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IPEA divulga ambiguamente dados ambíguos

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), uma autarquia do governo federal, divulgou dados ambíguos sobre o mercado de trabalho: houve queda nas demissões de trabalhadores com carteira assinada, mas aumento expressivo dos “trabalhadores de aplicativos” (9,7% ao ano) – em outras palavras, há relativa estagnação da situação de ocupação dos trabalhadores, exceto pela crescente uberização. Até aí, é o trabalho normal do IPEA. O problema foi a forma enganosa de divulgar a informação: fotos de entregadores de aplicativos com a legenda “País registra maior retenção de trabalhadores no mercado formal”. Veja as postagens e tire suas próprias conclusões sobre a maneira de divulgar:

Infelizmente, é o mesmo instituto que tem tentado dar ares de necessidade imperiosa ao desmonte dos serviços públicos pelas propostas de emenda à Constituição enviadas pelo governo em nome da austeridade fiscal a qualquer custo. Antes, o IPEA fazia estudos sobre como fazer crescer e desenvolver o país.

Nova batalha sobre a maioridade penal

Deve ser votada hoje (30), no plenário da Câmara dos Deputados, a PEC 171/1993, proposta de emenda à Constituição que tenta reduzir para 16 anos a maioridade penal. Hoje, dos 12 aos 17 anos o adolescente pode sofrer somente as sanções previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), chamadas “medidas socioeducativas”. A Igreja Católica e a Unicef são contrárias à redução, e um estudo recente do IPEA demonstrou as possibilidades de reeducação presentes na atual legislação, ainda não completamente implementada, e como o poder judiciário vem preferindo a mera punição do jovem infrator.

Adolescentes infratores no antigo Centro de Atendimento Juvenil Especializado (CAJE), em Brasília. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Adolescentes infratores no antigo Centro de Atendimento Juvenil Especializado (CAJE), em Brasília. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Segundo o estudo do IPEA, na atual legislação “não há isenção da responsabilização face ao ato infracional praticado, uma vez que as medidas socioeducativas são as sanções aplicadas quando a contravenção é praticada por adolescentes. Entretanto, seu caráter pedagógico busca criar condições para a construção/reconstrução de projetos de vida que visem à ruptura com a prática do ato infracional por parte de adolescentes e jovens.”

Para a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), “a comoção não é boa conselheira e, nesse caso, pode levar a decisões equivocadas com danos irreparáveis para muitas crianças e adolescentes, incidindo diretamente nas famílias e na sociedade. O caminho para pôr fim à condenável violência praticada por adolescentes passa, antes de tudo, por ações preventivas como educação de qualidade, em tempo integral; combate sistemático ao tráfico de drogas; proteção à família; criação, por parte dos poderes públicos e de nossas comunidades eclesiais, de espaços de convivência, visando a ocupação e a inclusão social de adolescentes e jovens por meio de lazer sadio e atividades educativas; reafirmação de valores como o amor, o perdão, a reconciliação, a responsabilidade e a paz.”

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) faz parte da campanha contra a redução da maioridade. Em vídeo divulgado no Youtube, a Unicef diz que “A solução para o problema da violência no país é criar oportunidades para que os adolescentes possam desenvolver seus talentos, realizar seus sonhos, mas sem praticar delitos.” E acrescenta: “redução não é a solução”.

Discussão na Câmara dos Deputados

Na Câmara, o relator da proposta, Laerte Bessa (PR-DF), está irredutível. “Não tem negociação alguma”, disse ele. Já o ministro da justiça, José Eduardo Cardozo, deve ir hoje debater o assunto na CPI da Violência contra Jovens Negros e Pobres. O líder do PT na Câmara, deputado Sibá Machado (AC), por sua vez, alerta que a redução da maioridade penal poderia reduzir também outras idades, como a de dirigir. Para ele, “os agenciadores de pedofilia também poderão antecipar suas ações em dois anos suas ações”.

