Interpretação fundamentalista da Bíblia é repudiada pelo Vaticano

(Publicado originalmente no Brasil de Fato) Lamentavelmente predomina no meio do povo religioso a leitura fundamentalista da Bíblia ancorada no falso princípio segundo o qual a Bíblia não deve ser interpretada, mas apenas posta em prática. Entre os muitos métodos de se interpretar a Bíblia, o pior de todos e único método repudiado pela Comissão Bíblica do Vaticano (Igreja Católica) é o método fundamentalista.

Foto: Enoc Valenzuela/Domínio Público.

Ingenuamente, muitas pessoas pensam que basta ler e automaticamente o que lhe vem à cabeça à primeira vista seja a interpretação correta do texto bíblico lido. Ledo engano. Como nem tudo que reluz é ouro, assim também muita coisa que lhe vem à mente a partir de suas pré-compreensões ao ler um texto bíblico pode não ser o que o texto quer dizer.

Se ignorarmos que os textos bíblicos são literaturas escritas em outros contextos muito antigos, com certos pretextos e intenções, se não buscarmos compreender as formas e os gêneros literários dos textos, ficará muito difícil compreender o significado mais profundo de cada passagem bíblica. Será muito grande o risco de se projetar nos textos bíblicos pré-compreensões recheadas de ideologia dominante, seja ela cultural ou religiosa.

Formas e gêneros literários na Bíblia

As formas e os gêneros literários nascem da maneira como as pessoas se expressam, oralmente ou por escrito; daquilo que elas desejam comunicar; do ambiente humano que as circundavam; da própria maneira como as pessoas se comunicam e interagem com os seus ouvintes. Raramente nascem da intenção do autor de querer adaptar sua linguagem à realidade do povo.

A Bíblia é literatura e como tal deve ser lida e bem interpretada. “Não vivemos do mesmo modo todos os momentos, nem todas as realidades. Nossa atitude vital muda segundo a nossa situação, o momento, a idade, o interesse e a intenção. E a linguagem muda de registro e se articula de modos distintos quando ocorre uma dessas mudanças”, afirma José Pedro Tosaus Abadía, no livro A Bíblia como Literatura.

Como a Palavra de Deus não chega diretamente aos humanos, mas é mediada pela palavra humana, Deus escolheu os seus profetas para a transmissão da sua mensagem. Daí a importância de conhecer as diversas formas usadas para a transmissão dessa Palavra para melhor captar e acolher a sua mensagem.

Ela começou com a tradição oral depois foram nascendo gradativamente os primeiros escritos, por volta de 1200 antes da era cristã, com o cântico de Débora, mais tarde o cântico de Miriam. Contudo permanece a pergunta: o que são formas e gêneros literários?

O pensamento humano torna-se concreto quando se transforma em palavra, em sua forma oral ou escrita, por meio de formas e gêneros literários. Esta forma depende do ambiente, do lugar geográfico e social que a pessoa ocupa, do público ao qual pertence e ao qual se dirige sua mensagem, daquilo que a pessoa deseja comunicar. Por isso, é preciso interpretar sensatamente os textos.

Um nordestino que vive na sua comunidade do nascimento até se tornar idoso, e que viajou pouquíssimas vezes, tem um jeito de se expressar diferente de um ribeirinho do Beiradão do rio Madeira no sul do estado do Amazonas onde se vive no meio da floresta, sem cavalo, sem moto, sem jegue, andando nas águas dos igarapés, lagos e rios, ouvindo os pássaros.

Cada região do estado ou do país tem sua cultura e com ela seu jeito de falar, escrever e se comunicar. Logo, não podemos imaginar que a Bíblia escrita ao longo de 1300 anos, entre o ano 1200 antes da era cristã e o ano 110 da era cristã, recolhendo uma imensa pluralidade de experiências de vida de muitos povos e circunstâncias diferentes, signifique para nós o que aparenta ser à primeira vista. E mais! Ninguém é tábula rasa ao ler ou ouvir os textos bíblicos. Todos nós lemos ou ouvimos os textos bíblicos com nossas pré-compreensões que, se não forem questionadas, podem nos induzir a falsas interpretações dos textos bíblicos. Por isso, a necessidade de compreendermos as formas e os gêneros literários bíblicos.

O que é a forma literária?

De origem latina, a palavra forma pode significar fôrma, molde, imagem, figura e não tem um sentido uniforme e unívoco; às vezes, é confundida com gênero ou espécie, o que não corresponde.

Não há uma dicotomia entre forma e conteúdo, antes “há uma íntima fusão entre os dois estratos ou modos de ser do texto… ambos se concentram num único objeto, a palavra escrita”, afirma Massaud Moisés em seu Dicionário de Termos Literários.

Forma e conteúdo são como carne e unha, estão sempre juntas, salvo exceções. A forma é tida muitas vezes como invólucro, mas não corresponde exatamente a isto, porque entre forma e conteúdo há uma integridade dinâmica e concreta que tem um conteúdo em si próprio, fora de qualquer correlação. Conteúdo e forma são inseparáveis, se revelam e se expressam no texto literário.

