela flexibilização da posse e porte de armas […]. Entre outros aspectos destes tempos, estão o desemprego e a falta de acesso à educação de qualidade para todos. A fome é certamente o mais cruel e criminoso deles, pois a alimentação é um direito inalienável” (Mensagem da CNBB ao Povo Brasileiro sobre o Momento Atual). A vida não é prioridade para este governo.
O chefe de Governo e seus apoiadores, principalmente políticos e religiosos, abusaram do nome de Deus para legitimar seus atos e ainda o usam para fins eleitorais. O uso do nome de Deus em vão é um desrespeito ao 2º mandamento. O abuso da religião para fins eleitoreiros foi condenado em nota oficial da presidência da CNBB (11/10/2022), para a qual “a manipulação religiosa sempre desvirtua os valores do Evangelho e tira o foco dos reais problemas que necessitam ser debatidos e enfrentados em nosso Brasil”.
Enquanto dizia “Deus acima de tudo”, o Presidente ofendia as mulheres, debochava de pessoas que morriam asfixiadas, além de não demonstrar compaixão alguma com as quase 700 mil vidas perdidas para a covid-19 e com os 33 milhões de pessoas famintas em seu país. Lembramos que o Brasil havia saído do mapa da fome em 2014, por acerto dos programas sociais de governos anteriores. Na prática, esse apelo a Deus é mentiroso, pois não cumpre o que Jesus apresentou como o maior dos mandamentos: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo (Mt 22, 37). Quem diz que ama a Deus, mas odeia o seu irmão é “mentiroso” (1Jo 4,20).
Os discursos e as medidas que visam armar todas as pessoas e eliminar os opositores estão em contradição tanto com o 5º mandamento, que diz “não matarás”, quanto com a Doutrina Social da Igreja, que propõe o desarmamento e diz que “o enorme aumento das armas representa uma ameaça grave para a estabilidade e a paz” (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 508).
Vivemos quatro anos sob o reinado da mentira, do sigilo e das informações falsas. As fake news (notícias falsas veiculadas como se fossem verdades) se tornaram a forma “oficial” de comunicação do Governo com o povo. Isso fere o 8º mandamento, de não levantar falso testemunho, mas mostra também quem é o verdadeiro “senhor” dos que, perversamente, se dedicam a espalhar falsidades e ocultar informações de interesse público. Jesus diz que o Diabo é o pai da mentira (Jo 8, 44), enquanto Ele é o “caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6).
A Mensagem ao Povo Brasileiro, da 59ª Assembleia Geral da CNBB, alertou-nos, também, de que “nossa jovem democracia precisa ser protegida, por meio de amplo pacto nacional”. No entanto, o atual governo e os parlamentares que o apoiam ameaçam modificar a composição do Supremo Tribunal Federal para criar uma maioria de apoio aos seus atos. O controle dos poderes Legislativo e Judiciário sempre foi o passo determinante para a implantação das ditaturas no mundo.
Os cristãos têm capacidade para analisar qual dos dois projetos em disputa está mais próximo dos princípios humanistas e da ecologia integral. Basta analisar com dados e números e perguntar: qual dos candidatos concorrentes valorizou mais a saúde, a educação e a superação da pobreza e da miséria e qual retirou verbas do SUS, da educação e acabou com programas sociais? Quem cuidou da natureza, principalmente, da Amazônia e quem incentivou a queima das florestas, o tráfico ilegal de madeiras e o garimpo em terras indígenas?
Não se trata de uma disputa religiosa, nem de mera opção partidária e, tampouco, de escolher o candidato perfeito, mas de uma decisão sobre o futuro de nosso país, da democracia e do povo. A Igreja não tem partido, nem nunca terá, porém ela tem lado, e sempre terá: o lado da justiça e da paz, da verdade e da solidariedade, do amor e da igualdade, da liberdade religiosa e do Estado laico, da inclusão social e do bem viver para todos. Por isso, seus ministros não podem deixar de se posicionar, quando se trata de defender a vida do ser humano e da natureza. Nossa motivação é ética e não decorre do seguimento de um líder político, nem de preferências pessoais, mas vem da fidelidade ao Evangelho de Jesus, à Doutrina Social da Igreja e ao magistério profético do Papa Francisco.
