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Movimentos sociais no planalto pela continuidade institucional

Movimentos sociais se reuniram ontem (13) no Palácio do Planalto com a presidente da República, Dilma Rousseff e com o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Miguel Rossetto. No evento, chamado Diálogo com os Movimentos Sociais, a tônica foi a da defesa da continuidade do mandato de Dilma até 2018 e pelo aprofundamento das mudanças introduzidas nos governos petistas.

A presidente Dilma Rousseff participa do evento Diálogo com os Movimentos Sociais, no Palácio do Planalto. (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
A presidente Dilma Rousseff participa do evento Diálogo com os Movimentos Sociais, no Palácio do Planalto. (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Os movimentos sociais também demarcaram as diferenças com os que pretendem interromper o mandato de Dilma Rousseff. Guilherme Boulos, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, chamou-os de “golpistas que se utilizam da insatisfação social para impor o seu projeto político e para atacar a democracia”. Segundo Carina Vitral, presidente da UNE, “para ter impeachment precisa ter crime de responsabilidade, e sabemos que, contra a presidenta, não há qualquer indício ou acusação”. O presidente da CUT, Vagner Freitas, disse que “o que se vende hoje no Brasil é a intolerância, o preconceito de classe contra nós. Somos defensores da unidade nacional, de um projeto nacional.”

Pautas sociais

Por outro lado, projetos de interesse dos movimentos sociais também foram debatidos. Raimundo Bonfin, da Central dos Movimentos Populares afirmou que o governo “tem de taxar as grandes fortunas e combater de forma dura a sonegação fiscal”, fazendo menção ainda a manifestações ocorridas este ano em que a sonegação fiscal foi defendida pelos opositores: disse que songação “é corrupção, sim, porque tira dinheiro dos programas sociais e do desenvolvimento econômico.” Também foi defendida a universalidade do Sistema Único de Saúde, o orçamento da educação, o programa Minha Casa, Minha Vida, os povos e comunidades tradicionais.

Por outro lado, foi criticada a “Agenda Brasil“, proposta pelo presidente do Senado Federal, Renan Calheiros. Também foram criticados o presidente da Câmara dos Deputados e a política econômica — personificada no ministro da Fazenda, Joaquim Levy: “Fora já, fora já daqui, o Eduardo Cunha junto com o Levy”, repetiam os presentes.

Senadores independentes

Em outra frente política, também ontem os senadores independentes Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), Cristovam Buarque (PDT-DF), João Alberto Capiberibe (PDT-AP), Lídice da Mata (PSB-BA) e Lasier Martins (PDT-RS) se reuniram com Dilma Rousseff e defenderam a formação de um governo de união nacional. Na ocasião, Dilma elogiou o papel do Senado na crise atual, afirmando que a casa legislativa tem agido como “poder moderador”.

Opinião de Visão Católica

Tanto os movimentos sociais quanto os senadores do PDT, do PSB e até do PSOL defenderam “união nacional”. Mas, sempre de acordo com os seus interesses. Os movimentos sociais, por exemplo, têm acirrado em seu discurso a divisão de classes — que, embora exista e seja vista nas manifestações de rua que vêm ocorrendo ao longo do ano, não tende a produzir bons frutos, ao contrário, pode ter um resultado bastante danoso à democracia e aos interesses dos próprios movimentos sociais. O acirramento dos conflitos políticos tem evidentemente produzido intolerância (como eles mesmos denunciaram), até mesmo com atentados com bombas incendiárias contra sedes do PT e do Instituto Lula.

A violência tem crescido na política brasileira, e está presente especialmente nas manifestações da oposição, com bonecos enforcados, ameaças de magnicídio e atentados terroristas (porque as tentativas de incendiar sedes de instituições adversárias é terrorismo na sua acepção mais pura). E deve ser combatida. Porém, é aconselhável que o combate não se dê pelo acirramento dessa clivagem, já tão danosa, e o discursos dos movimentos sociais têm que ficar atentos a isso. Se pregam a união nacional, então, mesmo demarcando diferenças, não devem seguir verbalmente o caminho que os opositores têm seguido também materialmente.

As falas dos movimentos sociais podem ser lidas com mais detalhes na Agência Brasil.

Maioridade penal: OAB diz que redução viola a Constituição

Constitucionalmente, a matéria rejeitada não pode ser votada no mesmo ano legislativo. A redução da maioridade, que já possuía a inconstitucionalidade material, porque fere uma garantia pétrea fundamental, passa a contar com uma inconstitucionalidade formal, diante deste ferimento ao devido processo legislativo.

Parlamentar denuncia golpe que levou à aprovação da redução da maioridade penal na Câmara dos Deputados. Foto: Gustavo Lima/Câmara dos Deputados.
Parlamentar denuncia golpe que levou à aprovação da redução da maioridade penal na Câmara dos Deputados. Foto: Gustavo Lima/Câmara dos Deputados.

Essa é a posição oficial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), expressa em nota divulgada ontem (2), após a aprovação de uma emenda aglutinativa sobre uma matéria que já havia sido derrotada na Câmara dos Deputados: a redução da maioridade penal. No dia 30, os 303 deputados votaram pela redução da maioridade, 5 a menos do que os 308 votos necessários para mudar a Constituição Federal. No dia seguinte, 323 votaram pela redução.

Diante do cenário, a OAB e mais 7 partidos políticos ingressarão com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para declarar a inconstitucionalidade da votação. O ministro Marco Aurélio Mello já se pronunciou contrário à forma como foi aprovada a redução.  “A matéria constante de Proposta de Emenda à Constituição rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. E nesse período muito curto de 48 horas, não tivemos duas sessões legislativas”, disse o ministro do STF. Ele também é contra a redução da maioridade. Também o ministro do STF aposentado Joaquim Barbosa se manifestou publicamente contra a redução e contra a forma como aconteceu a votação. A Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), igualmente se posicionou contrária à medida: “não se pode alterar o que está estabelecido pelo artigo 228 da Constituição Federal; e o artigo 60, que trata de emenda à Constituição, veda a deliberação sobre matéria que tente abolir direito ou garantia individual”.

Opinião de Visão Católica

Visão Católica já havia alertado sobre a ameaça que ainda pairava sobre o povo brasileiro, visto que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, prometera insistir na matéria, como já fizera com o financiamento empresarial de campanhas eleitorais (assim como a redução da maioridade, ele foi rejeitado na primeira votação, mas aprovado na segunda).

Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, durante sessão que aprovou a redução da maioridade penal. OAB, AMB, ministros do STF e partidos políticos dizem que a manobra foi inconstitucional. Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados.
Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, durante sessão que aprovou a redução da maioridade penal. OAB, AMB, ministros do STF e partidos políticos dizem que a manobra foi inconstitucional. Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados.

O mandato de presidente da Câmara dos Deputados é curto (apenas dois anos), mas, já no primeiro quarto dele, Eduardo Cunha fez um grande estrago. Sempre empurrando suas próprias prioridades e posicionamentos políticos, ele seguidamente aprovou a ampliação da terceirização, o financiamento empresarial de campanhas eleitorais e a redução da maioridade penal. Nos dois últimos casos, colocando novamente em votação temas que antes não haviam conseguido os votos necessários para a aprovação. Felizmente essas propostas ainda tramitarão no Senado Federal, que poderá rejeitá-las.

A agenda de Eduardo Cunha é contrária à Doutrina Social da Igreja e ao Evangelho de Jesus Cristo. O cristão, como indivíduo e como cidadão, deve privilegiar os pobres e socorrer os mais necessitados. Deve agir com misericórdia, e não com espírito de vingança ou em benefício próprio. Amar o próximo como a si mesmo é mandamento divino (Mt 22,39). “Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes” dirá Jesus Cristo quando retornar em sua glória para julgar os vivos e os mortos (Mt 25,40).

Lembremo-nos, enfim, das palavras que o Espírito Santo inspirou na Santa Mãe de Deus:

O Poderoso fez por mim maravilhas
e Santo é o seu nome!
Seu amor, de geração em geração,
chega a todos que o respeitam;
demonstrou o poder de seu braço, *
dispersou os orgulhosos;
derrubou os poderosos de seus tronos *
e os humildes exaltou;
De bens saciou os famintos, *
e despediu, sem nada, os ricos.

(Lc 1,49-53)

Deputados tentam criminalizar opositores da redução da maioridade

Os deputados Major Olimpio (PDT-SP), Alberto Fraga (DEM-DF) e Capitão Augusto (PR-SP) querem que manifestantes contrários à redução da maioridade penal respondam a inquérito policial na Câmara dos Deputados. Isso ocorreu na seqüência da reunião da comissão especial que analisou a proposta de emenda constitucional (PEC) 171/1993 no dia 10. Ontem (18) a mesa diretora da Câmara determinou que o requerimento dos deputados tivesse prosseguimento.

Deputado Capitão Augusto (PR-SP, fardado) sorri diante de manifestação contrária à redução da maioridade penal. Em seguida, ele disse que os manifestantes teriam cometido crime. (Foto: Lucio Bernardo Jr./Câmara dos Deputados)
Deputado Capitão Augusto (PR-SP, fardado) sorri diante de manifestação contrária à redução da maioridade penal. Em seguida, ele acusou os manifestantes do cometimento de supostos crimes. (Foto: Lucio Bernardo Jr./Câmara dos Deputados)

Na sessão do dia 10 houve a leitura do relatório do deputado Laerte Bessa (PR-DF), que se posicionou favorável à redução da maioridade com base em argumentos falaciosos. Após o deputado Vitor Valim (PMDB-CE) solicitar “providências” para “garantir a livre expressão dos parlamentares”, o público presente se manifestou e o presidente da comissão, dep. André Moura (PSC-SE), determinou à polícia legislativa que retirasse o povo do local. O deputado Valim se sentiu “constrangido” diante de uma “grande platéia contrária à redução”.

Segundo a ata da reunião, “houve resistência e o Presidente decidiu suspender a reunião às quinze horas e cinquenta e cinco minutos, transferindo-a para o Plenário 3, do Anexo II, da Câmara dos Deputados”. O vídeo do ocorrido não está disponível no site da Câmara dos Deputados. O áudio mostra apenas que os manifestantes gritavam “não, não, não à redução” quando foi determinada a evacuação. Após a determinação de evacuação do plenário, começaram os gritos de “não passarão!” e “fascista!”

No requerimento, os deputados acusam os manifestantes de “agressão aos parlamentares, depredação do patrimônio público, instigação à pratica de crime, ameaça, desacato, desobediência/resistência, furto de celulares e outros bens”. As provas seriam as anexadas ao requerimento, que no entanto não indicam a ocorrência de nenhum dos supostos crimes. Ao contrário, as fotos apenas mostram pessoas ligadas aos movimentos sociais, manifestando-se. Eles também tentam criminalizar a deputada Maria do Rosário (PT-RS), porque sua filha estava presente à manifestação. Como se vê na foto destacada nesta reportagem, o deputado Capitão Augusto, um dos autores do requerimento, sorria diante do acontecido.

O requerimento não faz menção alguma a que os deputados favoráveis à redução da maioridade penal tentaram calar o povo presente à sessão, nem ao fato de que os deputados representam o povo, e este tem o direito à manifestação. Mesmo com a evacuação do plenário 1 da Câmara, a seção teve continuidade em outra sala até o pedido de vistas coletivo feito por todos os deputados presentes.

PR: Ministério Público investigará massacre; ajude!

O Ministério Público do Paraná investigará o massacre ocorrido ontem (29) contra manifestantes na praça Nossa Senhora de Salete, no Centro Cívico de Curitiba. Pelo menos 200 pessoas ficaram feridas, 40 hospitalizadas, sendo 8 em estado grave. 14 manifestantes foram presos, mas não têm seus nomes revelados, nem é permitido que advogados auxiliem eles, em flagrante desrespeito aos direitos mais básicos do ser humano e à Constituição Federal. 20 a 50 policiais que se recusaram a participar do massacre teriam sido presos, mas não há informações oficiais. Crianças também foram atingidas, inclusive nas creches da região. Órgãos públicos e empresas tiveram que dispensar seus funcionários em decorrência do abuso do gás lacrimogênio. O barulho das bombas era ouvido até no Pilarzinho, bairro no norte de Curitiba.