A forma literária pressupõe o que se diz, ou seja, o conteúdo e o modo de como se diz. Ambos estão inter-relacionados e são correlatos no ato de expressão. Como diz a filosofia moderna: só se pode conhecer o que está no tempo e no espaço, também na comunicação escrita só se escreve um conteúdo usando uma forma.

As formas literárias são as diferentes maneiras, pelas quais, os meios de expressão literária se organizam, em função de um efeito que o autor pretende alcançar. Elas carregam características comuns para poder classificá-los, por exemplo, entre as diferentes figuras de linguagem como a metáfora, a comparação e outras.

No caso da metáfora há a transferência para uma palavra, de características de outra, por exemplo no Salmo 103,14: “O Senhor se lembra do pó que somos nós”. Há uma identificação do pó com o ser humano. É uma comparação condensada sem o conectivo como. No Sl 103 a comparação do ser humano com o pó é para combater o orgulho, a arrogância do ser humano? Ou teria outro pretexto? Levantar esse tipo de pergunta é imprescindível para se chegar a uma interpretação justa.

Outra figura de linguagem é a comparação com o conectivo ‘como’: “O homem!… seus dias são como a relva: ele floresce como a flor do campo; roça-lhe um vento e já desaparece, ninguém mais reconhece seu lugar” (Sl 103,15). Compara o ser humano com a relva e a flor do campo, que hoje existem e amanhã não mais, são efêmeros, passam como a relva e a flor do campo, mas tem a vocação de ser relva cotidianamente e vicejar como a flor do campo.

Muitos estudiosos da Bíblia estabelecem diferença entre forma e gênero. A forma designaria para eles a unidade literária de extensão menor, já fixada oralmente ou por escrito. E por gênero designaria a unidade maior, mais extensa e global. Este gênero é identificado, reconhecido e classificado com base em três critérios fundamentais: os motivos formais; os motivos de conteúdo; e a situação vivencial que deu origem ao texto. Para entender melhor o que é gênero é preciso detalhar quais são os motivos de forma, conteúdo e situação vivencial.

O que é gênero literário?

A palavra Gênero como Forma vem do latim e significa linhagem, família. É uma questão muito antiga já discutida entre os filósofos gregos. Ele não tem uma forma unívoca e serve também para designar categorias literárias nos seus diferentes níveis como a prosa, poesia, poesia lírica, poesia épica, a novela, o soneto, ode, epigrama. Os gêneros literários são imanentes e ao mesmo tempo transcendem a obra, porque é possível encontrar as semelhanças entre as obras, o que torna possível a abstração, que por sua vez, vai além de cada obra.

Há características que são constantes em cada gênero e outras são variáveis. As constantes são as que os identificam. Podem ser classificados por analogia ou semelhança.

Pode ser um pouco amargo buscar e tentar compreender as formas e os gêneros dos textos bíblicos, mas é caminho salutar e necessário para se compreender de forma justa e sensata os textos bíblicos, ainda mais atualmente em tempos de fascismo e de extrema-direita usando e abusando de textos bíblicos e do nome de Deus para impor projetos de morte. Projetos idolátricos que são repudiados com veemência pelos profetas e profetisas bíblicas.

Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica)


Leia outros artigos de Frei Gilvander Moreira em sua coluna no Brasil de Fato


Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

CNBB pede paz e governabilidade

Sim, milhões de pessoas foram ontem às ruas, com muitas e variadas reivindicações, a favor e contra o governo. Algumas parcelas da população estão mais mobilizadas, outras, menos. Algumas tocam músicas militares e hostilizam todo e qualquer político, outras defendem determinadas soluções para a crise. Mas, o momento não é de acirrar os ânimos e propagar o ódio, e sim de procurar uma saída que contemple, acima de qualquer interesse partidário, as necessidades dos mais pobres, e que se construa com diálogo em busca do desenvolvimento, da justiça e da paz social. Essa é a tônica da nota divulgada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil no último dia 10. Muito similar a outra, de dezembro.

Infelizmente, parece que mesmo muitos católicos não têm ouvido aqueles que Deus constituiu para governar a Igreja, guardar o depósito da fé e conduzir o povo fiel. Os relatos são de que a manifestação contra o governo em Brasília começou com uma oração e prosseguiu com músicas militares e coreografias — parecendo até um “fascismo do século XXI”, pois eram os fascistas que buscavam angariar apoio com tais demonstrações massivas militaristas e organizadas. Já em São Paulo, a polícia militar compareceu para “averiguar” uma assembléia de trabalhadores a favor de Lula e do governo federal em São Bernardo do Campo. Esses foram apenas alguns dos preocupantes episódios que têm ocorrido em todo o país.

