Caçando com opioides

Levantei, fui à cozinha, peguei um copo d’água. Me dirigi à caixa de medicamentos, peguei meu opioide, tomei. Deitei-me um pouco para esperar a dor passar – pois ela não dava bola para a dipirona e tinha mesmo aquele jeito que só passa com um analgésico mais potente, derivado da morfina. Peguei meu celular, abri o Bluesky, e descobri que uma caçada estava em curso: o Metrópoles estava novamente caçando cliques!

Anos atrás, esse mesmo portal descobriu um escândalo: entidades públicas que servem refeições (universidades, hospitais, organizações militares…), imagine só! compraram leite condensado com dinheiro público. Obviamente, o portal caçador não falava isso assim claro, como toda informação deveria ser publicada. Caçava cliques. Agora, enquanto espero a dor passar com um abençoado derivado da morfina, descubro que a caçada da vez é com opioides!

A reportagem do portalão, como era de se esperar, não começava com a regulamentação da venda dessas substâncias no Brasil – afinal, opioides só podem ser comercializados por aqui com retenção da receita médica. Não, começa com o título “Mundo da dor” e prossegue contrastando um brinde em um evento interno da farmacêutica Mundipharma com a morte de mais de meio milhão de estadunidenses em decorrência do abuso de opioides. O portal não faz ideia do mundo que é um paciente com dor crônica, seus dilemas, suas angústias e seus prazeres. Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é.

Não há que se defender as indústrias farmacêuticas – aquelas mesmas que impõem patentes que impedem o acesso de bilhões de pessoas a medicamentos essenciais, que não dão atenção às doenças que afetam mais os países pobres, que não compartilham conhecimento que pode salvar vidas, nem mesmo durante uma pandemia. Não, e eu sou o primeiro a acusá-las. Mas, a reportagem não trata disso. Trata de colocar um título chamativo e promover o medo dos opioides para conseguir cliques. A ponto de incluir uma imagem que associa o princípio ativo oxicodona ao vício em cocaína:

Captura de tela da reportagem “Mundo da dor”, do portal Metrópoles, associando o cloridrato de oxicodona ao vício em cocaína.

Sensacionalismo. Um leitor atento já poderia ter associado o portal Metrópoles a isso. De quando em vez ele publica reportagens com grandes furos de reportagem que, se bem lidos, não são nada, ou até deporiam contra a empresa jornalística. Porém, o leitor médio não lê bem, não questiona os interesses por trás da notícia (inclusive interesses comerciais, de expandir o alcance da marca), não olha, senão para onde apontam. E, assim, qualquer coisa passa. Empresas jornalísticas, na selva cibernética, colocam nas reportagens as mais fantásticas plumagens para chamar a atenção e atrair suas presas: nós. Assim, temos reportagens cheias de vazio informacional na maioria dos “escândalos” com despesas públicas, no vazamento de conversas de ex-assessores de Alexandre de Moraes pela Folha de S. Paulo, essa reportagem sobre opioides do Metrópoles.

Lendo atentamente, vemos que o principal medicamento comercializado pela Mundipharma no Brasil, o Restiva, é considerado bastante seguro em termos de dependência, e que um ambulatório na cidade de São Paulo (que tem 11,8 milhões de habitantes) atende 51 pessoas com dependência de opioides, em um tratamento que dura em média 12 meses. Há até um projeto de lei que estabelecerá, se um dia aprovado:

  • A institucionalização da disciplina de dor nas faculdades de medicina.
  • A criação do Dia Nacional de Conscientização e Enfrentamento da Dor Crônica.
  • O atendimento integral pelo Sistema Único de Saúde de pessoas que sofrem de dor crônica.

Um pequeno, mas alentador começo para as pessoas que sofrem dia sim, dia também com a dor. Ocorre que esse projeto foi elaborado por Carlos Marcelo de Barros, médico anestesiologista e presidente da Sociedade Brasileira de Estudo da Dor, que em 2023 deu uma aula paga e supervisionada pela Mundipharma. Essa supervisão é problemática, pode distorcer o conteúdo, mas esse mesmo médico defende um controle ainda mais rígido da prescrição de opioides.

Na reportagem, especialistas inominados afirmam que o projeto de lei pode favorecer o “aumento de prescrição e circulação de opioides no país”, mas essa afirmação vem muito longe de outra, em que os mesmos especialistas anônimos afirmam que “o Brasil está abaixo da média da prescrição desejada de opioides para a população” – em um vídeo no meio do texto, uma médica do ambulatório do Hospital das Clínicas de São Paulo trata do assunto de forma preventiva: há lugares no Brasil com prescrição de opioides baixa demais e outros com prescrição mais elevada, e que é preciso educar os médicos para evitar chegar a uma situação de crise pelo mau uso desses medicamentos, para saber lidar bem com eles.

