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Filho de Bolsonaro recebe favores de subcontratada do governo

Conforme noticiado hoje pela Folha de S. Paulo, Jair Renan, filho do presidente Jair Bolsonaro, recebeu favores de uma empresa subcontratada do Governo Federal. A Astronauta Filmes, uma produtora de vídeos, fez de graça o vídeo da inauguração da empresa do quarto filho presidencial, realizada em um camarote do estádio Mané Garrincha, em Brasília. A Astronauta Filmes produziu vídeos para o Ministério da Saúde, o Ministério da Educação, o Ministério do Turismo e o Programa Pátria Voluntária (coordenado pela esposa do presidente). Por esses trabalhos, recebeu mais de 1,4 milhão de reais do orçamento público.

Segundo a reportagem, a produtora de vídeos não foi contratada diretamente pelo governo, mas por meio de agências de publicidade – estas, sim, contratadas diretamente. A subcontratação não obedece às regras de licitação pública, de forma que não há concorrência para a contratação. A produtora tentou se justificar afirmando ao jornal paulista: “Trocamos por permuta pela divulgação das nossas marcas, assim como fazemos em diversos outros projetos”.

Para Mauro Menezes, ex-presidente da Comissão de Ética Pública ouvido pela Folha de S. Paulo, é “um exemplo claro de violação à impessoalidade”. O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), por sua vez, levou o caso ao Ministério Público para que seja apurado possível crime de tráfico de influência (e até de lavagem de dinheiro) por parte do filho presidencial. Randolfe Rodrigues (Rede-AP) levou o caso tanto ao Tribunal de Contas da União, quanto ao Ministério Público Federal.

O mesmo filho de Jair Bolsonaro também já havia usado sua proximidade com o ocupante da Presidência da República para obter uma audiência ministerial para um seu relacionado de negócios.

Opinião de Visão Católica

Apesar de o Brasil contar com legislação que procura garantir a impessoalidade da administração pública e a probridade administrativa, além de impedir o tráfico de influência, pode ser que se chegue, após o devido processo legal, à conclusão de que essa tenha sido uma operação de “marketing” formalmente legal. Porém, o uso das relações com a família do presidente para obter contratos – especialmente a subcontratação de compras públicas – é no mínimo uma atitude eticamente condenável.

Em um país que chega a inventar negócios quando interessa prejudicar a imagem de um político (vide as mentiras inventadas sobre os filhos de Lula, como nas inexistentes propriedades da Friboi e de uma Ferrari dourada), uma operação de “divulgação gratuita de marcas” envolvendo uma subcontratada do Governo Federal e um filho do Presidente da República deveria ser um grande escândalo, e os responsáveis deveriam voluntariamente vir a público se desculpar e se comprometer a evitar novas situações de conflito de interesse. E isso não impediria que fossem movidas ações cíveis e criminais para investigar os aparentes ilícitos. Entretanto, de um Presidente da República que minimiza a morte, não há que se esperar que condene a filmagem da “festinha” do filho.

(Foto em destaque: Jair Renan Bolsonaro na posse presidencial. Foto: Senado Federal.)

STF referenda medidas de enfrentamento da Covid-19 em terras indígenas

STF – O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), na sessão desta quarta-feira (5), confirmou determinação para que o governo federal adote medidas de contenção do avanço da Covid-19 nas comunidades indígenas. Os ministros referendaram decisão cautelar concedida parcialmente pelo ministro Luís Roberto Barroso na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, em que a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, em conjunto com seis partidos políticos (PSB, PSOL, PCdoB, Rede, PT, PDT), argumentam que há falhas e omissões do governo federal no combate ao coronavírus nas aldeias indígenas.

A maioria dos ministros concordou com todas as medidas deferidas na cautelar pelo ministro Luís Roberto Barroso, relator da ADPF, como a criação de barreiras sanitárias e sala de situação, a retirada de invasores e a apresentação de plano de enfrentamento. Na sessão de segunda-feira (3), Barroso havia votado pela ratificação integral da liminar, em que foi negada apenas o pedido de desintrusão imediata, por entender que os invasores devem ser removidos somente após um plano produzido pela União.