O próprio Ministério Público havia expedido, pela manhã, a recomendação n.º 1/2015, para que se evitasse a violência por parte das autoridades públicas. A nota dizia:

a) garantam o direito à realização de manifestações públicas e pacíficas nos arredores da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná, a partir do livre acesso àquele espaço público, sem prejuízo do livre e regular funcionamento do Parlamento;

b) no acompanhamento da realização de manifestações pacíficas nelas não intervenham, salvo para assegurar a segurança de seus participantes ou para conter a prática de infrações penais, sendo certo que, neste caso, a atuação deve incidir tão somente em relação ao indivíduo que estiver cometendo o ilícito;

c) havendo a necessidade de atuação repressiva da Polícia Militar, observem os meios adequados e proporcionais de contenção, evitando-se o uso de qualquer espécie de armamento (não letal ou letal), salvo em caso de necessidade inafastável;

[…]

f) seja garantido o acesso de representantes da sociedade civil no acompanhamento dos trabalhos legislativos, na medida em que o espaço comporte, e sem prejuízo da ordem interna dos trabalhos;

Nada disso foi cumprido. Por isso, o Ministério Público instaurou procedimento para investigar os abusos da força policial e descobrir os responsáveis. Quem puder auxiliar com depoimentos, documentos, imagens ou vídeos da violência deve procurar os promotores de Justiça Paulo Sérgio Markowicz de Lima e Maurício Cirino dos Santos na Procuradoria-Geral de Justiça, rua Marechal Hermes, 751, Centro Cívico (atrás do Palácio Iguaçu e ao lado do Museu Oscar Niemeyer).

Entre os abusos constatados ontem, o prefeito de Curitiba, Gustavo Fruet (PDT), informou que as ambulâncias não conseguiam chegar ao local. Outras pessoas informavam que, as que eventualmente chegaram, foram alvo de bombas disparadas pela polícia. Pessoas que tentavam socorrer os feridos foram também alvo de tiros, bombas e cachorros policiais. Entre os feridos por cada um desses motivos estão um cinegrafista da CATVE, um da TV 15 e um da Band, respectivamente. O equipamento de filmagem da TV 15 ficou destruído pela bomba, jogada do helicóptero policial. Três pessoas testemunharam as bombas sendo jogadas do helicóptero, inclusive a Senadora Gleisi Hoffmann (PT), que estava em missão do Senado Federal para tentar evitar o massacre. Isso aparece também em ao menos um vídeo.

O governador Beto Richa (PSDB) afirmou que a ação policial teria ocorrido em resposta a vândalos e “black blocks”, que no entanto não aparecem em nenhuma imagem gravada no local. O governo do estado afirmou ainda que os presos seriam “black blocks” e que não haveria professores entre eles. Nota da APP Sindicato desemente:

“Pelo menos três professores conhecidos meus, um de Maringá e dois de Curitiba, estão detidos”, afirma o secretário de Assuntos Jurídicos da APP, Mário Sergio Ferreira de Souza. Segundo ele, nas delegacias os advogados estão sendo impedidos de conversar com os detidos.

“Além disso, eles se negam a dar os nomes de quem foi detido. Estamos vivendo, no Paraná, um total desrespeito ao Estado Democrático de Direito. O novo tirano das Araucárias se chama Beto Richa”, descreve Mário Sérgio.

De acordo com o diretor da APP, o Jurídico da entidade – em conjunto com a seccional paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Defensoria Pública – irá elaborar uma ação criminal contra o governador do Estado, o secretário de Segurança Pública e a cúpula da Polícia Militar (PM) do Paraná.

Atualização: A Senadora Gleisi Hoffmann (PT) escreveu ontem à noite em sua conta no Facebook:

Nada justifica a violência que presenciei hoje no Centro Cívico de Curitiba. Eu sou testemunha. Estava na porta da Assembléia com o Senador Roberto Requião [PMDB] conversando com os deputados, quando começamos a ouvir as bombas estourarem sem que ninguém tentasse entrar no local. Eu também andei no meio do povo, ninguém estava fazendo resistência e as bombas continuavam. Isso não faz parte da nossa história, não faz parte da democracia e do respeito que temos que ter com os movimentos.

Mais de 200 pessoas ficaram feridas. Vamos levar esse relato para o Senado, até porque não viemos aqui só como senadores do Paraná. Viemos representando o Senado Federal e vamos deixar registrada a vergonha que vimos aqui. É um absurdo que o governador não tenha tido o mínimo de sensibilidade para fazer a negociação.

Atualização 2: a rádio curitibana Banda B divulgou entrevista do comandante-geral da PM, onde ele supostamente isenta de culpa o secretário de segurança, Francisco Francischini, da violência ocorrida (e tenta igualar manifestantes e policiais, apesar de todas as imagens dizerem que os manifestantes não agrediram a polícia em momento algum). O comandante César Kogut disse:

O secretário observou de longe e não participou em momento algum das ordem dada a nível de campo. Os comandantes, junto com a tropa que estava no local, agiram de momento e não tivemos interferência dizendo faça isso ou aquilo

Ou seja, ele afirma que tudo foi uma ação espontânea dos militares envolvidos, eximindo-se também de qualquer culpa. Porém, ninguém tomou providências para parar o massacre, o que os coloca ao menos como cúmplices dos crimes cometidos pelos policiais. As imagens, contudo, demonstram uma ação organizada e premeditada por parte da Polícia Militar do Paraná, certamente autorizada ou determinada por seus chefes (Kogut, Francischini e Richa). Todos os policiais começam e terminam juntos as ações violentas, não há nada espontâneo, da “tropa que estava no local”.

Opinião de Visão Católica

Ontem Visão Católica já alertava para os crimes cometidos pelo governador Beto Richa (PSDB). Já na terça-feira afirmava que o governador promovia uma guerra contra o povo, e ontem repercutia informação dada a Esmael Morais, de que ” o subcomandante-geral da PM, coronel Nerino Mariano de Brito, ‘quer sangue’, segundo informam policiais”. Também ontem divulgava que o deputado Tadeu Veneri (PT) havia pedido a organismos internacionais que investigassem as violações de direitos humanos. O massacre de 29/4 foi anunciado. Beto Richa, responsável por ele, incorreu em crimes e deve ser punido conforme a lei. Ele inclusive não fala em investigar eventuais abusos: ao contrário, dá respaldo total à ação, na verdade orquestrada com o seu consentimento.

