Iêmen: nova escalada da guerra

A guerra no Iêmen, país da península arábica, sofreu uma nova escalada – a denúncia é do secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterrez. “O secretário-geral está profundamente consternado com as notícias de bombardeios na cidade de Hudaydah e de seus portos, que proveem ajuda humanitária crítica para a vida da população iemenita”, disse a porta-voz do secretário-geral, Stéphane Dujarric.

Na sexta-feira, as forças xiitas Houthis (também conhecidas como Ansar Allah), apoiadas pelo Irã, bombardearam instalações civis e energéticas na Arábia Saudita, que apoia as forças sunitas – as imagens da coluna de fumaça subindo de uma refinaria próxima ao autódromo da corrida de Fórmula 1 deste fim de semana correram o mundo. Ontem, foi a vez de a coalizão apoiada pelos sauditas retaliarem com os ataques mencionados e também contra o porto de Salif e a capital, Sanaa. Estes ataques mataram oito civis, sendo cinco crianças e duas mulheres. Esses ataques danificaram o complexo residencial que abriga o pessoal das Nações Unidas na capital do país.

O chefe das Nações Unidas conclamou a uma investigação dos incidentes, à contenção das partes, à redução imediata das tensões, ao cessar-fogo e à obediência à lei humanitária internacional, além de se chegar urgentemente a uma resolução negociada do conflito, que já chega a seu oitavo ano.

(Foto em destaque: Menino de pé dentro de um edifício danificado no Iêmen. Giles Clarke/UNOCHA.)

DataSUS: diretor leva dados da saúde para a Amazon e vai junto com eles

Em abril de 2020, o Ministério da Saúde e a Embratel firmaram um acordo para levar os dados do Sistema Único de Saúde (SUS) para servidores de Internet da Amazon, empresa do oligarca norte-americano Jeff Bezos. Assim, informações de saúde de quase todos os brasileiros passaram para o controle de uma das maiores empresas dos EUA, contratada do Departamento de Defesa desse país, e que tem entre seus serviços o que diz ser “o mais amplo e profundo serviço de aprendizado de máquina e inteligência artificial”. Ocorre que o diretor responsável pela contratação, Jacson Barros, saiu do DataSUS direto para a Amazon, um caso de conflito de interesses que gera dúvidas sobre a lisura da escolha da corporação estadunidense – a informação é do jornal Brasil de Fato.

Embora a Amazon seja contratada por diversas empresas privadas para manter seus dados e hospedar seus sistemas eletrônicos, o governo federal tem duas grandes empresas na área: o Serpro e a Dataprev. Apesar de serem empresas estratégicas e lidarem com dados sensíveis do governo e da população, ambas vêm sofrendo com orçamento insuficiente e têm sido ignoradas em contratações públicas, além de terem sido expostas na vitrine do governo para vender tudo o que resta dos sistemas eletrônicos e dados públicos brasileiros: em 2019 foram incluídas na lista de empresas públicas a serem privatizadas.

(Foto em destaque: ex-diretor do DataSUS, Jacson Barros – Ministério da Saúde)

Ucrânia e Rússia mais perto de um acordo

Segundo afirmado hoje pelo presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan – que vem atuando como mediador entre seus homólogos russo e ucraniano –, Rússia e Ucrânia estariam mais próximos de um acordo. O jornalista Ragip Soylu, há algum entendimento sobre quatro dos seis tópicos sobre a mesa: OTAN, desarmamento parcial, segurança coletiva e língua russa. Contudo, dois assuntos seguem em aberto: Crimeia e Donbas.

https://twitter.com/LeandroArndt/status/1507305470482169856?s=20&t=nawP9f6g1pPmWpUMkkz5ag

A Crimeia, pertencente à Rússia desde que o canato tártaro subsidiário do Império Turco-Otomano foi derrotado no final do século XVIII e defendida na Segunda Guerra da Crimeia contra os turco-otomanos apoiados por França, Inglaterra, Sardenha e Áustria – isso logo antes de importantes mudanças sociais ocorridas no Império Russo, como o fim da servidão em 1861. Em 1954, contudo, o ucraniano Nikita Khruschev, ex-presidente da República Socialista Soviética da Ucrânia e então secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, transferiu a República Socialista Soviética Autônoma da Crimeia do território russo para o território ucraniano em nome da “amizade entre os povos”.