Deus abençoe o povo brasileiro e o Espírito Santo de sabedoria e verdade ilumine nossas mentes e corações, na hora de votarmos nesse segundo turno das eleições de 2022. Vejamos Jesus no rosto de cada pessoa, especialmente dos pobres que sofrem e não em autoridades humanas que os manipulam em nome de um projeto ideológico de poder político e econômico.
Em 24 de outubro de 2022, Memória de Santo Antônio Maria Claret, bispo.
A pedido do governo Jair Bolsonaro, a Câmara dos Deputados deixou caducar a medida provisória que isentava famílias de baixa renda da conta de energia elétrica por causa da pandemia de COVID-19 – com isso, a medida perde o efeito. O relator da medida havia inserido dispositivos que, se aprovados, ampliariam o prazo de isenção, impediriam a interrupção do fornecimento por inadimplência e proibiriam o reajuste de tarifas até o fim da calamidade pública.
O papa Francisco iniciou hoje (5) uma série de catequeses sobre a doutrina social da Igreja nas audiências gerais de quartas-feiras. Sob o tema “curar o mundo” nesse tempo de pandemia, ele reafirmou os princípios de ação que a Igreja oferece aos povos, autoridades e governantes deste mundo:
Cito os principais, que estão intimamente ligados entre si: o princípio da dignidade da pessoa, o princípio do bem comum, o princípio da opção preferencial pelos pobres, o princípio do destino universal dos bens, o princípio da solidariedade, da subsidiariedade, o princípio do cuidado de nossa Casa comum. Estes princípios ajudam os líderes, os responsáveis pela sociedade, a levar adiante o crescimento e também, como neste caso de uma pandemia, a cura do tecido pessoal e social. Todos estes princípios expressam, de diferentes maneiras, as virtudes da fé, da esperança e do amor.
O Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu os vetos do presidente Jair Bolsonaro a dispositivos da lei nº 14.019/2020 que tornavam obrigatório o uso de máscaras de proteção em presídios e estabelecimentos socioeducativos, além da afixação de cartazes sobre o uso correto das máscaras e o número máximo de pessoas permitidas simultaneamente nos estabelecimentos privados de acesso público (empresas, templos religiosos e associações, por exemplo). Essa decisão suspendeu apenas os vetos realizados após a sanção da lei, os quais foram considerados intempestivos pelo ministro Gilmar Mendes.
O plenário do Supremo Tribunal Federal confirmou a decisão do ministro Luís Roberto Barroso que obrigou o governo federal a tomar medidas de enfrentamento à pandemia em terras indígenas. A decisão foi tomada pela unanimidade dos ministros. Conforme noticiado antes em Visão Católica, a decisão obriga o governo federal a proteger a saúde de índios que vivem em terras não demarcadas, retirar os invasores das terras indígenas (TIs), criar uma sala de situação específica para monitorar a pandemia na população indígena, e criar um plano de enfrentamento da doença específico para os indígenas.
(Foto em destaque: torres de energia elétrica de alta tensão. Jaelson Lucas/AEN.)
Deputados entregam abaixo-assinado com 330 mil subscrições contra o teto de gastos. Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados.
Apesar do posicionamento contrário da Igreja Católica, representada pela Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz, a proposta de emenda à Constituição (PEC) nº 241/2016 foi aprovada semana passada (25/10) pela Câmara dos Deputados e agora segue para ser analisada no Senado Federal, onde se espera que seja votada a toque de caixa, no próximo mês. No Senado, passa a ser conhecida como PEC nº 55/2016. Durante a sessão, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, determinou que os manifestantes fossem retirados das galerias. Um abaixo-assinado com 330 mil assinaturas contrárias ao projeto também não demoveu os deputados.
Principal proposta de Michel Temer para o país, a medida congelará a aplicação dos recursos públicos nos programas para a população, aumentando a cada ano a parcela destinada a pagar os credores, isto é, aquelas pessoas e empresas que têm dinheiro suficiente para emprestar ao governo. Dessa forma, a Constituição Federal passará a determinar, pelos próximos 20 anos, o aumento da concentração das riquezas e a redução dos recursos para atender cada cidadão. Quando terminar o prazo do chamado “novo regime fiscal”, o governo federal usará para atender as necessidades de cada brasileiro apenas 90% do que usa hoje. Menos dinheiro para cada vaga na escola pública, menos dinheiro para cada paciente no SUS, menos dinheiro para combater a corrupção.