Depoimento

Estou a 1.300 Km do massacre, mas com o coração dilacerado. Nasci em Curitiba, e a praça Nossa Senhora de Salete, no Centro Cívico da cidade, faz parte dos primeiros 22 anos da minha vida. Lá aprendi a andar de bicicleta. Meu primeiro tombo foi perto de onde está hoje a rótula junto à prefeitura de Curitiba, onde foi socorrida a maior parte dos feridos. Se ia de ônibus à casa de minha avó paterna, passava pelo meio da praça, no veículo da linha Boqueirão-Centro Cívico. O caminho do Ahu ao centro da cidade muitas vezes era feito por ali. Quando voltava de bicicleta da faculdade, desviava pela rua que passa atrás da Assembléia (para não andar na contramão), indo da rótula da prefeitura à outra, entre a praça Cabeza de Vaca (atrás do Palácio Iguaçu, sede do governo estadual) e o Ministério Público do Paraná. Muitas vezes simplesmente caminhava por lá para apreciar a beleza da natureza e da arquitetura modernista, projetada para a comemoração do centenário da emancipação do Paraná, em 1953. Foi ali que aprendi a me manifestar, e aprendi também que a polícia estava lá para desviar o trânsito e para garantir nossa segurança. O direito à manifestação era constitucional, diziam (e eu conferi).

Mas, Beto Richa revogou a Constituição Federal. Acabou com o habeas corpus (nem as decisões judiciais permitindo a entrada na ALEP foram cumpridas) e com o direito à livre manifestação de opiniões. Acabou com o princípio constitucional da proporcionalidade. Acabou com o direito à dignidade humana, à integridade física e moral. Não disse nem sequer “esvaziem a praça a qualquer custo”. Ele disse: “esvaziem a praça a todo custo“. Até mesmo crianças foram atingidas. Quem tentava socorrer os feridos foi atingido. Quem filmava os acontecimentos foi atingido. Quem apenas estava ali, dizendo o que pensava, foi atingido. Todos nós, seres humanos, irmãos e irmãs no sangue, no batismo, na humanidade fomos atingidos. Quem estava lá eram meus amigos, meus conhecidos, meus colegas de faculdade. Posso ter seguido outros rumos após concluir o curso de bacharelado e licenciatura em História na UFPR. No entanto, sou professor. Meu corpo está longe, mas as bombas explodiram na minha alma.

(Imagem destacada: massacre na praça Nossa Senhora de Salete, 29/04/2015 — Pragmatismo Político)

PR: desvio de recursos pode custar caro ao estado; pedida investigação de violações de direitos humanos

Audiência pública realizada ontem (28) na Câmara dos Deputados teve como tema principal o uso dos recursos da Paraná Previdência. Foram ouvidos o ministro da Previdência, Carlos Eduardo Gabas, e o idealizador da Paraná Previdência, Renato Folador, ambos contrários ao desvio de recursos do Fundo Previdenciário. (Foto: Alex Ferreira/Câmara dos Deputados)
Audiência pública realizada ontem (28) na Câmara dos Deputados teve como tema principal o uso dos recursos da Paraná Previdência. Foram ouvidos o ministro da Previdência, Carlos Eduardo Gabas, e o idealizador da Paraná Previdência, Renato Folador, que alertaram sobre os riscos do desvio de recursos do Fundo Previdenciário, pretendido pelo governador Beto Richa (PSDB). (Foto: Alex Ferreira/Câmara dos Deputados)

O estado do Paraná não receberá mais transferências voluntárias da União se o projeto imposto pelo governador Beto Richa (PSDB) à sociedade paranaense for considerado ilegal pela autarquia que regulamenta os fundos de pensão, a Previc, segundo informações prestadas pelo ministro da Previdência, Carlos Eduardo Gabas à Câmara dos Deputados na tarde de ontem (28). Richa quer desviar R$ 125 milhões mensais do Fundo Previdenciário da Paraná Previdência para pagar benefícios previdenciários antigos, de responsabilidade do governo estadual — com isso, o fundo, que hoje é superavitário em R$ 39,5 milhões, se tornará deficitário em R$ 85 milhões, o que implicará acabar com a previdência dos servidores em cerca de 8 anos. O que causará problemas terríveis ao povo paranaense no mandato do próximo governador. Richa, em segundo mandato, não poderá disputar nova reeleição.

A sanção ao governo estadual está prevista na legislação e implicará a suspensão dos repasses feitos pelo governo federal para projetos do governo do estado. Somente de janeiro a abril de 2015, o governo do Paraná já recebeu R$ 898 milhões nesses repasses, ou seja, mais que o dobro do que se pretende economizar em um período equivalente. “Se o governo vai continuar com a proposta e com a votação, é uma decisão do governo. Se posteriormente essa medida for declarada ilegal, terá de se rever o que foi votado na Assembleia”, informou Gabas.

Projeto ilegal

Ainda segundo o ministro, o projeto inicial, apresentado pelo governo Richa em fevereiro, foi considerado ilegal — ele pretendia fundir o Fundo Previdenciário, superavitário, que paga os benefícios mais novos, e o Fundo Financeiro, que paga os benefícios antigos e que depende dos recursos enviados ao governo do Estado. O novo projeto, apesar de não fundir os fundos, determina que o Fundo Previdenciário seja o pagador do Fundo Financeiro, em lugar do governo do Estado — ou seja, o governo estadual pretende repassar a responsabilidade por parte de sua folha de pagamento ao Fundo Previdenciário, que é mantido pelas contribuições previdenciárias pagas sobre o salário dos servidores ativos. Em resumo, Beto Richa quer eximir o governo estadual da responsabilidade pelo pagamento das aposentadorias e pensões antigas.

O governo do Paraná submeteu o novo projeto à apreciação dos órgãos competentes, mas não esperou o resultado da análise para enviá-lo à Assembléia Legislativa (ALEP), nem para exigir a rápida conclusão da votação, ferindo a independência do poder legislativo. Sobre isso, Gabas afirmou: “Quando você pergunta alguma coisa, normalmente você espera a resposta para tomar uma decisão.” Essa decisão ainda não foi tomada porque as informações prestadas pelo governo Richa foram incompletas e o estado cancelou as reuniões agendadas para complementá-las.

Direitos humanos

Ontem, o deputado estadual Tadeu Veneri (PT) informou que enviou uma denúncia sobre violações de direitos humanos no cerco à Assembléia Legislativa. Houve violação de direitos fundamentais e uso excessivo da força policial, segundo o deputado. Já o Senado Federal envia hoje (29) uma comissão parlamentar para acompanhar o tratamento recebido pelos manifestantes. A iniciativa é dos senadores Gleisi Hoffmann (PT) e Roberto Requião (PMDB).