Entre 1961 e 1971, foi construído o Canal da Crimeia, que levava água do rio Dniepr (que corta a Ucrânia ao meio) até o limite oriental da Península da Crimeia. Contudo, em 2014, após a reanexação da Crimeia pela Rússia, a Ucrânia construiu um dique a 16Km da fronteira, o qual impediu o fluxo da água até a Crimeia, impondo um estado de grande escassez hídrica na região. Esse dique foi explodido em 26 de fevereiro deste ano e a água voltou a fluir para a península. É de se esperar, portanto, que a Rússia resista em devolver esse território.

Já a região do Donbas, que em sua maioria fala a língua russa (proibida no ensino e nos atos de governo ucranianos desde 2019), foi reconhecida pela Rússia como independente da Ucrânia no último dia 21 de fevereiro, após quase oito anos de guerra civil e o fracasso dos acordos de Minsk – as elites políticas da região centro-ocidental da Ucrânia sempre barraram a autonomia territorial dos oblasti de Donetsk e Lugansk prevista nos acordos.

Atualização

Segundo o ministro de negócios estrangeiros da Ucrânia, Dmitro Kuleba, não há acordo para o uso do russo como segunda língua oficial na Ucrânia. “A única língua estatal na Ucrânia é e será o ucraniano.”

https://twitter.com/LeandroArndt/status/1507378076501655560?t=dA-qXdpVB1Th7uNoZqEUSw&s=19

(Imagem em destaque: dique no Canal da Crimeia é explodido pela Rússia na guerra contra a Ucrânia)

PEC do Calote aprovada em 1º turno na Câmara

A proposta de emenda à Constituição nº 23/2021, conhecida como PEC do Calote, foi aprovada ontem em primeiro turno na Câmara dos Deputados. Foram 312 votos a favor, apenas quatro a mais que o mínimo necessário – contribuição significativa foi dada pelo PDT, que, apesar de se declarar “oposição”, votou favoravelmente à medida. O pré-candidato à presidência pelo partido, Ciro Gomes, anunciou a suspensão de sua pré-candidatura após o posicionamento.

A PEC 23/2021 tem por objetivo postergar indefinidamente o pagamento de dívidas da União reconhecidas pelo poder judiciário. Isto é, dar calote nas pessoas que por anos lutaram na justiça para terem seus direitos reconhecidos, e agora não terão garantia nenhuma do pagamento tempestivo de seus direitos. São aposentados, pensionistas, servidores públicos, empresas, associações e até mesmo estados e municípios (que este ano consolidaram na justiça o direito a receber verbas do antigo Fundef, extinto há 14 anos. Se, antes, muitas pessoas morriam antes de receber seus direitos, agora isso será quase uma certeza.

O mecanismo estabelecido pela PEC determina um limite para o pagamento dessas dívidas do governo federal, chamadas “precatórios”. Ano que vem, praticamente metade do valor não será pago caso a medida seja aprovada. A metade restante será paga somente em 2023, significando que as dívidas reconhecidas em 2022 só começarão a ser pagas em 2024, e assim cada vez com mais atraso.

Para conseguir a aprovação do texto, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP/AL), realizou diversas manobras, somente votos suficientes após reverter, especificamente para essa votação, a determinação de que as sessões da casa legislativa somente se dariam presencialmente. Apesar do posicionamento da bancada do PDT na votação, o presidente do partido, Carlos Lupi, acionou o STF contra essa manobra casuística.

Opinião de Visão Católica

Veja abaixo o vídeo de opinião do criador de Visão Católica a esse respeito:

(Imagem em destaque: Dep. Arthur Lira, PP/AL, presidente da Câmara dos Deputados. Foto: Zeca Ribeiro/Agência Câmara.)

COVID: GDF não sabe como será terceira dose da vacina

O Governo do Distrito Federal, em resposta a Visão Católica, disse que não sabe como será feita a aplicação da terceira dose da vacina contra a COVID-19 no DF. O Programa Nacional de Imunização prevê a aplicação a partir da próxima quarta-feira (15/9), mas a indefinição no Palácio do Buriti é total. Questionado especificamente sobre a possível necessidade de agendamento e de relatório médico para os imunossuprimidos, como na primeira dose, o governo local respondeu:

Ainda não temos uma medida para aplicação das doses de reforço. De fato, o Ministério da Saúde autorizou o uso de terceira dose em idosos e imunossuprimidos, porém, para que a operacionalização ocorra, precisamos garantir estoques para quem está completando o primeiro ciclo.

