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Mais de 50 prisões de São Paulo tiveram racionamento de água na semana mais quente do ano

(Agência Pública) Enquanto as agências meteorológicas registraram recordes de temperatura na região Sudeste, presos de pelo menos 51 unidades prisionais, em 30 municípios do estado de São Paulo, enfrentaram o calor extremo com privação de água e de alimentos. A denúncia é da organização Mães do Cárcere, que recebeu relatos de familiares de presos sobre racionamento de água, alimentação inapropriada e negligência à saúde.

Ao todo, São Paulo tem 182  unidades prisionais. Na Penitenciária II de São Vicente, no litoral paulista, por exemplo, uma carta coletiva escrita pelos detentos, enviada à organização Mães do Cárcere, denuncia que presos tiveram apenas “uma hora diariamente” de acesso à água para beber. A carta foi obtida pela Agência Pública com exclusividade.   “Referente a água, não estamos tendo para fazer nossa higiene pessoal, nem para beber e nem para tomar banho. Água tá [disponível] uma hora diariamente”, diz um trecho. 

Em 16 de novembro, a temperatura no município de Potim, há 190 quilômetros da capital paulista,  ultrapassou os 33°C– com sensação de 40ºC. Neste dia, a organização Mães do Cárcere recebeu a denúncia da esposa de um dos presos, sobre o acesso e a qualidade duvidosa da água na Penitenciária Potim II. “Meu marido disse que a água está com bichos, que tem que ficar coando a água para beber – sem contar que a água de lá é super quente, sai fervendo do chuveiro e das torneiras”, diz a mensagem, que foi compartilhada com a reportagem.

Lívia Correia Tinoco, do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo, esteve na unidade de Potim II durante a semana de recorde de calor. Ela disse que a pouca água distribuída aos presos “vem quente e com mau cheiro”. 

Durante uma inspeção, em agosto deste ano, presos já haviam relatado à Defensoria que a água fornecida no presídio é imprópria para consumo. A defensora pública Lívia conta que, ao longo da inspeção, ouviu relatos de que os “presos estavam sem água há mais de 10 horas”. “Não tem um padrão de racionamento. O racionamento ocorre de maneira aleatória e sem prazo para iniciar e para acabar”, diz a defensora. 

Segundo a Defensoria, como a água sai muito quente das torneiras, eles também precisam usar garrafas pet para armazenar o líquido, até que ele esfrie. Em uma foto tirada pela defensora Lívia, é possível ver muita sujeira em uma das garrafas em que os presos armazenam a água. 

Em entrevista com os presos durante a inspeção, de acordo  a coordenadora do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública (NESC), Mariana Borgheresi Duarte, os internos confirmaram o racionamento de água e informaram que possuem poucos recipientes e em mau estado para armazenarem água a ser utilizada durante os períodos de racionamento.

A direção do presídio negou o racionamento de água. Na Penitenciária do Pontal,  a 367 quilômetros da cidade de São Paulo, contudo,  o NESC identificou um aviso, na parede do pavilhão de convívio, onde constam os horários de racionamento da água ao longo do dia. A direção da penitenciária não respondeu os questionamentos da reportagem sobre o racionamento de água até a publicação.

Em Potim II, a capacidade total de presos é de 844 no regime fechado e 219 no semiaberto. Até o fechamento da reportagem, conforme informação disponível no site da SAP, 1219 detentos estão no fechado e 294 no aberto. A capacidade total é de 1.063 pessoas, porém há 1.513  detentos no momento, uma superlotação de 30%. 

Além da superlotação, o calor extremo é intensificado pela própria estrutura da unidade prisional. No setor reservado aos presos que cumprem pena no regime semiaberto, a defensora conta que as estruturas de ferro impedem a circulação do ar.  “Esta ala é surreal. São duas alas que abrigam uns 100 presos em cada e ela tem somente uma porta de ferro, com uma chapa de ferro, de aço ali na porta, o que já impede toda a ventilação pela frente e na parte lateral, tem um espaço muito pequeno para a entrada do ar.”

No início de outubro, a Defensoria enviou um pedido de providências ao Departamento Estadual de Execuções Criminais de São José dos Campos – DEECRIM, sob comando do juiz corregedor Dr. Luiz Guilherme Cursino De Moura, denunciando os problemas encontrados na penitenciária de Potim II. No documento, o órgão descreve que entrou em contato com a Vigilância Sanitária Municipal e recebeu a informação que a concessionária Águas de Potim, “está realizando o tratamento de água do município, mas que esse tratamento não abrangeria a área da penitenciária. Em contato com a concessionária do serviço público, essa informação foi confirmada”. 

Na tentativa de analisar a potabilidade da água fornecida na penitenciária, a Defensoria pediu para que a Vigilância Sanitária e a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) fossem até a unidade para colher amostra do líquido, no entanto, os órgãos não realizaram a análise. A CETESB respondeu ao pedido que a competência da Companhia dizendo que “a análise é de responsabilidade da Secretaria de Vigilância em Saúde”. 