E, veja-se bem, enquanto há lugares em que quase não se prescrevem opioides, promove-se uma visão deles como um problema terrível, o centro do “mundo da dor”. O mundo da dor real é cada paciente que precisa lidar com ela. Enquanto esse mundo é ignorado, empresas jornalísticas lucram com o escândalo e criam temor nas pessoas que precisam usar esses medicamentos.

Resumo diário 01/08/2020

Leia as notícias mais interessantes do dia:

Capela da catedral de Manágua é incendiada

A capela dedicada à imagem do Sangue de Cristo na Catedral de Manágua, capital da Nicarágua, foi incendiada ontem (31), no que a Arquidiocese de Manágua classificou como ato terrorista. Segundo o comunicado arquidiocesano as ações do criminoso e a capacidade destrutiva afastam a hipótese de incêndio acidental. Segundo o comunicado,

Este feito condenável se soma a uma série de atos sacrílegos, de violações da propriedade da Igreja, de assédios aos templos, que não são outra coisa que uma cadeia de eventos que refletem o ódio à Igreja católica e seu trabalho evangelizador

Com efeito, 10 dias antes um homem havia destruído com uma caminhonete três portões da mesma catedral. Já na última quarta-feira (29, dois dias antes do incêndio), a capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro em Nindirí, departamento de Masaya, foi profanada com “fúria e ódio” – imagens foram quebradas, a custódia do Santíssimo Sacramento e o cibório foram roubados, hóstias foram pisoteadas, bancos e móveis foram quebrados.

Governo Federal esconde estoque de medicamentos essenciais à intubação

Em meio à pandemia de COVID-19, o governo federal se recusa a informar os estoques de medicamentos essenciais à intubação de pacientes, tais como propofol, besilato de artracúrio e de cisatracúrio, hemitartarato de norepinefrina. A informação é do El País, que indica que o Ministério da Saúde silencia quanto à solicitação de números atualizados. Desde maio há preocupação quanto à possível falta de medicamentos para intubação, e os estados aderiram a uma licitação do ministério para obtê-la, especialmente após operações de órgãos de controle serem realizadas para investigar possíveis fraudes na aquisição de leitos e respiradores para o enfrentamento da pandemia. O presidente do Conselho Nacional dos Secretários da Saúde (Conass) sugeriu que fosse realizada a compra por meio da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), alternativa que também é estudada pelo governo federal.

Resumo diário 06/03/2020

Segue o resumo das notícias mais interessantes do dia:

Governo não acha transmissão do coronavírus, mas também não procura

O governo federal insiste em dizer que não há transmissão comunitária do novo coronavírus, embora já haja dois casos conhecidos em São Paulo de transmissão no Brasil. Contudo, o Ministério da Saúde não está procurando casos de transmissão comunitária. Hoje, os critérios para suspeitar de um caso exigem a viagem ao exterior ou o contato com um caso conhecido de infecção – o que não inclui a chamada “transmissão comunitária”, isto é, quando não é possível mais chegar ao caso original que trouxe o vírus ao país.

Conforme reportagem da BBC News, o Brasil não adota um dos critérios da OMS para a identificação de casos suspeitos de contaminação: “infecção respiratória aguda grave que requer hospitalização e não há outra causa que explique completamente a condição clínica”. O Ministério da Saúde considera suspeitos apenas os casos em que a pessoa viajou recentemente a um país com transmissão local ou teve contato direto com um paciente infectado. A médica sanitarista Ana Freitas Ribeiro, ouvida pela BBC, defende que o governo utilize a chamada “rede sentinela” para procurar casos de transmissão comunitária. A rede sentinela já existe e monitora outros riscos de agravos à saúde.

Bolsanaro diz que não, mas negociou o orçamento impositivo com o Congresso

Jair Bolsonaro disse em redes sociais que não negociou com o Congresso para que este mantivesse seus vetos à Lei de Diretrizes Orçamentárias. Contudo, enviou logo em seguida os projetos de lei que haviam sido acordados com os parlamentares. Segundo o Senado Federal:

Os PLNs, que regulamentam o orçamento impositivo na LDO e na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2020, fazem parte do acordo que viabilizou a manutenção do veto às emendas impositivas do relator-geral do Orçamento na quarta-feira (4). A expectativa é que os três projetos sejam analisados na terça-feira pela manhã na Comissão Mista de Orçamento (CMO) e encaminhados na sequência ao Plenário do Congresso.

Os projetos de lei são o PLN 2/2020, PLN 3/2020 e PLN 4/2020. O veto 52/2019 foi parcialmente mantido, seguindo o acordo entre Congresso Nacional e Governo Federal.

(Foto destacada: sessão do Congresso Nacional. Beto Barata/Agência Senado.)

