Leitura para tempos difíceis (2 de 6)

Irmãos, esta semana veremos na primeira leitura da Missa as principais passagens dos livros dos Macabeus. São dois dos livros históricos da Bíblia, e retratam a guerra dos judeus no século II a.C. para preservar a fé contra um tirano que tentou subverter todo o povo de Deus. Tentou abolir o culto da Aliança e instituir um novo, segundo os costumes dos gregos. Leitura encorajadora e proveitosa nesses tempos de tantas abominações e completa subversão dos valores cristãos, não apenas na sexualidade desregrada (que tem causado tantos embates), mas em toda a relação do homem e da mulher com Deus, consigo mesmo e com o próximo.

Hoje (21 de novembro) é celebrada a Apresentação de Nossa Senhora, e, portanto, temos uma leitura do livro de Zacarias. Não fosse isso, seria a continuação dessas leituras de Macabeus, conforme a seguir. Na terça e na quarta-feiras da 33ª semana do tempo comum dos anos ímpares, as passagens previstas são do segundo livro dos Macabeus, que retrata especialmente o testemunho daqueles que mantiveram a fé no Deus da Aliança. Hoje temos o testemunho do velho Eleazar, amanhã, de uma viúva e de seus sete filhos. Vamos ler?

Terça-feira da 33ª semana do tempo comum (ano ímpar)

1ª Leitura – 2Mc 6,18-31

Deixarei aos jovens o nobre exemplo
de como se deve morrer com entusiasmo
e generosidade pelas veneráveis e santas leis

Leitura do Segundo Livro dos Macabeus 6,18-31

18 Eleazar era um dos principais doutores da Lei,
homem de idade avançada
e de venerável aparência.
Quiseram obrigá-lo a comer carne de porco,
abrindo à força sua boca.
19 Mas ele, preferindo morrer gloriosamente
a viver desonrado,
caminhou espontaneamente para a tortura da roda,
20 depois de ter cuspido o que lhe haviam posto na boca.
Assim deveriam proceder
os que têm a coragem de recusar
aquilo que nem para salvar a vida é lícito comer.
21 Os encarregados desse ímpio banquete ritual,
que conheciam Eleazar desde muito tempo,
chamaram-no à parte
e insistiram para que mandasse trazer carnes
cujo uso lhes era permitido
e que ele mesmo tivesse preparado,
apenas fingisse comer carnes provenientes do sacrifício,
conforme o rei ordenara.
22 Agindo assim evitaria a morte,
aproveitando esta oportunidade que lhe davam
em consideração à velha amizade.
23 Mas ele tomou uma nobre resolução digna da sua idade,
digna do prestígio de sua velhice,
dos seus cabelos embranquecidos com honra,
e da vida sem mancha que levara desde a infância.
Uma resolução digna, sobretudo, da santa legislação
instituída pelo próprio Deus.
E respondeu coerentemente,
dizendo que o mandassem logo para a mansão dos mortos.
24 E acrescentou:
‘Usar desse fingimento seria indigno da nossa idade.
Muitos jovens ficariam convencidos
de que Eleazar, aos noventa anos, 
adotou as normas de vida dos estrangeiros;
25 seriam enganados por mim,
por causa do fingimento que eu usaria
para salvar um breve resto de vida.
De minha parte,
eu atrairia sobre minha velhice a vergonha e a desonra.
26 E ainda que escapasse por um momento
ao castigo dos homens,
eu não poderia, nem vivo nem morto,
fugir das mãos do Todo-poderoso.
27 Se, pelo contrário,
eu agora renunciar corajosamente a esta vida,
vou mostrar-me digno de minha velhice,
28 e deixarei aos jovens o nobre exemplo
de como se deve morrer,
com entusiasmo e generosidade,
pelas veneráveis e santas leis’.
Ditas esta palavras,
caminhou logo para o suplício.
29 Os que o conduziam,
transformaram em brutalidade
a benevolência manifestada pouco antes.
E consideraram loucas as palavras
que ele acabara de dizer.
30 Eleazar, porém, estando para morrer sob os golpes,
disse ainda entre gemidos:
‘O Senhor, em sua santa sabedoria, vê muito bem
que eu, podendo escapar da morte, suporto em meu corpo
as dores cruéis provocadas pelos açoites,
mas em minha alma suporto-as com alegria,
por causa do temor que lhe tenho’.
31 Assim Eleazar partiu desta vida.
Com sua morte deixou um exemplo de coragem
e um modelo inesquecível de virtude,
não só para os jovens, mas também para toda a nação.
Palavra do Senhor