Isso tudo acontece como resultado de uma paulatina escalada da tensão política, através de processos judiciais e midiáticos. Seu atual momento começou com uma entrevista do promotor público Cassio Conserino à revista Veja, em janeiro (na qual antecipou que denunciaria Lula, antes mesmo de ouvir a defesa). Depois, o impasse quanto ao depoimento que esse mesmo promotor tentou obrigar Lula a prestar, no que foi impedido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Em seguida, um contestabilíssima condução coercitiva de Lula pela Polícia Federal, a mando do juiz Sérgio Moro — que conduz de maneira igualmente contestável os inquéritos da operação Lava Jato. Essa condução coercitiva teve como pretexto evitar a violência política, mas foi justamente esse o resultado dela. Parece que as próprias manifestações contra o governo são parte de uma tentativa de influenciar a composição do comissão do processo de impeachment, cuja eleição foi programada justamente para a próxima quinta-feira.

Importante se faz reafirmar que qualquer solução que atenda à lógica do mercado e aos interesses partidários antes que às necessidades do povo, especialmente dos mais pobres, nega a ética e se desvia do caminho da justiça. (CNBB)

Pobre o país que não ouve seus bispos!

Eis a íntegra da nota da CNBB:

NOTA DA CNBB SOBRE O MOMENTO ATUAL DO BRASIL

“O fruto da justiça é semeado na paz, para aqueles que promovem a paz” (Tg 3,18)

Nós, bispos do Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil–CNBB, reunidos em Brasília-DF, nos dias 8 a 10 de março de 2016, manifestamos preocupações diante do grave momento pelo qual passa o país e, por isso, queremos dizer uma palavra de discernimento. Como afirma o Papa Francisco, “ninguém pode exigir de nós que releguemos a religião a uma intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional, sem nos preocupar com a saúde das instituições da sociedade civil, sem nos pronunciar sobre os acontecimentos que interessam aos cidadãos” (EG, 183).

Vivemos uma profunda crise política, econômica e institucional que tem como pano de fundo a ausência de referenciais éticos e morais, pilares para a vida e organização de toda a sociedade. A busca de respostas pede discernimento, com serenidade e responsabilidade. Importante se faz reafirmar que qualquer solução que atenda à lógica do mercado e aos interesses partidários antes que às necessidades do povo, especialmente dos mais pobres, nega a ética e se desvia do caminho da justiça.

A superação da crise passa pela recusa sistemática de toda e qualquer corrupção, pelo incremento do desenvolvimento sustentável e pelo diálogo que resulte num compromisso entre os responsáveis pela administração dos poderes do Estado e a sociedade. É inadmissível alimentar a crise econômica com a atual crise política. O Congresso Nacional e os partidos políticos têm o dever ético de favorecer e fortificar a governabilidade.

As suspeitas de corrupção devem ser rigorosamente apuradas e julgadas pelas instâncias competentes. Isso garante a transparência e retoma o clima de credibilidade nacional. Reconhecemos a importância das investigações e seus desdobramentos. Também as instituições formadoras de opinião da sociedade têm papel importante na retomada do desenvolvimento, da justiça e da paz social.

O momento atual não é de acirrar ânimos. A situação exige o exercício do diálogo à exaustão. As manifestações populares são um direito democrático que deve ser assegurado a todos pelo Estado. Devem ser pacíficas, com o respeito às pessoas e instituições. É fundamental garantir o Estado democrático de direito.

Conclamamos a todos que zelem pela paz em suas atividades e em seus pronunciamentos. Cada pessoa é convocada a buscar soluções para as dificuldades que enfrentamos. Somos chamados ao diálogo para construir um país justo e fraterno.

Inspirem-nos, nesta hora, as palavras do Apóstolo Paulo: “trabalhai no vosso aperfeiçoamento, encorajai-vos, tende o mesmo sentir e pensar, vivei em paz, e o Deus do amor e da paz estará convosco” (2 Cor 13,11).

Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, continue intercedendo pela nossa nação!

Brasília, 10 de março de 2016.

Dom Sergio da Rocha                              Dom Murilo S. R. Krieger

    Arcebispo de Brasília-DF                     Arcebispo de S. Salvador da Bahia-BA

   Presidente da CNBB                         Vice-Presidente da CNBB

      Dom Leonardo Ulrich Steiner

         Bispo Auxiliar de Brasília-DF

          Secretário-Geral da CNBB

Papa: não há Santo sem pecado, nem pecador sem futuro

Mais uma vez devo dizer que não é meu hábito publicar aqui textos de outras pessoas. Mas, certas vezes, alguns textos são importantes demais para ficarem sem divulgação — não digo mais ampla, mas ao menos como uma esperança pessoal de que cheguem a pessoas que não os conheceriam de outra maneira. É o caso do texto de hoje.