Já na Polícia Militar do Paraná houve mudanças, com a troca do comando repressivo. O coronel Chehade Elias Geha foi substituído, no comando das operações, pelo corregedor da PM, tenente-coronel Arildo Luiz Dias. Conforme o blogueiro Esmael Morais, “a mudança no comando da PM não significa que a repressão [não] se repetirá nesta tarde. Pelo contrário, pois o subcomandante-geral da PM, coronel Nerino Mariano de Brito, ‘quer sangue’, segundo informam policiais”.

Ameaças a deputados e compra de votos

O mesmo blogueiro publicou áudio em que o deputado estadual Cobra Repórter (PSC) fala da chantagem do governador Beto Richa (PSDB) aos deputados estaduais: “se eu me posicionar na oposição, esse cara (Beto Richa) não me dá nada, nem um papel de bala”, diz o deputado na gravação. O que também indica o tipo de política realizado pelos deputados que votam a favor do governo, baseado na promessa de recursos que favoreçam seus eleitores (algo muito próximo da compra de votos).

PR: Richa faz guerra contra o povo para conseguir desviar dinheiro da Paraná Previdência

Atualização: a APP informou sobre a prisão de motorista e operador de um dos caminhões de som.

O governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), tenta esta semana aprovar o desvio de recursos do Fundo Previdenciário da Paraná Previdência para arcar com despesas correntes do governo estadual. Como explicado em notícia publicada por Visão Católica ontem (PR: Richa faz cerco militar à Assembléia Legislativa para aprovar desvio de recursos), o governador paranaense tenta aprovar projeto de lei em apenas três dias, sem discussão com a sociedade, impondo um cerco militar à Assembléia Legislativa do Estado do Paraná (ALEP). Para isso, convocou mais de mil policiais militares de todo o estado, que estão em Curitiba sem receber as diárias devidas e sem as mínimas condições sequer para a higiene pessoal. Notícias dão conta ainda de que falta água e comida para os policiais.

Além dos professores, servidores da saúde e do judiciário também entraram em greve contra o projeto. Estudantes e professores do Colégio Estadual do Paraná paralisaram as atividades para se dirigirem à praça Nossa Senhora de Salete, a alguns minutos de caminhada.

Marcio Marchioro, professor de história, afirmou:

O que mais me dói é que o Paraná já teve a melhor educação de Ensino Médio do país, mas com o sucateamento das escolas, com a deterioração dos recursos, equipamentos e a praticamente extinção dos cursos de capacitação dos professores durante esse governo salafrário, caímos muito. Os prejudicados são os alunos.

Sua colega Ana Emilia Staben concordou:

Os alunos não são prejudicados só na greve, como os jornais gostam de alardear. Mas todos os dias quando se retiram investimentos em educação.

Violência policial

As cenas acima retratam o ocorrido hoje (28) pela manhã na praça Nossa Senhora de Salete, que abriga os três poderes estaduais. Foi filmado da ALEP, e parece que algumas pessoas comemoram a repressão. Os manifestantes são em maioria professores da rede pública de ensino. Hoje eles obtiveram habeas corpus para garantir o acesso ao local da votação do projeto, mas o tratamento dado pelo governo estadual é de violência sem precedentes na história democrática do Paraná. De madrugada, 8 pessoas ficaram feridas quando a polícia confiscou os caminhões de som dos manifestantes, a pretexto de coibir uma “infração de trânsito” .Segundo informação da APP Sindicato (que representa os professores), a PM prendeu motorista e operador de som de um dos caminhões de som.

Polícia Militar do Paraná guincha carros de som utilizados por manifestantes. (Foto: APP Sindicato)
Polícia Militar do Paraná guincha carros de som utilizados por manifestantes. (Foto: APP Sindicato)

A APP Sindicato informou pelo Facebook ter acompanhado pelo menos quatro pessoas que foram levadas à delegacia por participarem das manifestações. Repare-se que o governador, do PSDB, partido de oposição ao governo federal, não usou o mesmo critério em relação aos manifestantes de 15 de março ou 12 de abril, nem mesmo para retirar os caminhões de som estacionados irregularmente.

Opinião de Visão Católica

É claro que Visão Católica não defende que fossem retirados tais caminhões de som. Ao contrário, eles são indispensáveis para que o povo manifeste seu querer. Ontem, os caminhões apreendidos estavam transmitindo aos manifestantes o que ocorria dentro da Assembléia Legislativa. Mas, pense na seguinte cena:

Manifestantes se reúnem contra projeto apresentado ao Congresso Nacional pela presidente Dilma Rousseff. O Congresso está cercado pelo Exército Brasileiro. De madrugada, a Polícia Federal apreende os dois caminhões de som que eles utilizavam. Durante o dia, a polícia avança com bombas e jatos d’água sobre os manifestantes.

Do que ela seria chamada? Pois bem, o mesmo adjetivo deve ser usado em relação a Beto Richa. A diferença é que ela, petista, observa as manifestações contrárias e as respeita; ele, tucano, manda a polícia atacar os manifestantes contrários a que o governo estadual se aproprie do Fundo Previdenciário, que existe graças às contribuições sobre os salários dos servidores estaduais, e que é o garantidor dos futuros benefícios deles. E há quem diga que vivemos sob uma “ditadura comunista”!

Em tempos idos, o Senado romano dava o título de “ditador” por tempo determinado a certas pessoas. Hoje, Beto Richa, com o apoio da base governista na ALEP, realiza uma ditadura não declarada, impedindo a manifestação popular e o debate público, cercando a Assembléia Legislativa para que os deputados aprovem, a toque de caixa e sob a mira das baionetas, o projeto que lhe convém.

O que Beto Richa pretende aprovar é o fim do Fundo Previdenciário da Paraná Previdência. Quer que este fundo pague as despesas com os benefícios de servidores mais antigos, que não contribuíram para a formação do fundo, reduzindo assim as despesas do executivo estadual, que é o responsável pelo pagamento desses benefícios. Contudo, isso fará o caixa da previdência dos servidores ser zerado até o final do próximo governo. Mas, ele pensa que então o problema será de seu sucessor.

CNBB lança nota sobre o momento vivido pelo país

Ao final de sua 53.ª Assembléia Geral, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil lançou nota onde denuncia o risco à ordem democrática vigente desde a Constituição Cidadã de 1988 e insta os três poderes a trabalharem em espírito de diálogo para a promoção do bem comum.