Leitura para tempos difíceis (1 de 6)

Irmãos, esta semana veremos na primeira leitura da Missa as principais passagens dos livros dos Macabeus. São dois dos livros históricos da Bíblia, e retratam a guerra dos judeus no século II a.C. para preservar a fé contra um tirano que tentou subverter todo o povo de Deus. Tentou abolir o culto da Aliança e instituir um novo, segundo os costumes dos gregos. Leitura encorajadora e proveitosa nesses tempos de tantas abominações e completa subversão dos valores cristãos, não apenas na sexualidade desregrada (que tem causado tantos embates), mas em toda a relação do homem e da mulher com Deus, consigo mesmo e com o próximo. Vamos ler?

Segunda-feira da 33ª semana do tempo comum (ano ímpar)

1ª Leitura – 1Mc 1,10-15.41-43.54-57.62-64

Uma cólera terrível se abateu sobre Israel.

Leitura do Primeiro Livro dos Macabeus 1,10-15.41-43.54-57.62-64

Naqueles dias:
10 Brotou uma raiz iníqüa,
Antíoco Epífanes, filho do rei Antíoco.
Estivera em Roma, como refém, e subiu ao trono
no ano cento e trinta e sete da era dos gregos.
11 Naqueles dias
apareceram em Israel pessoas ímpias,
que seduziram a muitos, dizendo:
‘Vamos fazer uma aliança com as nações vizinhas,
pois, desde que nos isolamos delas,
muitas desgraças nos aconteceram’.
12 Estas palavras agradaram,
13 e alguns do povo entusiasmaram-se
e foram procurar o rei,
que os autorizou a seguir os costumes pagãos.
14 Edificaram em Jerusalém um ginásio,
de acordo com as normas dos gentios.
15 Aboliram o uso da circuncisão
e renunciaram à aliança sagrada.
Associaram-se com os pagãos
e venderam-se para fazer o mal.
41 Então o rei Antíoco
publicou um decreto para todo o reino,
ordenando que todos formassem um só povo,
obrigando cada um a abandonar
seus costumes particulares.
42 Todos os pagãos acataram a ordem do rei
43 e inclusive muitos israelitas adotaram sua religião,
sacrificando aos ídolos e profanando o sábado.
54 No dia quinze do mês de Casleu,
no ano cento e quarenta e cinco,
Antíoco fez erigir sobre o altar dos sacrifícios
a Abominação da desolação.
E pelas cidades circunvizinhas de Judá
construíram altares.
55 Queimavam incenso
junto às portas das casas e nas ruas.
56 Os livros da Lei, que lhes caíam nas mãos,
eram atirados ao fogo, depois de rasgados.
57 Em virtude do decreto real,
era condenado à morte todo aquele
em cuja casa fosse encontrado um livro da Aliança,
assim como qualquer pessoa
que continuasse a observar a Lei.
62 Mas muitos israelitas resistiram
e decidiram firmemente não comer alimentos impuros.
63 Preferiram a morte
a contaminar-se com aqueles alimentos.
E, não querendo violar a aliança sagrada,
esses foram trucidados.
64 Uma cólera terrível se abateu sobre Israel.
Palavra do Senhor.

Bebês com microcefalia viram alvo de abortistas

Com a recente epidemia do vírus de Zika, e com a suspeita de que guarde relação com o aumento do número de casos de microcefalia registrados no Brasil desde o ano passado  (no entanto, há somente 17 casos confirmados da relação entre Zika e microcefalia), bebês com essa malformação viraram o novo alvo dos que querem a legalização do aborto. Para evitar um derrota se propusessem uma alteração na lei, resolveram procurar o poder judiciário.

O portal G1 divulgou ontem (2) e hoje (3) entrevistas concedidas por José Gomes Temporão (PSB-RJ), Débora Diniz e Drauzio Varella, todos favoráveis ao aborto. Na versão deles, haveria hipocrisia e machismo na proibição do aborto, que só atingiria as camadas mais pobres da população. Em outras palavras, querem permitir que bebês pobres ou com malformação possam ser abortados.

No entanto, querem evitar que a sociedade apresente sua opinião. Se propusessem uma lei ao Congresso Nacional, “jamais passaria”, disse Temporão. E justifica sua opinião abortista com a suposição de que “abortos ilegais são feitos todos os dias nas camadas mais ricas da sociedade”, excluindo qualquer apreciação moral do tema — alguém poderia argumentar, por exemplo, que roubos acontecem todos os dias, em praça pública, então não haveria porque proibir.