O teto dos gastos diminuirá o investimento do governo federal com cada brasileiro.
No mínimo a população deve ser envolvida na discussão sobre este tema de relevância e consequência, principalmente, para a classe menos favorecida. Alternativas para o equilíbrio da economia podem existir, como a tributação maior dos mais ricos, investimentos em infraestrutura e outros, com a promoção de emprego para milhões de desempregados.
O que mais chama atenção numa PEC como esta é a questão ética: se toda determinação legal não passar pelo benefício social, principalmente dos mais carentes, ela lesa a cidadania deles, seus valores e direitos, como o de viver minimamente com dignidade. O favorecimento do caixa governamental sem o atendimento da inclusão social não deve ser o papel de quem representa a sociedade.
Manifestantes protestam contra teto dos gastos durante sessão na Câmara dos Deputados. Rodrigo Maia (DEM) mandou retirá-los. Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados.
Por sua vez, os bispos que compõem a Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz afirmaram:
Em sintonia com a Doutrina Social da Igreja Católica, não se pode equilibrar as contas cortando os investimentos nos serviços públicos que atendem aos mais pobres de nossa nação. Não é justo que os pobres paguem essa conta, enquanto outros setores continuam lucrando com a crise.
Afirmamos nossa solidariedade com os Movimentos Sociais, principalmente de trabalhadores e trabalhadoras, e com a juventude, que manifestam seu descontentamento com as propostas do governo, bem como todas as organizações que lutam na defesa dos direitos da população. Encorajamos as Pastorais Sociais a participarem, com os demais movimentos e organizações populares, na defesa das conquistas sociais garantidas na Constituição Federal de 1988, na qual a CNBB tanto se empenhou no final da década de 1980. Não desanimemos diante das dificuldades. Somos povo da esperança!
A nota da comissão episcopal conclui:
Com compromisso profético, denunciamos, como fez o Profeta Amós: “Eles vendem o justo por dinheiro, o indigente, por um par de sandálias; esmagam a cabeça dos fracos no pó da terra e tornam a vida dos oprimidos impossível” (Am 2,6-7).
O Espírito do Senhor nos anima no serviço da Caridade, da Justiça e da Paz. Com Maria cantamos a grandeza de Deus que “derruba os poderosos de seus tronos e exalta os humildes; enche de bens os famintos e manda embora os ricos de mãos vazias” (Lc 1, 51s).
Na consulta pública eletrônica do Senado, há mais de 251 mil votos contrários à medida, e apenas 14 mil favoráveis. A PEC nº 55/2016 pode ser consultada aqui.
Levanta-se Deus na assembléia divina, entre os deuses profere o seu julgamento.Até quando julgareis iniquamente, favorecendo a causa dos ímpios? (Sl 81,1s)
Nesse momento da história brasileira, nada mais adequado que o Salmo 81. A assembléia dos juízes se reúne, começa a julgar a presidente que o povo brasileiro elegeu.
Nunca argumentei com base no meu conhecimento profissional. Mas, parece-me chegada a hora de dizer que sou ocupante de cargo do ciclo de gestão do governo federal. Ou seja, conheço a burocracia e o processo orçamentário.
Sei que uma coisa é a despesa autorizada no orçamento, outra coisa é a realização dessa despesa. Sei que existem diversas hipóteses, presentes na Lei, para alterar o orçamento, incluindo a anulação de despesas anteriormente previstas (o que não muda o valor total do orçamento), o superávit financeiro (que é, grosso modo, dinheiro disponível) e o excesso de arrecadação (ou seja, taxas e tributos arrecadados além da previsão orçamentária). Sei que despesa prevista (no orçamento) e despesa realizada são coisas muito diferentes. Portanto, as mudanças realizadas no orçamento não feriram a lei orçamentária de 2015. Não houve atentado contra a lei orçamentária. Não houve crime de responsabilidade.