Barreiras sanitárias e sala de situação

Segundo o entendimento unânime da Corte, há necessidade de criação de barreiras sanitárias, em razão da vulnerabilidade dos indígenas, que devem permanecer isolados para assegurar maior proteção. Os ministros também convergiram sobre a sala de situação, ressaltando que, em momentos de grande catástrofe, todos os setores envolvidos, inclusive representantes indígenas, devem atuar de maneira conjunta, em cumprimento ao princípio da eficiência.

Retirada dos invasores

O ponto mais sensível da ADPF foi a questão da retirada dos invasores. A Corte considerou a ilegalidade das ocupações, mas observou a necessidade de protocolos de atuação. A maioria votou com o relator, pela elaboração de um plano de desintrusão para que, posteriormente, ocorra a retirada dos invasores.

Infraestrutura operacional

O ministro Alexandre de Moraes, que acompanhou integralmente o relator, salientou que as desintrusões devem ser realizadas pela Polícia Federal com a ajuda das Polícias Militares locais e uma estrutura maior de apoio, formada por assistentes sociais, psicólogos, médicos e enfermeiros que, no momento, estão mobilizados no combate à pandemia. “Há todo um trabalho pré-policial para direcionamento das pessoas que lá invadiram”, disse. Segundo ele, a retirada de invasores precisa de uma infraestrutura operacional, com o estabelecimento de protocolos de atuação, daí a importância de um plano.

Julgamento cautelar

Alguns ministros também observaram que o exame da questão ainda é preliminar e que, para o julgamento de mérito da questão, a Corte precisará de um panorama sobre a situação das terras indígenas. Para eles, entre outros dados, será necessário o envio de informações detalhadas sobre a localização e a quantidade dos invasores e as condições da região, além da produção de um cronograma de retirada.

Mapeamento e força-tarefa

Na sessão de hoje, o relator reafirmou que a retirada de invasores não acontece “num estalar de dedos, mas é um processo”. Trata-se, segundo ele, de dever da União, que deve apresentar um plano com um cronograma possível de ser realizado. Barroso lembrou que, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), foi instituída uma força-tarefa para o levantamento e o mapeamento das áreas em que a situação é mais grave. “Há diálogo institucional”, finalizou.

Divergência parcial

O ministro Edson Fachin apresentou divergência pontual. Para ele, a retirada dos invasores deve ser imediata, a fim de não colocar os indígenas em risco de contágio da Covid-19. Em relação aos outros pontos, Fachin acompanhou o voto do relator.

(Imagem destacada: cartilha do Conselho Indigenista Missionário – CIMI – regional Goiás/Tocantins sobre combate à COVID-19)

Resumo diário 28/07/2020

Leia as notícias mais interessantes de hoje:

CNBB lança campanha “amazoniza-te”

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou ontem (27) a campanha Amazoniza-te, que alerta para o desmatamento e para a situação dos povos que vivem na floresta. O ecossistema amazônico, segundo especialistas, corre o risco de sofrer um processo de savanização e de empobrecimento da biodiversidade que não poderá mais ser recuperado.

O presidente da entidade, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, chamou a atenção para o senso de alteridade, de compreender o outro. Segundo ele, hoje se vive “um individualismo exacerbado, fundado num subjetivismo, que é tão grande que tem colocado o indivíduo acima de tudo, inclusive passando por cima do outro, passando por cima das instituições”. Ele chamou a atenção para a necessidade de “aprendermos a respeitar os povos e as culturas diferentes, a preservar o meio ambiente”. A deputada federal Joenia Wapichana (Rede-RR), que também participou do lançamento, repudiou o veto presidencial à lei nº 14.021/2020, que resultou em desobrigar o governo federal de, por exemplo, fornecer água potável e leitos adequados para o tratamento da COVID-19 entre os indígenas.

A campanha conta com o hotsite amazoniza-te.org, onde se pode ler, por exemplo a “Nota dos Bispos da Amazônia Brasileira Sobre a situação dos povos e da floresta em tempos de pandemia da Covid-19”.

Autoridades cobram explicações sobre ação contra policiais antifascistas

O deputado federal professor Israel Batista (PV-DF) requereu hoje ao Ministério da Justiça e Segurança Pública justificativas sobre ação que teve como alvo policiais antifascistas e professores que são referência para o movimento policial. Também o procurador regional dos direitos do cidadão, Enrico Rodrigues de Freitas solicitou explicações ao ministério. O deputado prof. Israel salientou que documentos ou informações que impliquem violação dos direitos humanos, como o dossiê elaborado pelo Ministério da Justiça, não podem ficar em sigilo, conforme determina a Lei de Acesso à Informação.