Ontem mesmo me peguei a pensar sobre a relação entre santidade e pecado. Hoje, o papa Francisco nos brindou com uma bela homilia sobre isso. Abordando a história de Davi — de pequeno pastor na menor entre as cidades de Judá, isto é, Belém — a rei de Israel, santo, mesmo tendo cometido muitos e graves pecados, o papa nos recorda o caminho cristão da santidade: “o caminho que o Senhor nos convidou a percorrer, não há nenhum Santo sem passado, tampouco um pecador sem futuro”.

Papa: não há Santo sem pecado, nem pecador sem futuro

2016-01-19 Rádio Vaticana

Cidade do Vaticano (RV) – Deus não fica nas aparências, mas vê o coração. Foi o que afirmou Francisco na missa matutina na Casa Santa Marta nesta terça-feira (19/01), centralizada na primeira Leitura, que narra a eleição do jovem Davi como rei de Israel. O Papa destacou que também na vida dos Santos há tentações e pecados, como demonstra a própria vida de Davi, mas jamais se pode usar Deus para vencer uma causa própria.

O Senhor vê o coração, não fica nas aparências

O Senhor rejeita Saul “porque tinha o coração fechado, não havia obedecido ao Senhor” e pensa, portanto, em escolher outro rei. Uma escolha distante dos critérios humanos, já que Davi era o menor dos filhos de Jessé, um rapaz. Mas o Senhor faz entender ao profeta Samuel que para ele não conta a aparência, “o Senhor vê o coração”:

“Nós somos tantas vezes escravos das aparências, escravos das coisas que aparecem e nos deixamos levar por essas coisas: ‘Mas isso parece …’ Mas o Senhor sabe a verdade. É assim esta história. Passam os sete filhos de Jessé e o Senhor não escolhe ninguém, os deixa passar. Samuel se encontra um pouco em dificuldade e diz ao Pai: ‘’A este tampouco o Senhor escolheu’?’ ‘’Estão aqui todos os teus filhos?’ ‘’Resta ainda o mais novo, que está apascentando as ovelhas’’. Aos olhos dos homens, este jovem não contava”.

Davi reconhece seu pecado e pede perdão

Não contava para os homens, mas o Senhor o escolhe e ordena a Samuel de ungi-lo, e o Espírito do Senhor “se apoderou de Davi”. E, a partir daquele dia, “toda a vida de Davi foi a vida de um homem ungido pelo Senhor, eleito pelo Senhor”. “Então – se pergunta Francisco – o Senhor o fez santo?” Não, é a sua resposta, “o Rei Davi é o santo Rei Davi, isso é verdade, mas Santo depois de uma longa vida”, mas também uma vida com pecados:

“Santo e pecador. Um homem que soube unir o Reino, soube levar adiante o povo de Israel. Mas tinha as suas tentações… tinha seus pecados: foi também um assassino. Para encobrir sua luxúria, o pecado de adultério, mandou… comandou que matassem. Ele! ‘Mas o santo Rei Davi matou?’ Mas quando Deus enviou o profeta Natã para que visse esta realidade, porque ele não tinha se dado conta da barbárie que havia ordenado, reconheceu: ‘pequei’. E ‘pediu perdão’”.

Assim, prosseguiu o Papa, “a sua vida seguiu adiante. Sofreu na carne a traição do filho, mas nunca usou Deus para vencer uma causa própria”. Assim, recordou que, quando Davi deve fugir de Jerusalém, devolve a Arca e declara que não usará o Senhor em sua defesa. E quando era insultado Davi, em seu coração, pensava: “eu mereço”.

Não existe Santo sem passado, tampouco um pecador sem futuro

Depois, destacou Francisco, “vem a magnanimidade”: poderia matar Saul “mas não o fez”. Eis o Santo rei Davi, grande pecador, mas arrependido. “Me comove – confessou o Papa – a vida deste homem”, que nos faz pensar em nossa vida.

“Todos fomos escolhidos pelo Senhor para o Batismo, para estar no seu povo, para ser Santos; fomos consagrados pelo Senhor neste caminho da santidade. Foi lendo esta vida, de um menino – aliás, não um menino, um rapaz – de um rapaz a um idoso, que fez tantas coisas boas e outras nem tanto, que me ocorre que no caminho cristão, no caminho que o Senhor nos convidou a percorrer, não há nenhum Santo sem passado, tampouco um pecador sem futuro”. (BF/RB)

ONU confirma: papa discursará na Assembléia Geral em setembro

A ONU confirmou ontem que o papa Francisco discursará dia 25 de setembro deste ano na Assembléia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, que estará celebrando os 70 anos da organização. Ele é o quarto papa a discursar na Assembléia Geral, tendo sido Paulo VI o primeiro deles.

Segundo a Rádio Vaticana, o presidente da ONU, Ban Ki-Moon, está confiante de que esta visita do Papa Francisco irá inspirar a comunidade internacional a redobrar os seus esforços em favor da dignidade humana para todos através de uma maior justiça social, tolerância e compreensão entre todos os povos do mundo.

Na ocasião, o papa terá encontros com os presidentes da ONU e da Assembléia Geral, bem como com os funcionários da entidade. Também nessa viagem aos Estados Unidos da América, Francisco será o primeiro papa a discursar no congresso americano.