Os principais aspectos abordados pelos bispos:

  • Obras na Amazônia afrontam a população, por não ouvi-la, e por favorecer o desmatamento e a degradação ambiental.
  • Deputados discutem terceirização (Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados)
    Deputados discutem terceirização antes de aprovar redação final do PL 4.330/2004. (Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados)

    A lei da terceirização “não pode, em hipótese alguma, restringir os direitos dos trabalhadores. É inadmissível que a preservação dos direitos sociais venha a ser sacrificada para justificar a superação da crise.”

  • A corrupção é pecado grave que brada aos céus, e está presente tanto no Estado quanto na sociedade civil. Punir corruptos e corruptores é dever do Estado. Deve-se recuperar cultura que prime pelos valores da honestidade e retidão.
  • A credibilidade política não pode ser recuperada com aprovação de leis que retirem direitos dos mais vulneráveis. Lamentam que no Congresso se formem bancadas que se opõem aos direitos e conquistas sociais dos mais pobres.
  • A Igreja no Brasil se opõe à proposta de emenda à Constituição 215/2000, que torna atribuição do Congresso Nacional a demarcação de terras indígenas e a ratificação das já existentes (hoje a competência é do governo federal).
  • Cartaz
    Cartaz da Pastoral da Juventude da CNBB contra a redução da maioridade penal.

    A redução da maioridade penal “não é solução para a violência que grassa no Brasil e reforça a política de encarceramento num país que já tem a quarta população carcerária do mundo. Investir em educação de qualidade e em políticas públicas para a juventude e para a família é meio eficaz para preservar os adolescentes da delinquência e da violência.” O erro da aprovação da PEC 171/1993 na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados (CCJC) “é um equívoco que precisa ser desfeito”.

  • Em vez de reduzir a maioridade penal, o caminho é aplicar corretamente as sanções e as políticas públicas preconizadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). É preciso criar mecanismos para responsabilizar os gestores públicos que não aplicarem o ECA.
  • O Estatuto do Desarmamento deve ser preservado, a sensação de segurança conferida pelas armas é ilusão. O interesse econômico da indústria de armas não pode ser alimentado à custa de vidas humanas.
  • A Reforma Política Democrática, subscrita pela CNBB, é caminho para resolver muitos desses problemas.

Vê-se, portanto, ênfase na proteção dos direitos dos menos favorecidos e a oposição à ampliação da terceirização. Os direitos dos indígenas e a promoção da ética são pontos diretamente abordados pelo documento. A redução da maioridade penal, já aprovada pela CCJC, “é um equívoco que precisa ser desfeito”, o caminho é aplicar corretamente o Estatuto da Criança e do Adolescente. O Estatuto do Desarmamento deve ser preservado, e a reforma política é caminho para solucionar muitos dos problemas vividos pelo Brasil.

Leia na íntegra o que disseram os bispos:

“Entre vós não deve ser assim” (Mc 10,43).

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, reunida em sua 53ª Assembleia Geral, em Aparecida-SP, no período de 15 a 24 de abril de 2015, avaliou, com apreensão, a realidade brasileira, marcada pela profunda e prolongada crise que ameaça as conquistas, a partir da Constituição Cidadã de 1988, e coloca em risco a ordem democrática do País. Desta avaliação nasce nossa palavra de pastores convictos de que “ninguém pode exigir de nós que releguemos a religião para a intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional, sem nos preocupar com a saúde das instituições da sociedade civil, sem nos pronunciar sobre os acontecimentos que interessam aos cidadãos” (EG, 183).

O momento não é de acirrar ânimos, nem de assumir posições revanchistas ou de ódio que desconsiderem a política como defesa e promoção do bem comum. Os três poderes da República, com a autonomia que lhes é própria, têm o dever irrenunciável do diálogo aberto, franco, verdadeiro, na busca de uma solução que devolva aos brasileiros a certeza de superação da crise.

A retomada de crescimento do País, uma das condições para vencer a crise, precisa ser feita sem trazer prejuízo à população, aos trabalhadores e, principalmente, aos mais pobres. Projetos, como os que são implantados na Amazônia, afrontam sua população, por não ouvi-la e por favorecer o desmatamento e a degradação do meio ambiente.

A lei que permite a terceirização do trabalho, em tramitação no Congresso Nacional, não pode, em hipótese alguma, restringir os direitos dos trabalhadores. É inadmissível que a preservação dos direitos sociais venha a ser sacrificada para justificar a superação da crise.

A corrupção, praga da sociedade e pecado grave que brada aos céus (cf. Papa Francisco – O Rosto da Misericórdia, n. 19), está presente tanto em órgãos públicos quanto em instituições da sociedade. Combatê-la, de modo eficaz, com a consequente punição de corrompidos e corruptores, é dever do Estado. É imperativo recuperar uma cultura que prima pelos valores da honestidade e da retidão. Só assim se restaurará a justiça e se plantará, novamente, no coração do povo, a esperança de novos tempos, calcados na ética.

A credibilidade política, perdida por causa da corrupção e da prática interesseira com que grande parte dos políticos exerce seu mandato, não pode ser recuperada ao preço da aprovação de leis que retiram direitos dos mais vulneráveis. Lamentamos que no Congresso se formem bancadas que reforcem o corporativismo para defender interesses de segmentos que se opõem aos direitos e conquistas sociais já adquiridos pelos mais pobres.

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/2000, por exemplo, é uma afronta à luta histórica dos povos indígenas que até hoje não receberam reparação das injustiças que sofreram desde a colonização do Brasil. Se o prazo estabelecido pela Constituição de 1988 tivesse sido cumprido pelo Governo Federal, todas as terras indígenas já teriam sido reconhecidas, demarcadas e homologadas. E, assim, não estaríamos assistindo aos constantes conflitos e mortes de indígenas.

A PEC 171/1993, que propõe a redução da maioridade penal para 16 anos, já aprovada pela Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça da Câmara, também é um equívoco que precisa ser desfeito. A redução da maioridade penal não é solução para a violência que grassa no Brasil e reforça a política de encarceramento num país que já tem a quarta população carcerária do mundo. Investir em educação de qualidade e em políticas públicas para a juventude e para a família é meio eficaz para preservar os adolescentes da delinquência e da violência.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em vigor há 25 anos, responsabiliza o adolescente, a partir dos 12 anos, por qualquer ato contra a lei, aplicando-lhe as medidas socioeducativas. Não procede, portanto, a alegada impunidade para adolescentes infratores. Onde essas medidas são corretamente aplicadas, o índice de reincidência do adolescente infrator é muito baixo. Ao invés de aprovarem a redução da maioridade penal, os parlamentares deveriam criar mecanismos que responsabilizem os gestores por não aparelharem seu governo para a correta aplicação das medidas socioeducativas.