Sei também que existem gestores responsáveis pela execução dos programas orçamentários. Sei que as altas autoridades só recebem informações consolidadas a respeito deles. Sei que isso é insuficiente para conhecer as minúcias da execução e sei que existe um sistema de controle interno para que a execução não fira as normas legais. E sei que, se não houver nenhum alerta do controle ou dos técnicos responsáveis pela execução das políticas públicas, as altas autoridades não ficam sabendo de nada que esteja acontecendo. E isso se aplica aos ministros. A presidente da República só fica sabendo do que acontece pelo que os ministros informam. E informam do que são informados. Não há como Dilma ser responsável pela demora no pagamento de uma obrigação de responsabilidade do Ministério da Fazenda.
E sei ainda que não há atraso onde não há prazo, como no caso do Plano Safra. E que atraso não é empréstimo, porque não há a contratação de capital e de pagamentos de amortização e juros. Quando uma conta está atrasada, pagam-se a conta, os juros e a multa.
E, por fim, eu sei que, para um decreto chegar às mãos da presidente da República para ser assinado, foi elaborado por técnicos, analisado por dirigentes e por procuradores federais, passou por vários ministérios e secretarias, e só fica pronto para ser assinado com a aprovação de todos os envolvidos. Inclusive com pareceres técnicos e jurídicos pela legitimidade e legalidade do futuro decreto. Foi nesses pareceres que a presidente da República se baseou para assiná-los. Era essa a informação de que dispunha. Não há como ser penalizada se porventura tiver havido uma falha de outras pessoas nesse processo.
Mas, mais que tudo, como historiador e cidadão, sei que o povo brasileiro elegeu um programa de governo em 2014. E que os que tentam tirar Dilma do poder definitivamente são os que propuseram o contrário. Sei que a vontade do povo, expressa nas urnas em 2014, que escolheu um programa de governo, será derrotada no Congresso Nacional, pelo conluio de parlamentares, partidos, empresas de mídia, confederações patronais e até de um vice-presidente — caso prevaleça o voto “sim” ao impeachment. E, onde a vontade do povo não é ouvida, não há democracia. E a democracia é o melhor sistema de governo, diz a Igreja:
A Igreja encara com simpatia o sistema da democracia, enquanto assegura a participação dos cidadãos nas opções políticas e garante aos governados a possibilidade quer de escolher e controlar os próprios governantes, quer de os substituir pacificamente, quando tal se torne oportuno; ela não pode, portanto, favorecer a formação de grupos restritos de dirigentes, que usurpam o poder do Estado a favor dos seus interesses particulares ou dos objetivos ideológicos. (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 406)
E a escolha do povo, como o povo disse em 2014, é cuidar do órfão e do pobre, do oprimido e do necessitado. E querem tirar a Dilma para fazer o contrário.
Levanta-se Deus na assembléia divina, entre os deuses profere o seu julgamento.
Até quando julgareis iniquamente, favorecendo a causa dos ímpios?
Defendei o oprimido e o órfão, fazei justiça ao humilde e ao pobre,
livrai o oprimido e o necessitado, tirai-o das garras dos ímpios.
Eles não querem saber nem compreender, andam nas trevas, vacilam os fundamentos da terra.
Eu disse: Sois deuses, sois todos filhos do Altíssimo.
Contudo, morrereis como simples homens e, como qualquer príncipe, caireis.
Levantai-vos, Senhor, para julgar a terra, porque são vossas todas as nações. (Sl 81)
Esse dossiê foi publicado originalmente no Visão Católica. O momento vivido pelo Brasil hoje exige que os católicos conheçam a orientação da Igreja, governada pelos bispos conforme a determinação divina — são os bispos que devem nos guiar, como pastores do rebanho divino, rumo ao céu, e que recebem o especial auxílio divino para guardar íntegro o depósito da fé. Se não ouvimos os bispos, como ouviremos a Palavra de Deus?
Mesmo que alguém divirja do pensamento geral do episcopado brasileiro, expresso pela CNBB e explicado pelas autoridades aqui citadas, peço gentilmente que mantenha o respeito e procure, no silêncio do coração, compreender as razões de nossos pastores. O papel dos bispos não é agradar os fiéis, mas guiá-los especialmente nos momentos de maior tensão e dificuldade. O papel dos fiéis é serem dóceis ao ensinamento daqueles que Deus ordenou para guiar a Igreja.