Além do Congresso Nacional, a opinião abortista também não encontra ecos no governo federal. “A presidente Dilma nunca falou sobre o assunto e nenhum dos ministros que me sucedeu tocou no tema”, afirmou Temporão. Resta a eles repetir o caminho que permitiu o aborto de bebês com anencefalia, isto é, fazer brotar do judiciário um alteração na legislação, ferindo a tripartição dos poderes.

Todos os citados estão de acordo em que a religião deveria ficar de fora da discussão, como se ela não fosse um aspecto legítimo, e mesmo uma parte constituinte da sociedade brasileira.

Opinião de Visão Católica

No fim das contas, não querem outra coisa, senão implementar políticas eugênicas, como as que fizeram sucesso na primeira metade do século XX, culminando no nazismo e no genocídio de judeus e ciganos, acompanhados de homossexuais e comunistas — mas agora em nome de um falso humanismo. Se não houvesse problema em matar um bebê com malformação, que problema haveria em matar uma pessoa já nascida, mas que precisa de cuidados especiais? E, no fim das contas, a outra ponta dessa corda é a eutanásia, que pretende legalizar o homicídio. Não é brincadeira, até mesmo as câmaras de gás eram consideradas uma forma “humana” de matar judeus.

(Foto em destaque: José Gomes Temporão. Fonte: Valter Campanato/ABr.)

As caricaturas mortais

Embed from Getty Images Igreja incendiada no Níger.

O jornal francês Charlie Hebdo foi vítima, mais no início desse ano, de um ataque terrorista. Foi terrível. Um colega meu estava de férias em Paris e também foi vítima, com a sua família, dos terroristas. Presenciou tudo, e um policial foi morto bem em frente a sua janela (o policial era muçulmano, aliás). O mundo todo foi vítima do terrorismo. E o jornal francês Charlie Hebdo continua promovendo terrorismo moral contra os muçulmanos.

No ocidente, é “bonito” brincar com temas religiosos — sempre em nome da “liberdade de expressão”. Aqui, uma capa de revista com um jogador de futebol “crucificado”. Ali, uma charge envolvendo a religião alheia. Por mais que os autores afirmem não ter a intenção de ofender as religiões ou seus fiéis, é o que fazem. Não se pode brincar com o que é santo, intocável. As coisas tem esse estado de santidade justamente porque estão muito acima de tudo o mais no coração das pessoas religiosas. Brincar com o sagrado é ofender diretamente as pessoas de fé. É muito pior que uma bofetada na cara. Corta a carne como um punhal.

Não bastasse a violência já cometida, as pessoas que fazem o Charlie Hebdo, que não representam nem o cristianismo, nem o ocidente, nem mesmo a sociedade francesa, publicaram novas caricaturas de Maomé. Apunhalaram toda a comunidade muçulmana. As pessoas que seguem o Islã já têm dificuldade em condenar a violência em nome da religião, e por diversos motivos. Nunca houve uma condenação genérica ao terrorismo, mas apenas a atos isolados. O que se pode esperar diante de uma situação dessas?

E, para piorar, por mais anticristã e secularista que seja boa parte da sociedade francesa, foram os seus antepassados, os francos, que impediram que o Islã dominasse a Europa ocidental. Os francos foram guardiões do cristianismo, e a França promoveu a reconquista da Península Ibérica, recuperando-a para o cristianismo. Depois, os franceses, mesmo os nobres, envolveram-se diretamente na tentativa de proteger os cristãos na Terra Santa, as chamadas cruzadas, hoje lembradas apenas pela violência (que foi praticada de ambos os lados).

Como não esperar que as pessoas menos esclarecidas identificassem, onde o Islã predomina, as charges do Charlie Hebdo com o cristianismo? Foi o que fizeram no Níger, onde 45 igrejas foram saqueadas e incendiadas, e pelo menos dez pessoas foram mortas em decorrência da fúria causada por novas charges sobre Maomé publicadas por esse infame jornal.

E, diante de tamanha fúria, alguém se espanta que até crianças sejam forçadas a carregar explosivos, sendo imoladas em nome de uma religiosidade fundamentalista? Foi o que aconteceu na vizinha Nigéria, ainda esse mês. E quem se espanta que o Boko Haram domine tão amplas áreas ao norte da Nigéria e recrute tantas pessoas no Níger? Mas, quem sabe o que é o Boko Haram? Quem sabe o que se passa com nossos irmãos na África e na Ásia? Que família é essa, onde não nos importamos com a morte de tantas pessoas tão próximas e queridas?