O Projeto de Lei 3722/2012, que altera o Estatuto do Desarmamento, é outra matéria que vai na contramão da segurança e do combate à violência. A arma dá a falsa sensação de segurança e de proteção. Não podemos cair na ilusão de que, facilitando o acesso da população à posse de armas, combateremos a violência. A indústria das armas está a serviço de um vigoroso poder econômico que não pode ser alimentado à custa da vida das pessoas. Dizer não a esse poder econômico é dever ético dos responsáveis pela preservação do Estatuto do Desarmamento.

Muitas destas e de outras matérias que incidem diretamente na vida do povo têm, entre seus caminhos de solução, uma Reforma Política que atinja as entranhas do sistema político brasileiro. Apartidária, a proposta da Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, da qual a CNBB é signatária, se coloca nessa direção.

Urge, além disso, resgatar a ética pública que diz respeito “à responsabilização do cidadão, dos grupos ou instituições da sociedade pelo bem comum” (CNBB – Doc. 50, n. 129). Para tanto, “como pastores, reafirmamos ‘Cristo, medida de nossa conduta moral’ e sentido pleno de nossa vida” (Doc. 50 da CNBB, Anexo – p. 30).

Que o povo brasileiro, neste Ano da Paz e sob a proteção de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, supere esse momento difícil e persevere no caminho da justiça e da paz.

Aparecida, 21 de abril de 2015.

Cardeal Raymundo Damasceno Assis
Arcebispo de Aparecida
Presidente da CNBB

Dom José Belisário da Silva, OFM
Arcebispo de São Luís do Maranhão
Vice Presidente da CNBB

Dom Leonardo Ulrich Steiner
Bispo auxiliar de Brasília
Secretário-Geral da CNBB

(Foto em destaque: Coletiva de imprensa no início dos trabalhos da 53.ª Assembléia Geral da CNBB — da própria CNBB)

53.ª Assembléia Geral da CNBB: bispos debatem conjuntura social e eclesiástica

Entrevista coletiva
Coletiva de imprensa no início dos trabalhos da 53.ª Assembléia Geral da CNBB. Foto: CNBB.

Teve início ontem (15) a 53.ª Assembléia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Esta assembléia debaterá principalmente as Diretrizes Gerais para a Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (DGAE) e elegerá novos dirigentes para a Conferência. “Todos os eleitos são para o serviço, assim como trabalha a Campanha da Fraternidade 2015, com o lema ‘Eu vim para servir’, afirmou dom Pepeu, arcebispo de Vitória da Conquista, em entrevista coletiva.

Outro tema importante é a atual conjuntura do país. Dom Joaquim Mol, bispo auxiliar de Belo Horizonte e responsável pelo acompanhamento da reforma política afirmou: “Temos frequentemente assistido manifestações das quais não constam na pauta a reforma política. É uma pena, pois só por meio dela podemos melhorar o quadro político do país, eliminando a corrupção, a barganha, e outras práticas ruins da política, responsáveis por deixar grande parte da população na miséria”. A diocese de Belo Horizonte foi alvo de manifestações contra a CNBB no último dia 12.

Rubens Ricupero fala da conjuntura social

Rubens Ricupero fala sobre conjuntura social à 53.ª Assembléia Geral da CNBB. Foto: CNBB.
Rubens Ricupero fala sobre conjuntura social à 53.ª Assembléia Geral da CNBB. Foto: CNBB.

Hoje (15), o oblato beneditino e ministro da fazenda do governo Itamar Franco (1992-1994), Rubens Ricupero, falou sobre a conjuntura social. “Precisamos do mínimo denominador comum que poderia nos unir a todos, todos os brasileiros de boa vontade, acima das visões divergentes: tudo fazer para que o Brasil não sofra nenhum retrocesso nas conquistas nos últimos 30 anos. Conquistas no plano político, institucional e, principalmente, no combate à pobreza”, disse. “Qualquer sociedade será julgada pela maneira como trata os mais pobres, os mais frágeis, os mais vulneráveis. Esse é o sentido principal da ação política”, acrescentou.

Ricupero também pediu atenção especial para uma visão histórica dos últimos 30 anos. “Os militares deixaram o poder porque, na verdade, eles tinham fracassado, tinham destruído as instituições e se declaravam, no fundo, vencidos por duas crises econômicas que, apesar dos poderes que tinham, não conseguiram controlar: a hiperinflação e a dívida externa. O novo governo civil começou sobre piores auspícios. A morte do presidente eleito e o presidente Sarney teve de governar com dificuldade. Mas, esse período trouxe uma conquista muito importante: aprovar uma Constituição progressista, aberta”.

Ele também falou da necessidade urgente de retomar o crescimento econômico, sem o que se torna precária a ascenção social das camadas mais pobres realizada pelos últimos governos. Para ele, ajustes econômicos são necessários, mas não podem prejudicar os mais necessitados. “Temos que rapidamente deter esse movimento [da economia]. Precisamos de um ajuste que poupe os que são mais frágeis, que permita o equilíbrio da dívida pública e que atraia o investimento”. E afirmou que o governo conhece essas necessidades e que confia na equipe econômica.

Lendo a bula Misericordiae vultus, com que o papa Francisco decretou o Ano Santo da Misericórdia, Rubens Ricupero deu atenção a uma citação de Paulo VI, no encerramento do Concílio Vaticano II: “em vez de diagnósticos desalentadores, se dessem remédios cheios de esperança; para que o Concílio falasse ao mundo atual não com presságios funestos mas com mensagens de esperança e palavras de confiança”

A conjuntura eclesial, nas palavras de mons. Jorge Portela Amado

Mons. Jorge Portela Amado, pároco da catedral do Rio de Janeiro, fala sobre conjuntura eclesial à 53.ª Assembléia Geral da CNBB. Foto: CNBB.
Mons. Jorge Portela Amado, pároco da catedral do Rio de Janeiro, fala sobre conjuntura eclesial à 53.ª Assembléia Geral da CNBB. Foto: CNBB.