Chama a atenção o posicionamento firme da Igreja Católica e de seus bispos e organismos em favor da democracia e contra o golpe cívico-jurídico-legislativo em curso no país. Antes de continuar, sendo este um portal de notícias, cabe esclarecer os termos utilizados: depor um governante por crime de responsabilidade e manter a política escolhida nas urnas é impeachment, mas depor um governante, por qualquer motivo, e mudar a política é golpe.
Conclamamos a todos que zelem pela paz em suas atividades e em seus pronunciamentos. Cada pessoa é convocada a buscar soluções para as dificuldades que enfrentamos. Somos chamados ao diálogo para construir um país justo e fraterno.
No dia 17, a Caritas e quatro pastorais nacionais lançaram manifesto em defesa da democracia – o que foi notícia até mesmo na Rádio Vaticano. Em vídeo sem data, o bispo de Crateús (CE), dom Ailton Menegussi, explica didaticamente o significado dos acontecimentos políticos, criticando os que tentam derrubar o atual governo – não se preocupam com os pobres, mas com a tomada do poder que não conquistaram nas urnas. Ontem (23), o bispo emérito de Jales, dom Luiz Demétrio Valentini, denuncia a tentativa de “deslegitimar o poder conferido pelas eleições” e “banir de vez [determinados atores e organizações partidárias] do cenário político nacional”. Dom Luiz exorta:
Em vez deste impeachment sem fundamento legal e sem justificativa, que nos unamos todos em torno das providências urgentes para que o Brasil supere este momento de crise, e reencontre o caminho da verdadeira justiça e da paz social.
Esse posicionamento firme da Igreja, por parte especialmente de seus bispos – incumbidos de governá-la, de apascentar o rebanho de Deus rumo ao aprisco celeste e de manter íntegro o depósito da fé – vem recebendo críticas dos que são favoráveis à deposição de Dilma Rousseff. Mas, como disse o servo de Deus dom Hélder Câmara: “Claro que dirão, Mariama, que é política, que é subversão. É Evangelho de Cristo, Mariama.”
“O fruto da justiça é semeado na paz, para aqueles que promovem a paz” (Tg 3,18)
Nós, bispos do Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil–CNBB, reunidos em Brasília-DF, nos dias 8 a 10 de março de 2016, manifestamos preocupações diante do grave momento pelo qual passa o país e, por isso, queremos dizer uma palavra de discernimento. Como afirma o Papa Francisco, “ninguém pode exigir de nós que releguemos a religião a uma intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional, sem nos preocupar com a saúde das instituições da sociedade civil, sem nos pronunciar sobre os acontecimentos que interessam aos cidadãos” (EG, 183).
Vivemos uma profunda crise política, econômica e institucional que tem como pano de fundo a ausência de referenciais éticos e morais, pilares para a vida e organização de toda a sociedade. A busca de respostas pede discernimento, com serenidade e responsabilidade. Importante se faz reafirmar que qualquer solução que atenda à lógica do mercado e aos interesses partidários antes que às necessidades do povo, especialmente dos mais pobres, nega a ética e se desvia do caminho da justiça.
A superação da crise passa pela recusa sistemática de toda e qualquer corrupção, pelo incremento do desenvolvimento sustentável e pelo diálogo que resulte num compromisso entre os responsáveis pela administração dos poderes do Estado e a sociedade. É inadmissível alimentar a crise econômica com a atual crise política. O Congresso Nacional e os partidos políticos têm o dever ético de favorecer e fortificar a governabilidade.
As suspeitas de corrupção devem ser rigorosamente apuradas e julgadas pelas instâncias competentes. Isso garante a transparência e retoma o clima de credibilidade nacional. Reconhecemos a importância das investigações e seus desdobramentos. Também as instituições formadoras de opinião da sociedade têm papel importante na retomada do desenvolvimento, da justiça e da paz social.
O momento atual não é de acirrar ânimos. A situação exige o exercício do diálogo à exaustão. As manifestações populares são um direito democrático que deve ser assegurado a todos pelo Estado. Devem ser pacíficas, com o respeito às pessoas e instituições. É fundamental garantir o Estado democrático de direito.
Conclamamos a todos que zelem pela paz em suas atividades e em seus pronunciamentos. Cada pessoa é convocada a buscar soluções para as dificuldades que enfrentamos. Somos chamados ao diálogo para construir um país justo e fraterno.