Cristãos e yázidis poderão receber ajuda para retornar à planície de Nínive

Cristãos e yázidis que fugiram do Estado Islâmico em 2014 poderão ser ressarcidos pelo governo iraquiano para que possam voltar a seus lares na planície de Nínive. A ministra iraquiana de imigrantes e deslocados internos (a cristã caldeia Evan Faeq Yakoiub Jabro) e o presidente da região autônoma iraquiana do Curdistão (Nechirvan Idris Barzani) se reuniram para tratar da situação dos refugiados, inclusive daqueles que já retornaram a Mossul, onde a situação ainda é tensa devido à presença de diferentes forças armadas, como milícias xiitas e curdas.

(Foto em destaque: muralha em Mossul, antiga Nínive, no Iraque. Dimitar Dilkoff/AFP)

Bolsonaro veta proteção a povos indígenas e tradicionais

No contexto da pandemia de COVID-19, e na vigência do chamado “orçamento de guerra”, instituído pela emenda constitucional nº 106/2020, o presidente da República Jair Bolsonaro praticamente esvaziou de sentido a lei nº 14.021/2020, sancionada com vetos hoje. A lei trata da proteção de povos indígenas, comunidades quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais.

Imagem da cartilha do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) regional Goiás/Tocantins sobre combate à COVID-19.

Das 14 razões de veto, 11 mencionam artigo da emenda constitucional nº 95/2016, a chamada “PEC do teto de gastos”, que é justamente um dos dispositivos cuja observância está suspensa pelo “orçamento de guerra”:

Art. 3º Desde que não impliquem despesa permanente, as proposições legislativas e os atos do Poder Executivo com propósito exclusivo de enfrentar a calamidade e suas consequências sociais e econômicas, com vigência e efeitos restritos à sua duração, ficam dispensados da observância das limitações legais quanto à criação, à expansão ou ao aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento de despesa e à concessão ou à ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita. (Emenda Constitucional nº 106/2020)

A justificativa do governo federal em 79% dos vetos à lei de proteção dos povos indígenas e comunidades tradicionais é justamente a criação de despesa obrigatória sem observar as limitações legais a esse respeito – ou seja, trata-se da mera vontade de vetar.

As demais razões de veto:

  1. submetem uma lei a um decreto (que é uma regra de nível inferior, que pode apenas regulamentar o que a lei já dispõe – caso do veto à participação de comunidades quilombolas no Programa Nacional de Reforma Agrária);
  2. alegam suposta violação à separação de poderes (ao determinar a criação em dez dias de planos de proteção para índios isolados e de povo recentemente contactado, como se a lei não pudesse obrigar o governo federal a agir, sendo que esse é um dos objetivos de uma lei); ou
  3. dizem ser impossível facilitar o acesso ao auxílio emergencial e aos benefícios sociais e previdenciários para os povos indígenas e comunidades tradicionais, dizendo que isso “não impede o deslocamento desses cidadãos beneficiários” para as cidades (embora a ausência da facilitação de acesso obrigue essas pessoas a se deslocarem em plena pandemia, aumentando os riscos a que se submetem).

STF obriga governo a proteger indígenas

Por outro lado o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 709, determinou algumas obrigações para a União, especialmente a prestação de serviço de saúde adequado à cultura e ao modo de vida indígena também em territórios não demarcados, além de proteger os indígenas contra invasores de suas terras, como os garimpeiros. Sua decisão também obriga o governo federal a criar uma sala de situação específica para a gestão do combate à pandemia entre os indígenas, a criar barreiras sanitárias em terras indígenas e a elaborar em um prazo de 30 dias um plano de enfrentamento à pandemia entre os indígenas, com participação das comunidades e do Conselho Nacional de Direitos Humanos. A ação foi impetrada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e seis partidos políticos (PSB, PSOL, PCdoB, Rede, PT, PDT) e demonstrou a omissão do governo federal no combate à COVID-19 entre os indígenas.