(Foto em destaque: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Possuímos a inata capacidade de amar

Por mais que em alguns momentos possa ser difícil realizar o bem, ou mesmo evitar o mal, Deus nos deu a capacidade inata e a vocação para amá-lo e ao próximo – e “desses dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas” (Mt 22, 40). A moral, portanto – e mesmo toda a doutrina –, não deve ser exposta ou pensada como uma série de preceitos difíceis e fardos pesados de se carregar (ao contrário, “meu jugo é suave e meu fardo é leve”, disse Jesus – Mt 11, 30). A doutrina cristã e cada ato virtuoso são, em sua origem e seu fim, o Amor:

Toda a finalidade da doutrina e do ensinamento deve ser posta no amor que não acaba. Com efeito, pode-se facilmente expor o que é preciso crer, esperar ou fazer; mas sobretudo é preciso fazer sempre com que apareça o Amor de Nosso Senhor, para que cada um compreenda que cada ato de virtude perfeitamente cristão não tem outra origem senão o Amor, e outro fim senão o Amor.

(Catecismo Romano, prefácio, 10, apud Catecismo da Igreja Católica, 25)

Hoje, no Ofício das Leituras, foi lido um texto de São Basílio Magno a esse respeito. Vale a pena conhecê-lo:

Da Regra mais longa, de São Basílio Magno, bispo

(Resp. 2,1: PG 31,908-910)                      (Séc.IV)

Possuímos inata capacidade de amar

O amor de Deus não é matéria de ensino nem de prescrições. Não aprendemos de outrem a alegrar-nos com a luz, ou a desejar a vida, ou a amar os pais ou educadores. Assim – ou melhor, com muito mais razão –, não se encontra o amor de Deus na disciplina exterior. Mas, quando é criado, o ser vivo, isto é, o homem, a força da razão foi, como semente, inserida nele, uma força que contém em si a capacidade e a inclinação de amar. Logo que entra na escola dos divinos preceitos, o homem toma conhecimento desta força, apressando-se em cultivá-la com ardor, nutri-la com sabedoria e levá-la à perfeição, com o auxílio de Deus.

Sendo assim, queremos provar vosso empenho em atingir este objetivo. Pela graça de Deus e contando com as vossas preces, nós nos esforçaremos, segundo a capacidade dada pelo Espírito Santo, por suscitar a centelha do amor divino escondida em vós.

Antes de mais nada, nós dele recebemos antecipadamente a força e a capacidade de pôr em prática todos os mandamentos que Deus nos deu. Por isso não nos aflijamos como se nos fosse exigido algo de incomum, nem nos tornemos vaidosos pensando que damos mais do que havíamos recebido. Se usarmos bem destas forças, levaremos uma vida virtuosa; no entanto, mal empregadas, cairemos no pecado.

Ora, o pecado se define como o mau uso, o uso contrário à vontade de Deus daquilo que ele nos deu para o bem. Pelo contrário, a virtude, como Deus a quer, é o desenvolvimento destas faculdades que brotam da consciência reta, segundo o preceito do Senhor.

O mesmo diremos da caridade. Ao recebermos o mandamento de amar a Deus, já possuímos capacidade de amar, plantada em nós desde a primeira criação. Não há necessidade de provas externas: cada qual por si e em si mesmo pode descobri-la. De fato, nós desejamos, naturalmente, as coisas boas e belas, embora, à primeira vista, algumas pareçam boas e belas a uns e não a outros. Amamos também, sem ser necessário que nos ensinem nossos parentes e amigos e temos espontaneamente grande amizade por nossos benfeitores.

O que haverá, pergunto então, de mais admirável do que a beleza divina? Que coisa pode haver mais suave e deliciosa do que a meditação da magnificência de Deus? Que desejo será mais veemente e violento do que aquele inserido por Deus na alma liberta de toda impureza e que lhe faz dizer do fundo do coração: Estou ferida de amor? É na verdade totalmente indescritível o fulgor da beleza de Deus.