Inspirem-nos, nesta hora, as palavras do Apóstolo Paulo: “trabalhai no vosso aperfeiçoamento, encorajai-vos, tende o mesmo sentir e pensar, vivei em paz, e o Deus do amor e da paz estará convosco” (2 Cor 13,11).
Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, continue intercedendo pela nossa nação!
Brasília, 10 de março de 2016.
Dom Sergio da Rocha Dom Murilo S. R. Krieger
Arcebispo de Brasília-DF Arcebispo de S. Salvador da Bahia-BA
“Assim também vós: por fora pareceis justos aos olhos dos homens, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniquidade” (Mt 23,28)
Neste momento em que vivenciamos a ameaça de golpe sobre a democracia brasileira, não podemos permitir que as conquistas democráticas e que os direitos civis, políticos e sociais sejam mais uma vez afrontados pela força da intolerância, do conservadorismo e da violência, física e/ou institucional.
O golpe civil militar de 1964 imprimiu na sociedade brasileira um quadro de pavor e sofrimento àqueles que lutavam por direitos e liberdades e a todo o povo brasileiro. Prisões arbitrárias, tortura e morte de lideranças populares, estudantes, sindicalistas, intelectuais, artistas e religiosos davam a tônica do estado de exceção que então se instalava.
Na nossa ainda jovem democracia, estamos presenciando o mesmo discurso de embate à corrupção propagado pelos meios de comunicação às vésperas do golpe de 1964. Mais uma vez a sociedade brasileira corre o risco de vivenciar o mesmo cenário de horror e pânico. As últimas ações de setores conservadores, incluindo os meios de comunicação, repercutem nas ruas e geram um clima de instabilidade, violência e medo.
Diante do risco de aprofundamento dessa situação e da quebra da ordem constitucional e social, a Cáritas Brasileira, a Comissão Pastoral da Terra – CPT, o Conselho Indigenista Missionário – CIMI, o Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP e o Serviço Pastoral dos Migrantes – SPM vêm a público manifestar preocupações com a grave crise. Queremos que todos os fatos sejam apurados e que seja garantida a equidade de tratamento a todos os denunciados nas investigações em curso no país, respeitando-se o ordenamento jurídico brasileiro.
Tememos que os direitos constitucionais dos jovens, das mulheres, dos sem-teto, das comunidades tradicionais, dos povos indígenas, dos quilombolas e dos camponeses, especialmente aos seus territórios, sejam ainda mais violentamente negados.
Reafirmamos nosso compromisso com o combate à corrupção, resguardando que esse processo não represente retrocessos nas conquistas dos direitos historicamente conquistados pelo povo brasileiro.
Brasília, 17 de março de 2016
Cáritas Brasileira
Comissão Pastoral da Terra – CPT
Conselho Indigenistsa Missionário – CMI
Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP
Serviço Pastoral dos Migrantes – SPM
Sobre esse momento de crise política do Brasil, podem todos saber que o episcopado brasileiro é composto de quase 500 bispos. Vocês não vão pensar que 500 bispos pensem igualzinho ao outro. Mas, como CNBB, duas coisas posso dizer a vocês.
É claro que nenhum bispo concorda com corrupção, e nós apoiamos que as investigações sejam feitas, queremos que as denúncias sejam apuradas e que, uma vez provadas, e não antes de serem provadas — escutem bem isto: o que está acontecendo no Brasil é que já estão tratando de “criminosos” antes de se provar as coisas —, uma vez provadas, que se punam os culpados. Agora, os culpados não são desse partido ou daquele só não, não sejamos bobos: tem corrupto em tudo que é partido, e a corrupção não foi inventada de quinze anos pra cá. Não sejamos inocentes. O que está acontecendo é que agora se está permitindo que as coisas apareçam. Isso é bom, não é ruim. Esse é o primeiro pensamento da CNBB.