Visão Católica

Será interessante ver o papa Francisco tratar da cultura do encontro, que ele tanto promove, em um organismo que, apesar de fundamental para as relações internacionais modernas, não tem conseguido atingir plenamente seu objetivo, que é a paz entre os povos.

A proposta da Igreja para a paz vem sendo delineada desde o pontificado de S. João XXIII, que na encíclica Pacem in Terris (“paz na Terra”, em latim), afirmou:

O progresso social, a ordem, a segurança e a paz em cada comunidade política estão em relação vital com o progresso social, com a ordem, com a segurança e com a paz de todas as demais comunidades políticas. (n.º 129)

Já seu sucessor, Paulo VI, estabeleceu três deveres na relação fraterna entre os povos:

O do dever de solidariedade, ou seja, o auxílio que as nações ricas devem prestar aos países em via de desenvolvimento; o do dever de justiça social, isto é, a retificação das relações comerciais defeituosas, entre povos fortes e povos fracos; o do dever de caridade universal, quer dizer, a promoção, para todos, de um mundo mais humano e onde todos tenham qualquer coisa a dar e a receber, sem que o progresso de uns seja obstáculo ao desenvolvimento dos outros. (Populorum progressio, 44)

E o progresso dos povos deve sempre “buscar reduzir desigualdades, combater discriminações, libertar o homem da servidão, torná-lo capaz de, por si próprio, ser o agente responsável do seu bem-estar material, progresso moral e desenvolvimento espiritual” (Populorum progressio, 34).

Creio eu que o papa irá ainda além de seus predecessores, estabelecendo um maior progresso da comunidade das nações, isto é, da comunhão simbólica que tem faltado para que uns compreendam os outros. Esse é um passo de suma importância para levantarem-se as barreiras que os conflitos erguem em toda parte. Enquanto não se esforçarem todos por falar a linguagem do outro, não haverá a tão almejada paz. (v. Gn 11,1-9)

(Com informações da Rádio Vaticana. Foto de destaque: Assembléia Geral das Nações Unidas — Wikimedia)

Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 18-19

COMPÊNDIO DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA

INTRODUÇÃO

UM HUMANISMO INTEGRAL E SOLIDÁRIO

d) Sob o signo da solidariedade, do respeito e do amor

18 A Igreja caminha com toda a humanidade ao longo das estradas da história. Ela vive no mundo e, mesmo sem ser do mundo (cf. Jo 17, 14-16), é chamada a servi-lo seguindo a própria íntima vocação. Uma tal atitude — que se pode entrever também no presente documento — apóia-se na profunda convicção de que é importante para o mundo reconhecer a Igreja como realidade e fermento da história, assim como para a Igreja não ignorar quanto tem recebido da história e do progresso do gênero humano[Gaudium et spes, 44]. O Concílio Vaticano II quis dar uma demonstração eloqüente da solidariedade, do respeito e do amor para com toda a família humana, instaurando com ela um diálogo sobre tantos problemas, «esclarecendo-os à luz do Evangelho e pondo à disposição do gênero humano o poder salvífico que a Igreja, conduzida pelo Espírito Santo, recebe do seu Fundador. Com efeito, é a pessoa humana que se trata de salvar, é a sociedade humana que importa renovar»[Gaudium et spes, 3].

19 A Igreja, sinal na história do amor de Deus para com os homens e da vocação de todo o gênero humano à unidade na filiação do único Pai[Lumen gentium, 1], também com este documento sobre a sua doutrina social entende propor a todos os homens um humanismo à altura do desígnio de amor de Deus sobre a história, um humanismo integral e solidário, capaz de animar uma nova ordem social, econômica e política, fundada na dignidade e na liberdade de toda a pessoa humana, a se realizar na paz, na justiça e na solidariedade. Um tal humanismo pode realizar-se. A tendência à unidade «só será possível, se os indivíduos e os grupos sociais cultivarem em si mesmos e difundirem na sociedade os valores morais e sociais, de forma que sejam verdadeiramente homens novos e artífices de uma nova humanidade, com o necessário auxílio da graça»[Gaudium et spes, 30].

Poderíamos dizer que “a humanidade tem salvação”, ou até “um outro mundo é possível” (para agradar aos adeptos do Fórum Social Mundial). Mas, “só será possível, se os indivíduos e os grupos sociais cultivarem em si mesmos e difundirem na sociedade os valores morais e sociais”. Não se trata de tornar a humanidade artífice de si mesma, mas de participar do plano divino de Salvação. Essa Salvação não pode ficar restrita ao íntimo, mas deve se manifestar em cada pessoa e nos grupos e estruturas sociais:

Renunciai à vida passada, despojai-vos do homem velho, corrompido pelas concupiscências enganadoras. Renovai sem cessar o sentimento da vossa alma, e revesti-vos do homem novo, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade. Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor: comportai-vos como verdadeiras luzes. (Ef 4,22-24.5,8)

Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 13-17

COMPÊNDIO DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA

INTRODUÇÃO

UM HUMANISMO INTEGRAL E SOLIDÁRIO

c) Ao serviço da verdade plena sobre o homem

13 Este Documento é um ato de serviço da Igreja às mulheres e aos homens do nosso tempo, aos quais oferece o patrimônio de sua doutrina social, segundo aquele estilo de diálogo com o qual o próprio Deus, no Seu Filho Unigênito feito homem, «fala aos homens como a amigos (cf. Ex 33, 11; Jo 15, 14-15) e conversa com eles (cf. Bar 3, 38)»[Dei verbum, 2]. Inspirado na Constituição pastoral Gaudium et spes, também este documento põe como linha mestra de toda a exposição o homem, aquele « homem considerado na sua unidade e na sua totalidade, o homem, corpo e alma, coração e consciência, pensamento e vontade»[Gaudium et spes, 3]. Na perspectiva delineada, «nenhuma ambição terrena move a Igreja; ela tem em vista um só fim: continuar, sob o impulso do Espírito Santo, a obra do próprio Cristo que veio ao mundo para dar testemunho da verdade, para salvar e não para condenar, para servir e não para ser servido»[Gaudium et spes, 3].

14 Com o presente documento a Igreja entende oferecer um contributo de verdade à questão do lugar do homem na natureza e na sociedade, afrontada pelas civilizações e culturas em que se manifesta a sabedoria da humanidade. Mergulhando as raízes num passado não raro milenar, estas se manifestam nas formas da religião, da filosofia e do gênio poético de todo o tempo e de cada povo, oferecendo interpretações do universo e da convivência humana e procurando dar um sentido à existência e ao mistério que a envolve. Quem sou eu? Por que a presença da dor, do mal, da morte, malgrado todo o progresso? A que aproveitam tantas conquistas alcançadas se o seu preço não raro é insuportável? O que haverá após esta vida? Estas perguntas fundamentais caracterizam o percurso do viver humano[Gaudium et spes, 10]. Pode-se, a propósito, recordar a admonição «Conhece-te a ti mesmo», esculpida na arquitrave do templo de Delfos, que está a testemunhar a verdade basilar segundo a qual o homem, chamado a distinguir-se entre todas as criaturas, se qualifica como homem justo enquanto constitutivamente orientado a conhecer-se a si mesmo.

15 A orientação que se dá à existência, à convivência social e à história dependem, em grande parte, das respostas dadas a estas questões sobre o lugar do homem na natureza e na sociedade, às quais o presente documento entende dar o seu contributo. O significado profundo do existir humano, com efeito, se revela na livre busca da verdade, capaz de oferecer direção e plenitude à vida, busca à qual tais questões solicitam incessantemente a inteligência e a vontade do homem. Elas exprimem a natureza humana no seu nível mais alto, porque empenham a pessoa em uma resposta que mede a profundidade do seu compromisso com a própria existência. Trata-se, ademais, de interrogações essencialmente religiosas: «quando o porquê das coisas é indagado a fundo em busca da resposta última e mais exaustiva, então a razão humana atinge o seu ápice e se abre à religiosidade. Com efeito, a religiosidade representa a expressão mais elevada da pessoa humana, porque é o ápice da sua natureza racional. Brota da profunda aspiração do homem à verdade, e está na base da busca livre e pessoal que ele faz do divino»[João Paulo II, Alocução na Audiência Geral (19 de Outubro de 1983), 2].

16 As interrogações radicais, que acompanham desde os inícios o caminho dos homens, adquirem, no nosso tempo, ainda maior significância, pela vastidão dos desafios, pela novidade dos cenários, pelas opções decisivas que as atuais gerações são chamadas a efetuar.

O primeiro dentre os maiores desafios, frente aos quais a humanidade se encontra, é o da verdade mesma do ser-homem. O confim e a relação entre natureza, técnica e moral são questões que interpelam decisivamente a responsabilidade pessoal e coletiva em vista dos comportamentos que se devem ter, em face daquilo que o homem é, do que pode fazer e do que deve ser. Um segundo desafio é posto pela compreensão e pela gestão do pluralismo e das diferenças em todos os níveis: de pensamento, de opção moral, de cultura, de adesão religiosa, de filosofia do progresso humano e social. O terceiro desafio é a globalização, que tem um significado mais amplo e profundo do que o simplesmente econômico, pois que se abriu na história uma nova época, que concerne ao destino da humanidade.

17 Os discípulos de Jesus sentem-se envolvidos por estas interrogações, levam-nas eles mesmos no coração e querem empenhar-se, juntamente com todos os homens, na busca da verdade e do sentido da existência pessoal e social. Para tal busca contribuem com o seu generoso testemunho do dom que a humanidade recebeu: Deus dirigiu-lhe Sua Palavra no curso da história, antes, Ele mesmo entrou na história para dialogar com a humanidade e revelar-lhe o Seu desígnio de salvação, de justiça e de fraternidade. Em Seu Filho, Jesus Cristo, feito homem, Deus nos libertou do pecado e nos indicou o Caminho a percorrer e a meta à qual tender.