(Do Ofício das Leituras na terça-feira da I semana do Tempo Comum)

Resumo diário 30/12/2020

Leia as notícias mais interessantes de hoje:

Lewandowski mantém medidas de combate à COVID-19

O ministro Ricardo Lewandowski, do STF, estendeu hoje a vigência da lei nº 13.979/2020, que trata do enfrentamento da pandemia de COVID-19. Apesar de a pandemia estar se estendendo pelo menos até o próximo ano, a lei estava prevista para vigorar somente enquanto durasse o chamado “orçamento de guerra”, isto é, até amanhã, 31/12. O ministro manteve liminarmente a vigência dos artigos 3º a 3º-J da lei, que tratam das medidas de prevenção e combate à doença. As exceções ao regime normal de licitações públicas não foram prorrogadas.

20 agentes pastorais assassinados em 2020

20 agentes pastorais foram assassinados em 2020, desde crianças na Nicarágua até um padre nas Filipinas. No Brasil, um padre morreu vítima de latrocínio; na América, morreram também três leigos na Nicarágua (duas crianças um adolescente), dois padres na argentina, um padre em El Salvador e um religioso na Venezuela – desses oito, quatro foram vítimas de latrocínio. Na África foram sete mortos, na Ásia, três e, na Europa, dois (ambos na Itália). O relatório da Agência Fides traz notas biográficas e circunstâncias das mortes – e lembra também aqueles que não sofreram morte violenta, mas deram suas vidas no enfrentamento à pandemia de COVID-19.

Vídeo da Agência Fides em homenagem aos agentes pastorais assassinados em 2020.

A Fides chama a atenção especialmente ao caso “do seminarista sequestrado na Nigéria, onde falta de segurança e sequestros estão na ordem do dia, que foi morto porque, de acordo com seu assassino, ‘ele continuou a pregar o Evangelho de Jesus Cristo’ a seus sequestradores.”

Conforme a agência de notícias salienta, há também outras formas de violência contra os cristãos, e deveria haver ainda outra lista, “daqueles muitos que jamais foram notícia, mas que em cada canto do mundo sofrem e até pagam com suas vidas pela fé em Cristo.”

Argentina legaliza o aborto voluntário

Em plena pandemia de COVID-19, quando a vida e a assistência aos necessitados estão na ordem do dia, o parlamento argentino aprovou na madrugada de hoje a lei que não somente permitirá às mulheres argentinas matarem impunemente seus filhos até a 14ª semana de gestação, mas também obrigará o Estado argentino a fornecer os meios para isso. A notícia da agência Vatican News sobre a reação da Igreja argentina chama a atenção especialmente para a declaração de Dom Oscar Vicente Ojea, presidente da Conferência Espiscopal Argentina no início do mês:

Declaração do presidente da Conferência Episcopal Argentina ante à iminência do debate do aborto na Argentina.

“Uma sociedade é definida pela forma como olha para os mais vulneráveis, os mais pobres e os mais indefesos – disse – É isso que caracteriza e identifica a dignidade de um povo e de uma cultura”. Isso diz respeito, em particular, “ao nascituro em seu estado de total indefesa”. Diante de uma gravidez inesperada, reiterava Dom Ojea, “não se trata de interromper a fonte da vida, mas de abrir espaço para aqueles que são chamados à vida, para que dela possam fazer parte”. E isto “é um apelo à generosidade das pessoas, para que todos sejam bem-vindos, não somente à custa dos outros que acabam por ser rejeitados”.

(Foto em destaque: feto de 24 semanas. Fonte: National Geographic.)

Filho de Bolsonaro recebe favores de subcontratada do governo

Conforme noticiado hoje pela Folha de S. Paulo, Jair Renan, filho do presidente Jair Bolsonaro, recebeu favores de uma empresa subcontratada do Governo Federal. A Astronauta Filmes, uma produtora de vídeos, fez de graça o vídeo da inauguração da empresa do quarto filho presidencial, realizada em um camarote do estádio Mané Garrincha, em Brasília. A Astronauta Filmes produziu vídeos para o Ministério da Saúde, o Ministério da Educação, o Ministério do Turismo e o Programa Pátria Voluntária (coordenado pela esposa do presidente). Por esses trabalhos, recebeu mais de 1,4 milhão de reais do orçamento público.