Segundo, nós não aceitamos que partido político nenhum aproveite essa crise para dar golpe no país. Não é hora de virar: “vamos aproveitar agora para tirar essa turma do poder, porque nós queremos voltar”. Nós não estamos interessados de trocar governo, simplesmente: nós queremos que o país seja respeitado. Que os cidadãos brasileiros sejam respeitados, é isto que quer a CNBB. Nós não vamos simplesmente apoiar troca de governos, de pessoas interesseiras, que estão apenas querendo se apossar, porque são carreiristas. Não vamos acreditar que — muito desse barulho aí — estejam preocupados conosco, não. Tem muita gente lá posando de santinho, mas que nunca pensou em pobre e não pensa em pobre. Tão fazendo discurso bonito porque querem o poder. E com isso a CNBB não concorda.
Dom Luiz Demétrio Valentini
Bispo Emérito de Jales
Estamos na iminência de uma ruptura constitucional. Em momentos assim, se faz necessário um apelo à consciência democrática, e uma advertência dos riscos de uma decisão política profundamente equivocada.
Falando claro e sem rodeios: com a tentativa de impeachment da Presidente Dilma, procura-se revestir de legalidade uma iniciativa política com a evidente intenção de destituir do poder quem foi legitimamente a ele conduzido pelo voto popular.
Isto fere o âmago do sistema democrático, que tem como pressuposto básico o respeito aos resultados eleitorais.
É preciso desmascarar a trama que foi sendo urdida, para criar artificialmente um pretenso consenso popular, para servir de respaldo aos objetivos que se pretende alcançar.
É notável que desde as últimas eleições presidenciais, os derrotados não aceitaram o resultado das urnas, e traduziram seu descontentamento em persistentes iniciativas de deslegitimar o poder conferido pelas eleições.
Outra evidência é a contínua e sistemática obstrução das iniciativas governamentais, praticada especialmente por membros do Congresso Nacional, com o evidente intuito de inviabilizar o governo, e aplainar o caminho para o golpe de misericórdia contra ele.
Está em andamento um verdadeiro linchamento político, conduzido sutilmente por poderosos meios de comunicação, contra determinados atores e organizações partidárias, que são continuamente alvo de acusações persistentes e generalizadas, e que se pretende banir de vez do cenário político nacional.
Causa preocupação a atuação de membros do Poder Judiciário, incluindo componentes da Suprema Corte, que deixam dúvidas sobre as reais motivações de suas decisões jurídicas, levando-nos a perguntar se são pautadas pelo zelo em preservar a Constituição e fazer a justiça, ou se servem de instrumento para a sua promoção pessoal ou para a vazão de seus preconceitos.
Em meio a esta situação limite, cabe ao povo ficar atento, para não ser ludibriado.
Mas cabe ao Judiciário a completa isenção de ânimo para garantir o estrito cumprimento da Constituição.
E cabe ao Congresso Nacional terminar com sua sistemática obstrução das iniciativas governamentais, e colaborar com seu apoio e suas sugestões em vista do bem comum, e não de interesses pessoais ou partidários.
Em vez deste impeachment sem fundamento legal e sem justificativa, que nos unamos todos em torno das providências urgentes para que o Brasil supere este momento de crise, e reencontre o caminho da verdadeira justiça e da paz social.
Sim, milhões de pessoas foram ontem às ruas, com muitas e variadas reivindicações, a favor e contra o governo. Algumas parcelas da população estão mais mobilizadas, outras, menos. Algumas tocam músicas militares e hostilizam todo e qualquer político, outras defendem determinadas soluções para a crise. Mas, o momento não é de acirrar os ânimos e propagar o ódio, e sim de procurar uma saída que contemple, acima de qualquer interesse partidário, as necessidades dos mais pobres, e que se construa com diálogo em busca do desenvolvimento, da justiça e da paz social. Essa é a tônica da nota divulgada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil no último dia 10. Muito similar a outra, de dezembro.
Infelizmente, parece que mesmo muitos católicos não têm ouvido aqueles que Deus constituiu para governar a Igreja, guardar o depósito da fé e conduzir o povo fiel. Os relatos são de que a manifestação contra o governo em Brasília começou com uma oração e prosseguiu com músicas militares e coreografias — parecendo até um “fascismo do século XXI”, pois eram os fascistas que buscavam angariar apoio com tais demonstrações massivas militaristas e organizadas. Já em São Paulo, a polícia militar compareceu para “averiguar” uma assembléia de trabalhadores a favor de Lula e do governo federal em São Bernardo do Campo. Esses foram apenas alguns dos preocupantes episódios que têm ocorrido em todo o país.