Trechos vetados da lei nº 14.021/2020

Abaixo, a íntegra de todos os dispositivos vetados na lei nº 14.021/2020:

Art. 5º […]

I – acesso universal a água potável;

II – distribuição gratuita de materiais de higiene, de limpeza e de desinfecção de superfícies para aldeias ou comunidades indígenas, oficialmente reconhecidas ou não, inclusive no contexto urbano;

[…]

V – […]

a) oferta emergencial de leitos hospitalares e de unidade de terapia intensiva (UTI);

b) aquisição ou disponibilização de ventiladores e de máquinas de oxigenação sanguínea;

[…]

VI – elaboração e distribuição, com participação dos povos indígenas ou de suas instituições, de materiais informativos sobre os sintomas da Covid-19, em formatos diversos e por meio de rádios comunitárias e de redes sociais, com tradução e em linguagem acessível, respeitada a diversidade linguística dos povos indígenas, em quantidade que atenda às aldeias ou comunidades indígenas de todo o País;

[…]

VIII – provimento de pontos de internet nas aldeias ou comunidades, a fim de viabilizar o acesso à informação e de evitar o deslocamento de indígenas para os centros urbanos;

[…]

Art. 7º A União disponibilizará, de forma imediata, dotação orçamentária emergencial, que não poderá ser inferior ao orçamento do referido órgão no ano fiscal vigente, com o objetivo de priorizar a saúde indígena em razão da emergência de saúde pública decorrente da Covid-19, de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, e a implementação do Plano Emergencial de que trata este Capítulo.

§ 1º As despesas do Plano Emergencial correrão à conta da União, por meio de abertura de créditos extraordinários.

§ 2º A União transferirá aos entes federados recursos para apoio financeiro à implementação do Plano Emergencial.

[…]

Art. 9º […]

§ 1º A União assegurará a distribuição de cestas básicas, sementes e ferramentas agrícolas diretamente às famílias indígenas, quilombolas, de pescadores artesanais e dos demais povos e comunidades tradicionais, conforme a necessidade dos assistidos.

[…]

Art. 10 […]

[…]

§ 4º Caberá à União criar um programa específico de crédito para povos indígenas e quilombolas para o Plano Safra 2020.

§ 5º Será garantida a inclusão das comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares como beneficiárias do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), assegurado o cadastramento das famílias na Relação de Beneficiários (RB), para acesso às políticas públicas.

[…]

Art. 12 […]

I – elaboração, no prazo de 10 (dez) dias, dos planos de contingência para situações de contato para cada registro confirmado de indígenas isolados oficialmente reconhecido pela Funai;

II – elaboração, no prazo de 10 (dez) dias, dos planos de contingência para surtos e epidemias específicos para cada povo de recente contato oficialmente reconhecido pela Funai;

[…]

Art. 14 […]

Parágrafo único. Aplicam-se às comunidades quilombolas, aos pescadores artesanais e aos demais povos e comunidades tradicionais as disposições referentes ao Plano Emergencial de que trata o Capítulo II desta Lei, e cabe à União o planejamento e a execução das medidas de que trata o caput deste artigo, no que couber.

[…]

Art. 16. Os recursos necessários ao atendimento do previsto neste Capítulo correrão à conta de dotações consignadas à União, bem como de recursos oriundos de fundo específico criado para o enfrentamento da pandemia da Covid-19.

[…]

Art. 18. A Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 19-E […]

§ 1º A União instituirá mecanismo de financiamento específico para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, sempre que houver necessidade de atenção secundária e terciária fora dos territórios indígenas.

§ 2º Em situações emergenciais e de calamidade pública:

I – a União deverá assegurar aporte adicional de recursos não previstos nos planos de saúde dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis) ao Subsistema de Atenção à Saúde Indígena;

II – deverá ser garantida a inclusão dos povos indígenas nos planos emergenciais para atendimento dos pacientes graves das Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde, explicitados os fluxos e as referências para o atendimento em tempo oportuno.” (NR)

Art. 19-G […]

§ 1º-A. A rede do SUS deverá obrigatoriamente fazer o registro e a notificação da declaração de raça ou cor, garantindo a identificação de todos os indígenas atendidos nos sistemas públicos de saúde.

§ 1º-B. A União deverá integrar os sistemas de informação da rede do SUS com os dados do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena.” (NR)

Art. 19. Em áreas remotas, a União adotará mecanismos que facilitem o acesso ao auxílio emergencial instituído pelo art. 2º da Lei nº 13.982, de 2 de abril de 2020, assim como aos benefícios sociais e previdenciários, de modo a possibilitar a permanência de povos indígenas, de comunidades quilombolas, de pescadores artesanais e de demais povos e comunidades tradicionais em suas próprias comunidades.