Segundo a reportagem, a produtora de vídeos não foi contratada diretamente pelo governo, mas por meio de agências de publicidade – estas, sim, contratadas diretamente. A subcontratação não obedece às regras de licitação pública, de forma que não há concorrência para a contratação. A produtora tentou se justificar afirmando ao jornal paulista: “Trocamos por permuta pela divulgação das nossas marcas, assim como fazemos em diversos outros projetos”.

Para Mauro Menezes, ex-presidente da Comissão de Ética Pública ouvido pela Folha de S. Paulo, é “um exemplo claro de violação à impessoalidade”. O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), por sua vez, levou o caso ao Ministério Público para que seja apurado possível crime de tráfico de influência (e até de lavagem de dinheiro) por parte do filho presidencial. Randolfe Rodrigues (Rede-AP) levou o caso tanto ao Tribunal de Contas da União, quanto ao Ministério Público Federal.

O mesmo filho de Jair Bolsonaro também já havia usado sua proximidade com o ocupante da Presidência da República para obter uma audiência ministerial para um seu relacionado de negócios.

Opinião de Visão Católica

Apesar de o Brasil contar com legislação que procura garantir a impessoalidade da administração pública e a probridade administrativa, além de impedir o tráfico de influência, pode ser que se chegue, após o devido processo legal, à conclusão de que essa tenha sido uma operação de “marketing” formalmente legal. Porém, o uso das relações com a família do presidente para obter contratos – especialmente a subcontratação de compras públicas – é no mínimo uma atitude eticamente condenável.

Em um país que chega a inventar negócios quando interessa prejudicar a imagem de um político (vide as mentiras inventadas sobre os filhos de Lula, como nas inexistentes propriedades da Friboi e de uma Ferrari dourada), uma operação de “divulgação gratuita de marcas” envolvendo uma subcontratada do Governo Federal e um filho do Presidente da República deveria ser um grande escândalo, e os responsáveis deveriam voluntariamente vir a público se desculpar e se comprometer a evitar novas situações de conflito de interesse. E isso não impediria que fossem movidas ações cíveis e criminais para investigar os aparentes ilícitos. Entretanto, de um Presidente da República que minimiza a morte, não há que se esperar que condene a filmagem da “festinha” do filho.

(Foto em destaque: Jair Renan Bolsonaro na posse presidencial. Foto: Senado Federal.)

A história dos dogmas

São Vicente de Lérins

De todos os temas que estudei cursando teologia, um dos que mais me atraíram foi a história dos dogmas. Os dogmas são por definição imutáveis, e seus enunciados (quando proclamados formalmente) devem ser claros e precisos para que a eternidade do conteúdo se manifeste na perenidade da fórmula. Porém, essas mesmas formulações não surgem ao acaso: são fruto de intensos debates e mesmo de combates no interior da Igreja ou contra os hereges. Por isso mesmo, a sã teologia não é aquela que se limita a repetir fórmulas sem vida, mas que traz à vida a doutrina revelada e traz vida à doutrina formulada. (A mera repetição de fórmulas e citações, que vemos demais no YouTube e em livros simplistas, é chamada pejorativamente “teologia do Denzinger” até mesmo no prefácio ao compêndio doutrinário elaborado originalmente por Denzinger.)

Pois bem, hoje a segunda leitura do Ofício das Leituras é justamente uma exortação de são Vicente de Lerins, no século V, falando dessa vida do dogma, da mutabilidade do entendimento humano da Revelação divina:

O desenvolvimento do dogma na religião cristã

(Cap. 23: PL 50,667-668)

Não haverá desenvolvimento algum da religião na Igreja de Cristo? Há certamente e enorme.

Pois que homem será tão invejoso, com tanta aversão a Deus que se esforce por impedi-lo? Todavia deverá ser um verdadeiro progresso da fé e não uma alteração. Com efeito, ao progresso pertence o crescimento de uma coisa em si mesma. À alteração, ao contrário, a mudança de uma coisa em outra.

É, portanto, necessário que, pelo passar das idades e dos séculos, cresçam e progridam tanto em cada um como em todos, no indivíduo como na Igreja inteira, a compreensão, a ciência, a sabedoria. Porém apenas no próprio gênero, a saber, no mesmo dogma o mesmo sentido e a mesma significação.

Imite a religião das almas o desenvolvimento dos corpos. No decorrer dos anos, vão se estendendo e desenvolvendo suas partes e, no entanto, permanecem o que eram. Há grande diferença entre a flor da juventude e a madureza da velhice. Mas se tornam velhos aqueles mesmos que foram adolescentes. E por mais que um homem mude de estado e de aspecto, continuará a ter a mesma natureza, a ser a mesma pessoa.