Porque somos irmãos em Cristo, porque somos irmãos, filhos de Abraão, com os judeus e os árabes (dentre os quais surgiu o islamismo), porque somos irmãos, filhos de nossos primeiros pais, o primeiro homem e a primeira mulher, paremos toda a violência!

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Estados Unidos, Cuba e a verdadeira religião

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Ontem vimos a história acontecer diante de nossos olhos. Estados Unidos da América e Cuba, unidos pelos laços da diplomacia, com a mediação do papa Francisco.

Eis meu Servo que eu amparo, meu eleito ao qual dou toda a minha afeição, faço repousar sobre ele meu espírito, para que leve às nações a verdadeira religião.
Ele não grita, nunca eleva a voz, não clama nas ruas.
Não quebrará o caniço rachado, não extinguirá a mecha que ainda fumega. Anunciará com toda a franqueza a verdadeira religião; não desanimará, nem desfalecerá,
até que tenha estabelecido a verdadeira religião sobre a terra, e até que as ilhas desejem seus ensinamentos.
Eis o que diz o Senhor Deus que criou os céus e os desdobrou, que firmou a terra e toda a sua vegetação, que dá respiração a seus habitantes, e o sopro vital àqueles que pisam o solo:
Eu, o Senhor, chamei-te realmente, eu te segurei pela mão, eu te formei e designei para ser a aliança com os povos, a luz das nações;
para abrir os olhos aos cegos, para tirar do cárcere os prisioneiros e da prisão aqueles que vivem nas trevas. (Is 42,1-7)

Esses são versos do profeta Isaías, aplicados ao Cristo de Deus. Ontem, o papa, vigário de Cristo, os cumpriu.

E o que relações diplomáticas têm a ver com religião? Tudo. “Religião” é palavra de origem latina e tem dois significados. O mais conhecido vem de religare, isto é, religar. A princípio, religar o homem e Deus. Ontem, o que aconteceu foi religar o homem com o homem. Mas, isso não teria sido possível sem o outro significado, que vem de relegere: reler. Esse grande acontecimento, que transformou armas em arados (v. Is 2,4), só foi possível graças à releitura das relações EUA-Cuba. Das antigas bases econômico-políticas, que apenas tinha olhos para o planisfério e as antigas propriedades americanas na ilha, passou-se a bases humanitárias, graças à intervenção do papa Francisco. Os olhos dos mandatários passaram a homens e mulheres que sofrem, especialmente quatro prisioneiros agora libertados. Cuba se abriu para o mundo, e o mundo se abriu para Cuba.

Religião e história brasileira

Isso nos deveria levar a reler também a história brasileira, reler acontecimentos da mesma época que a revolução cubana (1959). Isso teria impactos significativos na nossa política atual, e traria a paz política a nosso país. Os EUA optaram por isolar Cuba, mas não deu certo — apenas levou à radicalização da política cubana. Certos grupos econômicos e políticos optaram por isolar o Partido Trabalhista Brasileiro e os presidentes petebistas Getúlio Vargas (1951-1954) e João Goulart (1961-1964). Alguns cristãos também se envolveram nesse isolamento. O resultado foram 21 anos de ditadura, assassinatos políticos, torturas, exílio, guerra interna. Muitos cristãos foram perseguidos, leigos, religiosos e sacerdotes. Nem mesmo o recém-divulgado relatório da Comissão da Verdade foi capaz de realizar a releitura.

Chegou a hora de abrir os corações, retirar o coração enrijecido pelo ódio e pelo pecado e deixar Deus colocar em nós um coração de carne (Ez 11,19; 36,26), capaz de sentir com o outro, compadecer-se do sofrimento do nosso próximo. Deus veio sentir conosco todo o sofrimento humano e carregá-lo sobre a cruz. Todos sofreram as conseqüências da política de isolamento, e ainda hoje nos isolamos uns dos outros: dividimo-nos entre os que apoiam e os que repudiam a ditadura. Chegou a hora de reconhecermo-nos como irmãos. Chegou a hora de dizermos para o outro: você teve suas razões, você teve seu padecimento. Vamos agora caminhar juntos e realizar a verdadeira religião, pois, “Se alguém pensa ser piedoso, mas não refreia a sua língua e engana o seu coração, então é vã a sua religião. A religião pura e sem mácula aos olhos de Deus e nosso Pai é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições, e conservar-se puro da corrupção deste mundo.” (Tg 1,26s)

Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 18-19

COMPÊNDIO DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA

INTRODUÇÃO

UM HUMANISMO INTEGRAL E SOLIDÁRIO

d) Sob o signo da solidariedade, do respeito e do amor

18 A Igreja caminha com toda a humanidade ao longo das estradas da história. Ela vive no mundo e, mesmo sem ser do mundo (cf. Jo 17, 14-16), é chamada a servi-lo seguindo a própria íntima vocação. Uma tal atitude — que se pode entrever também no presente documento — apóia-se na profunda convicção de que é importante para o mundo reconhecer a Igreja como realidade e fermento da história, assim como para a Igreja não ignorar quanto tem recebido da história e do progresso do gênero humano[Gaudium et spes, 44]. O Concílio Vaticano II quis dar uma demonstração eloqüente da solidariedade, do respeito e do amor para com toda a família humana, instaurando com ela um diálogo sobre tantos problemas, «esclarecendo-os à luz do Evangelho e pondo à disposição do gênero humano o poder salvífico que a Igreja, conduzida pelo Espírito Santo, recebe do seu Fundador. Com efeito, é a pessoa humana que se trata de salvar, é a sociedade humana que importa renovar»[Gaudium et spes, 3].

19 A Igreja, sinal na história do amor de Deus para com os homens e da vocação de todo o gênero humano à unidade na filiação do único Pai[Lumen gentium, 1], também com este documento sobre a sua doutrina social entende propor a todos os homens um humanismo à altura do desígnio de amor de Deus sobre a história, um humanismo integral e solidário, capaz de animar uma nova ordem social, econômica e política, fundada na dignidade e na liberdade de toda a pessoa humana, a se realizar na paz, na justiça e na solidariedade. Um tal humanismo pode realizar-se. A tendência à unidade «só será possível, se os indivíduos e os grupos sociais cultivarem em si mesmos e difundirem na sociedade os valores morais e sociais, de forma que sejam verdadeiramente homens novos e artífices de uma nova humanidade, com o necessário auxílio da graça»[Gaudium et spes, 30].

Poderíamos dizer que “a humanidade tem salvação”, ou até “um outro mundo é possível” (para agradar aos adeptos do Fórum Social Mundial). Mas, “só será possível, se os indivíduos e os grupos sociais cultivarem em si mesmos e difundirem na sociedade os valores morais e sociais”. Não se trata de tornar a humanidade artífice de si mesma, mas de participar do plano divino de Salvação. Essa Salvação não pode ficar restrita ao íntimo, mas deve se manifestar em cada pessoa e nos grupos e estruturas sociais:

Renunciai à vida passada, despojai-vos do homem velho, corrompido pelas concupiscências enganadoras. Renovai sem cessar o sentimento da vossa alma, e revesti-vos do homem novo, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade. Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor: comportai-vos como verdadeiras luzes. (Ef 4,22-24.5,8)

Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 13-17

COMPÊNDIO DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA

INTRODUÇÃO

UM HUMANISMO INTEGRAL E SOLIDÁRIO

c) Ao serviço da verdade plena sobre o homem

13 Este Documento é um ato de serviço da Igreja às mulheres e aos homens do nosso tempo, aos quais oferece o patrimônio de sua doutrina social, segundo aquele estilo de diálogo com o qual o próprio Deus, no Seu Filho Unigênito feito homem, «fala aos homens como a amigos (cf. Ex 33, 11; Jo 15, 14-15) e conversa com eles (cf. Bar 3, 38)»[Dei verbum, 2]. Inspirado na Constituição pastoral Gaudium et spes, também este documento põe como linha mestra de toda a exposição o homem, aquele « homem considerado na sua unidade e na sua totalidade, o homem, corpo e alma, coração e consciência, pensamento e vontade»[Gaudium et spes, 3]. Na perspectiva delineada, «nenhuma ambição terrena move a Igreja; ela tem em vista um só fim: continuar, sob o impulso do Espírito Santo, a obra do próprio Cristo que veio ao mundo para dar testemunho da verdade, para salvar e não para condenar, para servir e não para ser servido»[Gaudium et spes, 3].