Já a Vigilância Sanitária informou que “foi até ao estabelecimento prisional, porém foram impedidos de realizar a coleta de água, pois a direção local da unidade prisional afirmou que não seriam competentes para a dita análise”.

Preso teria desmaiado dentro do camburão por causa do calor

No dia 14 de novembro, a temperatura máxima prevista para a capital paulista era de 37°C, com sensação térmica de 40°C. Neste dia, o Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo recebeu notícia que um homem chegou a desmaiar três vezes dentro do camburão, durante o trajeto para uma audiência de custódia no Fórum Criminal da Barra Funda, no centro de São Paulo. 

De acordo com o Núcleo, não havia ventilação dentro do camburão e isso teria feito com que ele tivesse passado mal. Uma defensora pública tirou uma foto da cadeira que o acusado sentou no Fórum. Nela é possível ver marcas de suor no assento e no chão.

“Infelizmente, não se trata de um caso isolado. Em audiências de custódia os custodiados relatam calor em excesso e falta de ventilação tanto no camburão quanto na viatura. Além disso, o racionamento de água nas unidades prisionais, somado à falta de ventilação nas celas e à superlotação leva ao adoecimento e toda sorte de violação de direitos das pessoas presas”, comenta Duarte.

Marcas de suor visíveis na cadeira que o acusado se sentou no Fórum da Barra Funda

De acordo com a defensora, o Núcleo pediu ao juiz corregedor de presídios que a Secretária de Administração Penitenciária (SAP) seja oficiada com urgência para esclarecer se os veículos possuem ventilação apropriada e quais providências são adotadas para adaptá-los, ante a extrema onda de temperaturas elevadas. 

Até o fechamento da reportagem, a Defensoria não obsteve resposta da SAP. O pedido foi feito no dia 14 de novembro, em 17 de novembro o juiz solicitou à SAP que respondesse aos esclarecimentos solicitados pela Defensoria. No dia 22/11 o cartório enviou o ofício à SAP.

A reportagem questionou a Secretaria. Mas a SAP disse apenas que, no dia 14 de novembro, uma reeducanda passou por atendimento médico devido ao trajeto sinuoso  da unidade até o Fórum da Barra Funda. “Ela foi medicada e teve alta no mesmo dia”, diz a nota.

Em relação a ventilação dentro dos veículos que transportam os presos, a Secretaria sustenta que os carros “contam com um sistema de ventilação composto por ventilador e exaustor, acionados pelo motorista, bem como aberturas laterais para auxílio da entrada de ar quando o carro estiver em movimento”.

“Pasta de dente com papel higiênico para matar a fome”

Além da falta de água, a população carcerária enfrenta as altas temperaturas sem acesso à alimentação adequada. Em outra mensagem enviada à organização Mães do Cárcere, compartilhada com a reportagem, a esposa de um detento da penitenciária Potim II diz que os presos estariam“ comendo até pasta de dente com papel higiênico para matar a fome”.  

Outra esposa de um detento diz, em denúncia enviada à organização, que  nas visitas, o marido sempre fala que está passando fome. “Ele emagreceu muito depois que foi de bonde para Potim, não sabe quantos quilos exatamente ele perdeu porque não tem atendimento médico.” 

Segundo relatório de inspeção da Defensoria Pública, na penitenciária de Potim II, “a comida é muito ruim, que não atende padrões adequados de higiene e a quantidade fornecida é pequena, não sendo suficiente para saciarem a fome.” Entre os relatos reproduzidos no documento, os detentos disseram que muitas vezes recebem alimentos crus e salada sem esterilização adequada “com larvas, pedras e até com unhas”.

No Centro de Detenção Provisória (CDP) de Guarulhos, Região Metropolitana de São Paulo, uma mensagem de familiar de um detento, enviada às Mães do Cárcere, relata que, por causa do calor, a comida estava chegando estragada em consequência das altas temperaturas e a má conservação dos alimentos na unidade prisional. “O feijão está vindo podre, por conta do calor a comida vem azeda. Fica horas no caminhão sem refrigeração”, diz um trecho 

Questionada sobre questões de higiene relacionadas a alimentação, a SAP informou que “ela é feita a partir de cardápio elaborado por nutricionistas e uma comissão de recebimento atesta a qualidade de cada refeição antes dela ser entregue aos presos; o fornecimento de alimentação à população prisional segue rigorosamente o “Cardápio Padrão” que padronizou as refeições servidas nas unidades prisionais de todo o Sistema. A alimentação é preparada pelos próprios custodiados nas cozinhas das unidades prisionais, tudo conforme os padrões e regras da Vigilância Sanitária.”

A reportagem questionou a Secretária de Administração Penitenciária (SAP) sobre a ventilação nas alas de Potim e nas outras unidades, segundo nota enviada à Pública, o órgão nega a existência de chapas de aço nas grades. “Há aberturas nos fundos das celas para circulação de ar e portas somente com grades, sem chapas de aço”. 