Em seguida, mons. Jorge Portela Amado, pároco da catedral do Rio de Janeiro, falou da conjuntura eclesial, dando ênfase às relações entre Igreja e sociedade, na esteira da Campanha da Fraternidade. “Uma palavra emerge com crescente vigor em nossos dias: perplexidade. Este é um termo que penso poder ajudar a compreender pastoralmente o que se passa neste mundo sob aceleradas transformações, não apenas no superficial, mas também e principalmente nas categorias mais profundas de compreensão da vida e consequente atuação sobre ela”, ponderou monsenhor Joel.

Mons Jorge ressaltou três vozes que podem ser ouvidas no mundo de hoje. A primeira é a do papa Francisco, voz universal, ouvida em todos os lugares, uma pessoa admirada e uma liderança moral. A segunda é a voz acolhedora da Igreja: “não teme sujar-se nas lamas existenciais, correndo às pressas para as periferias, tenham essas periferias as formas que tiverem”. A terceira é a “voz que escuta”: “Creio que o Espírito tem dito à Igreja que, nestes e em todos os casos, a grande atitude é o acolhimento pessoal sob suas variadas formas. Acolhimento aqui não significa o atendimento incondicional das solicitações, fruto do medo de perder a freguesia, atitude mais própria de empórios religiosos do que da genuína ação evangelizadora”.

Essa realidade complexa, segundo ele, impele ao encontro e à missão. “Em tudo isso, importa identificar um viés apto a conduzir transversalmente a ação evangelizadora em nossos dias, fornecendo conteúdo, identidade, rosto, para tudo o que a Igreja fizer. A meu ver, este viés foi oficializado pelo papa Francisco ao convocar toda a Igreja para o Ano Santo da Misericórdia. De fato, a misericórdia é uma das maiores necessidades de nosso tempo. O que da Igreja se pede, neste momento da história, é que seja sinal transbordante e interpelador da misericórdia de Deus”, acrescentou.

(Com informações da CNBB)

Duque diz na CPI da Petrobras que é inocente de acusações de suborno

(Agência Brasil)

Renato Duque presta depoimento à CPI da Petrobras.
Renato Duque presta depoimento à CPI da Petrobras.

Ao final de um depoimento de de mais de quatro horas, marcado pelo silêncio, na CPI da Pertrobras, na Câmara dos Deputados, o ex-diretor de Engenharia e Serviços da Petrobras Renato Duque disse estar “tranquilo” e que provará sua inocência nas denúncias de corrupção envolvendo o esquema investigado pela Operação Lava Jato, da Polícia Federal (PF).

“Eu me recusei a responder às perguntas da CPI por orientação da minha defesa. Isso não significa que eu seja culpado. Eu vou provar que meus bens não são produto de corrupção. Tenho 34 anos de companhia e tenho orgulho de ter sido diretor por nove anos. Lamento que a companhia esteja nessa situação agora; lamento que obras estejam parando; não era para acontecer isso. Repito que haverá tempo para calar e tempo para falar. Estou com a consciência tranquila”, disse Duque, ao deixar a CPI que apura denúncias de irregularidades em contratos da empresa, no período de 2005 a 2015.

Ele se negou a responder à maioria das perguntas dos deputados, quebrando o silêncio somente para falar da esposa e do filho. Ao responder questionamento formulado pela deputada Eliziane Gama (PPS-MA), Duque negou irregularidades na contratação de seu filho pela Technip, empresa fabricante de tubos flexíveis para a exploração de petróleo em águas profundas e prestadora de serviços da Petrobras.

“Vou contrariar a orientação do meu advogado e responder a essa pergunta. Meu filho trabalhou na Technip, nos Estados Unidos, mas a Technip não tem nenhuma relação com a UTC”, disse, em referência a uma das empresas acusadas de pagar propina a funcionários da Petrobras em contratos firmados com a estatal. “Quando ele recebeu o convite, eu fiz uma consulta formal à Petrobras para saber se havia algum impedimento, e a resposta da companhia foi de que não havia nenhum problema”, emendou.

Antes, Duque respondeu negativamente a duas perguntas formuladas pelo deputado Izalci Lucas (PSDB-DF) sobre sua esposa ter conhecido o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ter parentesco com o ex-chefe da Casa Civil de Lula José Dirceu.

Deputado Hugo Motta
Hugo Motta: resultado da ida de Duque à CPI foi insatisfatório. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Ao final da reunião, o presidente da comissão, deputado Hugo Motta (PMDB-PB), disse que, apesar do esforço de trazer Duque, preso preventivamente desde segunda-feira (16), o resultado foi insatisfatório. “Na verdade, todo esse esforço não deu o resultado esperado, com novidades e respostas do senhor Renato Duque”, ressaltou Motta.

Ao comentar as falas de alguns deputados, sugerindo a convocação da esposa do ex-diretor da Petrobras, Motta disse que cumpriria a vontade da maioria. “Havendo requerimento de convocação de sua esposa [de Renato Duque] e havendo a maioria da CPI concordando, eu sou escravo dessa maioria”, afirmou.

A CPI reúne-se novamente terça-feira (24), de manhã, para avaliar a possibilidade de audiências públicas de oitivas pelos sub-relatores, “para que a gente faça o que já foi feito em CPIs anteriores, em que várias frentes de trabalho são formadas, visando ao aprofundamento da investigação. E [também] para que a gente tenha o maior número possível de informações para subsidiar o relatório e apresentar ao Brasil o resultado da investigação no âmbito do Congresso”.

No mesmo dia, à tarde, o colegiado se reunirá para deliberação de requerimentos. Mas, antes, deve ouvir o vice-presidente da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), que se dispôs a prestar depoimento espontâneo, para falar sobre o envolvimento de seu nome em denúncias de corrupção na Petrobras. Maranhão está na lista com nomes de políticos acusados de integrar o esquema encaminhada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao Supremo Tribunal Federal.

Opinião

Não é possível inferir, do silêncio de Duque, se ele é culpado ou inocente. Exerceu seu direito constitucional de ficar calado. É preciso investigar. O que me chamou a atenção na reportagem da Agência Brasil foi o comportamento do deputado Izalci Lucas (PSDB-DF), de usar a família (esposa e filho) do diretor da Petrobras para tentar conseguir as informações que desejava. Tal atitude vai muito além do direito-dever de investigar, beirando mesmo à tortura. O nome mais elegante para essa atitude é “chantagem”. Investigue-se, seja ouvida a defesa, punam-se os culpados. Mas dentro do que permitem o Estado democrático e a ética.