14 Com o presente documento a Igreja entende oferecer um contributo de verdade à questão do lugar do homem na natureza e na sociedade, afrontada pelas civilizações e culturas em que se manifesta a sabedoria da humanidade. Mergulhando as raízes num passado não raro milenar, estas se manifestam nas formas da religião, da filosofia e do gênio poético de todo o tempo e de cada povo, oferecendo interpretações do universo e da convivência humana e procurando dar um sentido à existência e ao mistério que a envolve. Quem sou eu? Por que a presença da dor, do mal, da morte, malgrado todo o progresso? A que aproveitam tantas conquistas alcançadas se o seu preço não raro é insuportável? O que haverá após esta vida? Estas perguntas fundamentais caracterizam o percurso do viver humano[Gaudium et spes, 10]. Pode-se, a propósito, recordar a admonição «Conhece-te a ti mesmo», esculpida na arquitrave do templo de Delfos, que está a testemunhar a verdade basilar segundo a qual o homem, chamado a distinguir-se entre todas as criaturas, se qualifica como homem justo enquanto constitutivamente orientado a conhecer-se a si mesmo.

15 A orientação que se dá à existência, à convivência social e à história dependem, em grande parte, das respostas dadas a estas questões sobre o lugar do homem na natureza e na sociedade, às quais o presente documento entende dar o seu contributo. O significado profundo do existir humano, com efeito, se revela na livre busca da verdade, capaz de oferecer direção e plenitude à vida, busca à qual tais questões solicitam incessantemente a inteligência e a vontade do homem. Elas exprimem a natureza humana no seu nível mais alto, porque empenham a pessoa em uma resposta que mede a profundidade do seu compromisso com a própria existência. Trata-se, ademais, de interrogações essencialmente religiosas: «quando o porquê das coisas é indagado a fundo em busca da resposta última e mais exaustiva, então a razão humana atinge o seu ápice e se abre à religiosidade. Com efeito, a religiosidade representa a expressão mais elevada da pessoa humana, porque é o ápice da sua natureza racional. Brota da profunda aspiração do homem à verdade, e está na base da busca livre e pessoal que ele faz do divino»[João Paulo II, Alocução na Audiência Geral (19 de Outubro de 1983), 2].

16 As interrogações radicais, que acompanham desde os inícios o caminho dos homens, adquirem, no nosso tempo, ainda maior significância, pela vastidão dos desafios, pela novidade dos cenários, pelas opções decisivas que as atuais gerações são chamadas a efetuar.

O primeiro dentre os maiores desafios, frente aos quais a humanidade se encontra, é o da verdade mesma do ser-homem. O confim e a relação entre natureza, técnica e moral são questões que interpelam decisivamente a responsabilidade pessoal e coletiva em vista dos comportamentos que se devem ter, em face daquilo que o homem é, do que pode fazer e do que deve ser. Um segundo desafio é posto pela compreensão e pela gestão do pluralismo e das diferenças em todos os níveis: de pensamento, de opção moral, de cultura, de adesão religiosa, de filosofia do progresso humano e social. O terceiro desafio é a globalização, que tem um significado mais amplo e profundo do que o simplesmente econômico, pois que se abriu na história uma nova época, que concerne ao destino da humanidade.

17 Os discípulos de Jesus sentem-se envolvidos por estas interrogações, levam-nas eles mesmos no coração e querem empenhar-se, juntamente com todos os homens, na busca da verdade e do sentido da existência pessoal e social. Para tal busca contribuem com o seu generoso testemunho do dom que a humanidade recebeu: Deus dirigiu-lhe Sua Palavra no curso da história, antes, Ele mesmo entrou na história para dialogar com a humanidade e revelar-lhe o Seu desígnio de salvação, de justiça e de fraternidade. Em Seu Filho, Jesus Cristo, feito homem, Deus nos libertou do pecado e nos indicou o Caminho a percorrer e a meta à qual tender.

Nesse trecho, o Compêndio da Doutrina Social da Igreja estabelece as bases sobre as quais dialogar com homens e mulheres de todas as realidades religiosas e eclesiais: a verdade. A verdade é o dom supremo de Deus, que se deu a conhecer em Jesus Cristo, e que o homem persegue desde os primórdios. Sua busca radical leva à religião, ainda mais frente ao progresso científico-tecnológico que não foi capaz de vencer o mal, que persiste no mundo. Nosso contexto é de se precisar redescobrir o homem, compreender e lidar com as diferenças individuais e coletivas, e levar a globalização à solidariedade, não apenas ao comércio.