Em relação a denúncia de racionamento de água das 51 unidades prisionais do estado, a SAP afirma que “todos os presídios paulistas seguem o que determina a Organização Mundial de Saúde, que estipula o consumo mínimo per capita de 100 litros diários de água por pessoa”.  

Questionada sobre as medidas adotadas para mitigar o impacto das altas temperaturas nos presídios, a Secretaria  respondeu que “algumas atividades ao ar livre foram canceladas” e “há campanhas para incentivo à hidratação e a não exposição solar. O fornecimento de água chegou a ser ampliado”. Veja a nota completa.

(Por José Cícero para a Agência Pública. Licenciado pela Creative Commons BY-ND 4.0.)

Resumo diário 10/03/2020

Segue o resumo das notícias mais interessante do dia:

Polícia tenta desocupar terreno que ameaça terra indígena em São Paulo

A construtora Tenda derrubou quatro mil árvores nativas e pretende erguer um grande conjunto habitacional a apenas oito metros de uma aldeia indígena mbya guarani em São Paulo – e tenta realizar o empreendimento ao arrepio da lei e dos tratados internacionais. A área é de manancial e tinha cobertura remanescente de mata atlântica, além de afetar diretamente os indígenas da terra vizinha – essa situação exigiria consulta prévia, livre e informada à comunidade indígena, mas isso não aconteceu. Em protesto, os índios ocuparam o terreno e esperaram a reintegração de posse, prevista para hoje. Parecer do Ministério Público do Estado de São Paulo atesta que os impactos “negativos, significativos, irreversíveis e de grande magnitude” sobre o ambiente urbano e a comunidade indígena “constituem impedimentos insuperáveis à implantação do projeto imobiliário” , além de agravar ainda mais os riscos de enchentes na cidade de São Paulo.

(Com informações do Conselho Indigenista Missionário.)

Nos EUA, Bolsonaro afirma que sua eleição foi fraudada

Esquivando-se mais uma vez da crise econômica, dos recordes seguidos de desvalorização do real e da perda de valor das ações de empresas brasileiras, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que as eleições de 2018 foram fraudadas. Ocorre que assim que ele mesmo foi eleito. O advogado de Lula concordou com o senhor que ocupa a presidência da República:

https://twitter.com/czmartins/status/1237212042337099776

Em 2018 obtivemos uma liminar no Comitê de Direitos Humanos da ONU sobre as eleições presidenciais no Brasil. Essas decisões eram vinculantes mas foram descumpridas pelo país. Faziam referência à ausência de “processo justo”. Premissa para qualquer discussão atual sobre o tema. (Cristiano Zanin)

Cabe lembrar que Luis Inácio Lula da Silva era o candidato favorito nas eleições de 2020, com pesquisas indicando que seria eleito já no primeiro turno.

Por fim, quando perguntado que provas teria de que a eleição foi fraudada, o senhor presidente desconversou.

(Foto em destaque: índios resistem em São Paulo. Fonte: Pagu Rodrigues.)

Saúde: brasileiros no Mais Médicos e epidemia de dengue

O ministro da Saúde, Arthur Chioro, dá entrevista coletiva, para apresentar o resultado da seleção de profissionais brasileiros formados no exterior no Programa Mais Médicos  (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
O ministro da Saúde, Arthur Chioro, dá entrevista coletiva, para apresentar o resultado da seleção de profissionais brasileiros formados no exterior no Programa Mais Médicos (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Duas notícias contrastantes foram divulgadas hoje (14) acerca da saúde no Brasil. Uma, a de que profissionais brasileiros preencheram todas as vagas ofertadas este ano no programa Mais Médicos, não sendo necessário recorrer a bolsistas estrangeiros ou à Organização Pan-Americana de Saúde. Por outro lado, o país vive uma epidemia de dengue, mais grave nos estados de São Paulo, Goiás e Acre. Se, por um lado, a primeira notícia evita polêmicas acerca da vinda de médicos cubanos, por outro, a dengue não conhece ideologia (são dois estados governados por tucanos, outro por petista).

Dos profissionais contratados pelo programa Mais Médicos, 387 são brasileiros com formação no exterior, em países como Argentina, Uruguai, Espanha e Rússia. Os 18.240 médicos do programa atuarão em mais de 4 mil municípios, cobrindo 72,8% das cidades brasileiras e 34 distritos sanitários indígenas. Serão atendidos 63 milhões de brasileiros que, antes do programa, não contavam com assistência médica, segundo informações do Ministério da Saúde.

Por outro lado, este ano até 18 de abril foram registrados mais de 742 mil casos de dengue, numa proporção de 367 casos para cada 100 mil habitantes (0,3%). 229 mortes por dengue foram registradas no período, crescimento de 45% em relação ao mesmo período do ano anterior. Isso reforça a necessidade de ações preventivas, tanto da parte dos governos, quanto de cada pessoa, evitando a proliferação de pernilongos.