Isso tudo acontece como resultado de uma paulatina escalada da tensão política, através de processos judiciais e midiáticos. Seu atual momento começou com uma entrevista do promotor público Cassio Conserino à revista Veja, em janeiro (na qual antecipou que denunciaria Lula, antes mesmo de ouvir a defesa). Depois, o impasse quanto ao depoimento que esse mesmo promotor tentou obrigar Lula a prestar, no que foi impedido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Em seguida, um contestabilíssima condução coercitiva de Lula pela Polícia Federal, a mando do juiz Sérgio Moro — que conduz de maneira igualmente contestável os inquéritos da operação Lava Jato. Essa condução coercitiva teve como pretexto evitar a violência política, mas foi justamente esse o resultado dela. Parece que as próprias manifestações contra o governo são parte de uma tentativa de influenciar a composição do comissão do processo de impeachment, cuja eleição foi programada justamente para a próxima quinta-feira.
Importante se faz reafirmar que qualquer solução que atenda à lógica do mercado e aos interesses partidários antes que às necessidades do povo, especialmente dos mais pobres, nega a ética e se desvia do caminho da justiça. (CNBB)
Pobre o país que não ouve seus bispos!
Eis a íntegra da nota da CNBB:
NOTA DA CNBB SOBRE O MOMENTO ATUAL DO BRASIL
“O fruto da justiça é semeado na paz, para aqueles que promovem a paz” (Tg 3,18)
Nós, bispos do Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil–CNBB, reunidos em Brasília-DF, nos dias 8 a 10 de março de 2016, manifestamos preocupações diante do grave momento pelo qual passa o país e, por isso, queremos dizer uma palavra de discernimento. Como afirma o Papa Francisco, “ninguém pode exigir de nós que releguemos a religião a uma intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional, sem nos preocupar com a saúde das instituições da sociedade civil, sem nos pronunciar sobre os acontecimentos que interessam aos cidadãos” (EG, 183).
Vivemos uma profunda crise política, econômica e institucional que tem como pano de fundo a ausência de referenciais éticos e morais, pilares para a vida e organização de toda a sociedade. A busca de respostas pede discernimento, com serenidade e responsabilidade. Importante se faz reafirmar que qualquer solução que atenda à lógica do mercado e aos interesses partidários antes que às necessidades do povo, especialmente dos mais pobres, nega a ética e se desvia do caminho da justiça.
A superação da crise passa pela recusa sistemática de toda e qualquer corrupção, pelo incremento do desenvolvimento sustentável e pelo diálogo que resulte num compromisso entre os responsáveis pela administração dos poderes do Estado e a sociedade. É inadmissível alimentar a crise econômica com a atual crise política. O Congresso Nacional e os partidos políticos têm o dever ético de favorecer e fortificar a governabilidade.
As suspeitas de corrupção devem ser rigorosamente apuradas e julgadas pelas instâncias competentes. Isso garante a transparência e retoma o clima de credibilidade nacional. Reconhecemos a importância das investigações e seus desdobramentos. Também as instituições formadoras de opinião da sociedade têm papel importante na retomada do desenvolvimento, da justiça e da paz social.
O momento atual não é de acirrar ânimos. A situação exige o exercício do diálogo à exaustão. As manifestações populares são um direito democrático que deve ser assegurado a todos pelo Estado. Devem ser pacíficas, com o respeito às pessoas e instituições. É fundamental garantir o Estado democrático de direito.
Conclamamos a todos que zelem pela paz em suas atividades e em seus pronunciamentos. Cada pessoa é convocada a buscar soluções para as dificuldades que enfrentamos. Somos chamados ao diálogo para construir um país justo e fraterno.
Inspirem-nos, nesta hora, as palavras do Apóstolo Paulo: “trabalhai no vosso aperfeiçoamento, encorajai-vos, tende o mesmo sentir e pensar, vivei em paz, e o Deus do amor e da paz estará convosco” (2 Cor 13,11).
Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, continue intercedendo pela nossa nação!
Brasília, 10 de março de 2016.
Dom Sergio da Rocha Dom Murilo S. R. Krieger
Arcebispo de Brasília-DF Arcebispo de S. Salvador da Bahia-BA