Temer tira R$ 5,6 bilhões da saúde

Brasília - Michel Temer (centro) e o ministro da Saúde, Ricardo Barros (direita). Orçamento da saúde proposto para 2017 é R$ 5,6 bilhões menor que o de 2016. (Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)
Michel Temer (centro) e o ministro da Saúde, Ricardo Barros (direita). Orçamento da saúde proposto para 2017 é R$ 5,6 bilhões menor que o de 2016. (Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)

R$ 5,6 bilhões. É a redução da verba da saúde para o ano que vem, segundo o projeto de orçamento enviado por Michel Temer (PMDB) ao Congresso Nacional semana passada. O valor total para as seis áreas da saúde é de R$ 102,6 bilhões, contra R$ 108,2 previstos na lei orçamentária deste ano. Considerando-se a inflação prevista para 2016, a redução do orçamento da saúde é de 14%.

Redução do orçamento da saúde proposta por Michel Temer (PMDB) é de R$ 5,6 bilhões.
Redução do orçamento da saúde proposta por Michel Temer (PMDB) é de R$ 5,6 bilhões.

A tabela abaixo mostra a evolução dos valores de cada área (subfunção) e o total do investimento direto em saúde. A maior redução foi na área de alimentação e nutrição, que perdeu 93% do orçamento:

Subfunção 2016
2017
301 – Atenção Básica R$ 27 bi R$ 25,7 bi
302 – Assistência Hospitalar e Ambulatorial R$ 54,9 bi R$ 54,7 bi
303 – Suporte Profilático e Terapêutico R$ 14,9 bi R$ 14,7 bi
304 – Vigilâcia Sanitária R$ 0,3 bi R$ 0,3 bi
305 – Vigilância Epidemiológica R$ 6,4 bi R$ 6,6 bi
306 – Alimentação e Nutrição R$ 4,4 bi R$ 0,3 bi
Total: R$ 108,2 bi R$ 102,6 bi

 

OMS: cesarianas podem salvar vidas, mas abuso consome recursos

Nota de imprensa da Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgada hoje (10) informa que a cesariana é uma das cirurgias mais comuns do mundo, e que as taxas de parto abdominal vêm subindo em países com renda média ou alta. Ela é recomendada em casos como trabalhos de parto prolongado, sofrimento fetal, ou apresentação fetal anormal (quando a cabeça do bebê não está virada para a pélvis materna). Contudo, se realizada sem condições adequadas, pode colocar em risco a vida de mães e bebês.

Estudos indicam que a taxa ideal de partos cesarianos estaria em torno de 10%, e que, acima desse percentual, não haveria redução da mortalidade. Contudo, a organização desaconselha a busca de taxas ideais, e indica que a escolha pelo parto abdominal ou vaginal deve ser feita caso a caso. Entretanto, alerta que o abuso de cesarianas pode consumir recursos que poderiam ser utilizados em outros atendimentos em sistemas de saúde superlotados ou carentes.

A OMS informa ainda que não há um sistema internacionalmente aceito para a classificação das cesarianas em necessárias ou não. A organização propõe o método de Robson, que leva em consideração critérios como o número de gestações prévias, a apresentação fetal (cefálica ou não), a idade gestacional, cicatrizes uterinas existentes, número de filhos e como se iniciou o trabalho de parto. Esse método divide as parturientes em 10 grupos, permitindo a análise e a comparação das taxas de parto cesariano entre diferentes países, regiões e instalações, atentando para a real necessidade em cada caso.

(Foto destacada: Salim Fadhley/Wikiversity Journal of Medicine)

Profissionais podem se inscrever para terceira chamada do Mais Médicos

(Agência Brasil)

Começaram ontem (17) as inscrições para a terceira chamada do Mais Médicos. Profissionais brasileiros inscritos no programa que não foram alocados vão concorrer a 930 vagas remanescentes em 530 municípios e em 10 distritos sanitários especiais indígenas.

Entre as cidades que não tiveram todas as vagas preenchidas, estão 15 capitais, como Salvador, com 24 vagas em aberto; São Paulo, com 11; São Luís, com 11; e Brasília, com 10. Para a terceira chamada, além das 318 vagas não ocupadas nas etapas anteriores em 218 cidades e 10 distritos indígenas, foram incorporadas 612 postos que a princípio tinham sido preenchidas, mas os profissionais selecionados não começaram a trabalhar ou desistiram das atividades.

Os médicos poderão se inscrever até hoje (18), às 20h. Ao todo, 4.362 candidatos poderão optar por uma das vagas nesta etapa do programa. Os médicos selecionados deverão se apresentar no local de trabalho de 23 a 27 deste mês e começar a clinicar no dia 6 de abril.

Com as duas primeiras chamadas, 76% das vagas foram preenchidas. No total, segundo o Ministério da Saúde, 3.155 médicos estão em atividade desde o dia 2 de março. A maioria (2.023) optou pelo benefício do bônus de 10% na pontuação de provas de residência médica, caso tenha conceito satisfatório durante os 12 meses de atuação no programa.

Se as vagas não forem preenchidas, no dia 10 de abril, será aberta chamada para brasileiros formados no exterior e, em 5 de maio, para médicos estrangeiros.

No ano passado, 14.462 médicos foram enviados para 3.785 municípios.