Nesse trecho, o Compêndio da Doutrina Social da Igreja estabelece as bases sobre as quais dialogar com homens e mulheres de todas as realidades religiosas e eclesiais: a verdade. A verdade é o dom supremo de Deus, que se deu a conhecer em Jesus Cristo, e que o homem persegue desde os primórdios. Sua busca radical leva à religião, ainda mais frente ao progresso científico-tecnológico que não foi capaz de vencer o mal, que persiste no mundo. Nosso contexto é de se precisar redescobrir o homem, compreender e lidar com as diferenças individuais e coletivas, e levar a globalização à solidariedade, não apenas ao comércio.

Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 10-12

COMPÊNDIO DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA

INTRODUÇÃO

UM HUMANISMO INTEGRAL E SOLIDÁRIO

b) O significado do documento

10 O documento apresenta-se como um instrumento para o discernimento moral e pastoral dos complexos eventos que caracterizam o nosso tempo; como um guia para inspirar, assim no plano individual como no coletivo, comportamentos e opções que permitam a todos os homens olhar para o futuro com confiança e esperança; como um subsídio para os fiéis sobre o ensinamento da moral social. Dele pode derivar um novo compromisso capaz de responder às exigências do nosso tempo e proporcionado às necessidades e aos recursos do homem, mas sobretudo o anelo de valorizar mediante novas formas a vocação própria dos vários carismas eclesiais com vista à evangelização do social, porque « todos os membros da Igreja participam na sua dimensão secular»[Christifideles laici, 15]. O texto é proposto, enfim, como motivo de diálogo com todos aqueles que desejam sinceramente o bem do homem.

11 Os primeiros destinatários deste Documento são os Bispos, que encontrarão as formas mais adequadas para a sua difusão e correta interpretação. Pertence, com efeito, ao seu « munus docendi » ensinar que «as próprias coisas terrenas e as humanas instituições se destinam também, segundo os planos de Deus Criador, à salvação dos homens, e podem por isso contribuir imenso para a edificação do Corpo de Cristo »[Christus Dominus, 12]. Os sacerdotes, os religiosos e as religiosas e, em geral, os formadores nele encontrarão um guia seguro para o ensinamento e um instrumento de serviço pastoral. Os fiéis leigos, que buscam o Reino de Deus «ocupando-se das coisas temporais e ordenando-as segundo Deus »[ Lumen gentium, 31], nele encontrarão luzes para o seu específico compromisso. As comunidades cristãs poderão utilizar este documento para analisar objetivamente as situações, esclarecê-las à luz das palavras imutáveis do Evangelho, haurir princípios de reflexão, critérios de julgamento e orientações para a ação[Octogésima adveniens, 4].

12 Este documento é proposto também aos irmãos de outras Igrejas e Comunidades Eclesiais, aos sequazes de outras religiões, bem como a quantos, homens e mulheres de boa vontade, se empenham em servir o bem comum: queiram-no acolher como o fruto de uma experiência humana universal, constelada de inumeráveis sinais da presença do Espírito de Deus. É um tesouro de coisas novas e antigas (cf. Mt 13, 52), que a Igreja quer compartilhar, para agradecer a Deus, de quem provêm « toda dádiva boa e todo o dom perfeito » (Tg 1, 17). È um sinal de esperança o fato de que hoje as religiões e as culturas manifestem disponibilidade ao diálogo e advirtam a urgência de unir os próprios esforços para favorecer a justiça, a fraternidade, a paz e o crescimento da pessoa humana.

A Igreja Católica une em particular o próprio empenho ao esforço em campo social das demais Igrejas e Comunidades Eclesiais, tanto na reflexão doutrinal como em campo prático. Juntamente com elas, a Igreja Católica está convencida de que do patrimônio comum dos ensinamentos sociais guardados pela tradição viva do povo de Deus derivem estímulos e orientações para uma colaboração cada vez mais estreita na promoção da justiça e da paz[Gaudium et spes, 92].

O Compêndio da Doutrina Social da Igreja, em que pese ser destinado primeiramente aos membros da própria Igreja Católica, inclusive enquanto instituição visível, se destina ao diálogo e à cooperação com outras igrejas cristãs, seguidores de outras religiões e todas as pessoas de boa vontade. Nesse mundo tenebroso (Ef 6,12), é um esperança no destino terreno do homem. Devemos buscar que o Reino de Deus se realize nesta terra, ainda que não se manifeste em toda a sua glória, que é do mundo que virá (v. IJo 3). Para isto, é também “sinal de esperança o fato de que hoje as religiões e as culturas manifestem disponibilidade ao diálogo e advirtam a urgência de unir os próprios esforços para favorecer a justiça, a fraternidade, a paz e o crescimento da pessoa humana.”

Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 7-9

COMPÊNDIO DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA

INTRODUÇÃO

UM HUMANISMO INTEGRAL E SOLIDÁRIO

b) O significado do documento

7O cristão sabe poder encontrar na doutrina social da Igreja os princípios de reflexão, os critérios de julgamento e as diretrizes de ação donde partir para promover esse humanismo integral e solidário.Difundir tal doutrina constitui, portanto, uma autêntica prioridade pastoral, de modo que as pessoas, por ela iluminadas, se tornem capazes de interpretar a realidade de hoje e de procurar caminhos apropriados para a ação: « O ensino e a difusão da doutrina social fazem parte da missão evangelizadora da Igreja »[Sollicitudo rei socialis, 41].

Nesta perspectiva, pareceu muito útil a publicação de um documento que ilustrasseas linhas fundamentais da doutrina social da Igreja e a relação que há entre esta doutrina e a nova evangelização[Ecclesia in America, 54]. O Pontifício Conselho da Justiça e da Paz, que o elaborou e assume plena responsabilidade por ele, se valeu para tal fim de uma ampla consulta, envolvendo os seus Membros e Consultores, alguns Dicastérios da Cúria Romana, Conferências Episcopais de vários países, Bispos e peritos nas questões tratadas.

8Este Documento entende apresentar de maneira abrangente e orgânica, se bem que sinteticamente, o ensinamento social da Igreja, fruto da sapiente reflexão magisterial e expressão do constante empenho da Igreja na fidelidade à Graça da salvação de Cristo e na amorosa solicitude pela sorte da humanidade. Os aspectos teológicos, filosóficos, morais, culturais e pastorais mais relevantes deste ensinamento são aqui organicamente evocados em relação às questões sociais. Destarte é testemunhada a fecundidade do encontro entre o Evangelho e os problemas com que se depara o homem no seu caminho histórico.

No estudo do Compêndio será importante levar em conta que as citações dos textos do Magistério são extraídas de documentos de vário grau de autoridade. Ao lado dos documentos conciliares e das encíclicas, figuram também discursos Pontifícios ou documentos elaborados pelos Dicastérios da Santa Sé. Como se sabe, mas é oportuno realçá-lo, o leitor deve estar consciente de que se trata de níveis distintos de ensinamento. O documento, que se limita a oferecer uma exposição das linhas fundamentais da doutrina social, deixa às Conferências Episcopais a responsabilidade de fazer as oportunas aplicações requeridas pelas diversas situações locais[Ecclesia in America, 54].

9 O documento oferece um quadro abrangente das linhas fundamentais do «corpus» doutrinal do ensinamento social católico. Tal quadro consente afrontar adequadamente as questões sociais do nosso tempo, que é mister enfrentar com uma adequada visão de conjunto, porque se caracterizam como questões cada vez mais interconexas, que se condicionam reciprocamente e que sempre mais dizem respeito a toda a família humana. A exposição dos princípios da doutrina social da Igreja entende sugerir um método orgânico na busca de soluções aos problemas, de sorte que o discernimento, o juízo e as opções sejam mais consentâneas com a realidade e a solidariedade e a esperança possam incidir com eficácia também nas complexas situações hodiernas. Os princípios, efetivamente, se evocam e iluminam uns aos outros, na medida em que exprimem a antropologia cristã[Centesimus annus, 55], fruto da Revelação do amor que Deus tem para com a pessoa humana. Tenha-se, entretanto, na devida consideração que o transcurso do tempo e a mudança dos contextos sociais requererão constantes e atualizadas reflexões sobre os vários argumentos aqui expostos, para interpretar os novos sinais dos tempos.

Como se vê, a Igreja não pretende, com o compêndio de sua doutrina social, ditar que o cristão deve votar ou apoiar tal ou qual partido, ou mesmo tal ou qual tese sobre as questões seculares. Ela apresenta, isto sim, subsídios de forma organizada para tratar “questões cada vez mais interconexas, que se condicionam reciprocamente e que sempre mais dizem respeito à família humana”, isto é, à sociedade. Assim, muitas vezes restará espaço para dissenção entre os cristãos, e isso até mesmo porque cada um recebe do Espírito Santo aquilo que lhe convém (1Cor 12,4-27). Por vezes, a ênfase de um em uma questão e a de outro, em outra, são devidas a diferentes maneiras de abordar o mesmo Evangelho. Isso não deve dar margem ao relativismo, a achar que qualquer coisa vale em nome do “carisma”. Ao contrário, visões diferentes devem nos ajudar a discernir quem e quais propostas melhor se aproximam do candidato “ideal”. Somos homens e mulheres. Não conhecemos o futuro, nem as intenções por trás das palavras. Não podemos, por nós mesmos, fazer a escolha ideal. Mas, temos que fazer o possível para, à luz do Evangelho, buscar a realização do Reino de Deus. E rezar, rezar e rezar.