Membros pequeninos na criancinha, grandes nos jovens, são, contudo, os mesmos. Os meninos têm o mesmo número de membros que os adultos. E se no tempo de idade mais adiantada neles se manifestam outros, já aí se encontram em embrião. Desse modo, nada de novo existe nos velhos que não esteja latente nas crianças.

Por conseguinte, esta regra de desenvolvimento é legítima e correta. Segura e belíssima a lei do crescimento, se a perfeição da idade completar as partes e formas sempre maiores que a sabedoria do Criador pré-formou nos pequeninos.

Mas se um homem se mudar em outra figura, estranha a seu gênero, ou se se acrescentar ou diminuir ao número dos membros, sem dúvida alguma todo o corpo morrerá ou se tornará um monstro ou, no mínimo, se enfraquecerá. Assim também deve o dogma da religião cristã seguir estas leis de crescimento, para que os anos o consolidem, se dilate com o tempo, eleve-se com as gerações.

Nossos antepassados semearam outrora neste campo da Igreja as sementes do trigo da fé. Será sumamente injusto e inconveniente que nós, os pósteros, em vez da verdade do trigo autêntico recolhamos o erro da simulada cizânia.

Bem ao contrário, é justo e coerente que, sem discrepância entre os inícios e o término, ceifemos das desenvolvidas plantações de trigo a messe também de trigo do dogma. E se algo daquelas sementes originais se desenvolver com o andar dos tempos, seja isto agora motivo de alegria e de cultivo.

Governo quer cortar deduções do imposto de renda da classe média

Governo quer acabar com a dedução de despesas de saúde na declaração do imposto de renda. A dedução beneficia 5,3 mil vezes mais a classe média que recebe 3 salários mínimos do que o 0,01% mais rico.

Pela enésima vez, o ministro da economia, Paulo Guedes, tenta incutir no pensamento geral que seria necessário acabar ou reduzir as deduções do imposto sobre a renda da pessoa física – aquele imposto que você possivelmente paga sobre seu salário ou aposentadoria. Segundo divulgado pelo portal Metrópoles, o governo de Jair Bolsonaro alega que isso beneficia “apenas” cerca de 20% da população – chamados de “mais ricos”. Ocorre que os “mais ricos” são aqueles que receberam em 2017 a partir de R$ 2.752,96 por mês em renda tributável: 3 salários mínimos da época.

Segundo dados do próprio governo sobre as declarações de imposto de renda, os maiores beneficiários da dedução de despesas com saúde são os do segmento que recebeu em média R$ 5.759,29 por mês em 2018: deduziram o equivalente a 4,25% de sua renda em gastos com saúde e receberam cerca de 6 salários mínimos. O 1% mais rico deduziu o equivalente a 0,74% da sua renda, sendo muito menos afetado por uma medida como a proposta por Guedes. Se o detalhamento for maior, chegar-se-á à proporção de apenas 0,0008%. Ou seja, a dedução com despesas de saúde beneficiou até 5.372,5 vezes mais as classes médias do que as 2.984 pessoas mais ricas do país (0,01% dos declarantes do imposto de renda).

Gráfico indicando o quanto da renda foi deduzido a título de despesas com saúde na declaração do imposto de renda de 2018. O vale indica provavelmente o grupo com maior quantidade de declarações simplificadas, que não permitem analisar o tipo de dedução – entretanto, também seriam afetados pela proposta do governo federal. As classes médias deduzem entre 3% e 4,25% da renda total em despesas com saúde quando fazem a declaração completa. Os mais ricos deduzem muito menos do que isso. Fonte dos dados: Ipeadata e Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Os 0,01% mais ricos da população deduzem apenas 0,0008% de sua renda a título de despesas com saúde. São os menos afetados pela proposta de Guedes. A renda média mensal do grupo é de R$ 2.946.126,45 (quase três milhões de reais). As classes médias são afetadas cerca de 5 mil vezes mais. Fonte dos dados: Ipeadata e Secretaria da Receita Federal do Brasil.

(Foto em destaque: Jair Bolsonaro e Paulo Guedes falam à imprensa. Valter Campanato/Agência Brasil.)