Grupos contra a  PEC da redução da maioridade penal estão acampados  em frente ao Congresso Nacional. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Grupos contra a PEC da redução da maioridade penal estão acampados em frente ao Congresso Nacional. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

No Salão Verde da Câmara dos Deputados deverá acontecer ainda uma entrevista coletiva com o ministro da Secretaria Nacional de Direitos Humanos (Pepe Vargas), uma consultora da Unicef (Casimira Benge) e representantes da CNBB. Esperam convencer deputados que ainda estão indecisos.

Por todo o dia de hoje, manifestantes em Brasília se mostraram contrários à redução da maioridade penal. Alguns acamparam no gramado em frente ao Congresso Nacional.

CNBB é contra a redução da maioridade penal

Após a aprovação da redução da maioridade penal pela comissão especial da Câmara dos Deputados que analisava a matéria (PEC 171/1993), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) reiterou seu posicionamento contrário à medida. “Poderá haver um ‘efeito dominó’ fazendo com que algumas violações aos direitos da criança e do adolescente deixem de ser crimes como a venda de bebida alcoólica, abusos sexuais, dentre outras” – diz a nota.

Cartaz
Cartaz da Pastoral da Juventude da CNBB contra a redução da maioridade penal.

Para o relator da PEC 171/1993, Laerte Bessa (PR-DF), a redução vem responder a um “clamor” da sociedade gerado pela eventual cometimento de crimes hediondos. A nota da CNBB, porém, adota um tom mais conseqüente:

A comoção não é boa conselheira e, nesse caso, pode levar a decisões equivocadas com danos irreparáveis para muitas crianças e adolescentes, incidindo diretamente nas famílias e na sociedade. O caminho para pôr fim à condenável violência praticada por adolescentes passa, antes de tudo, por ações preventivas como educação de qualidade, em tempo integral; combate sistemático ao tráfico de drogas; proteção à família; criação, por parte dos poderes públicos e de nossas comunidades eclesiais, de espaços de convivência, visando a ocupação e a inclusão social de adolescentes e jovens por meio de lazer sadio e atividades educativas; reafirmação de valores como o amor, o perdão, a reconciliação, a responsabilidade e a paz.

Deputados comemoram aprovação da redução da maioridade penal.
Deputados comemoram aprovação da redução da maioridade penal, apesar de o povo ter sido impedido de assistir à seção. (Foto: Alex Ferreira/Câmara dos Deputados)

Após aprovar por 21 votos a 6 a redução da maioridade penal para crimes hediondos (anteontem, 17), a Câmara dos Deputados deverá votar a proposta em plenário em primeiro turno no dia 30. A população ficou do lado de fora da sala onde ocorreu a votação na comissão especial. No dia anterior (16), o IPEA divulgara estudo que demonstra os erros do relatório favorável à redução da maioridade, agora aprovado.

O povo ficou fora da discussão da PEC 171/1993, que prevê a redução da maioridade penal. Na foto, o espaço em que ficaram confinados os manifestantes, em um corredor da Câmara dos Deputados. (Foto: Alex Ferreira/Câmara dos Deputados)
O povo ficou fora da discussão da PEC 171/1993, que prevê a redução da maioridade penal. Na foto, o espaço em que ficaram confinados os manifestantes, em um corredor da Câmara dos Deputados. (Foto: Alex Ferreira/Câmara dos Deputados)

Partidos que orientaram os deputados a votar pela redução da maioridade penal: PMDB, PSDB, DEM, PR, PP e PTB.

Partidos que orientaram os deputados a votar pela manutenção da idade atual (e punição conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente): PT, PSB, PPS, PDT e PCdoB.

Agenda de Eduardo Cunha

A atividade legislativa da Câmara dos Deputados tem sido marcada pelos interesses de seu presidente, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O primeiro projeto que ele fez passar foi o que estendia a terceirização às atividades-fim das empresas, depois uma reforma política originada na própria Câmara (cuja votação foi encerrada dia 17). Agora, a redução da maioridade penal, e, como já foi anunciado, em breve a proibição de que municípios recebam encargos sem que se especifique uma transferência de recursos correspondente.

(Com agradecimento a Últimas da Redação)

Punição de adolescentes é exagerada no Brasil, diz estudo

A aplicação de medidas restritivas de liberdade para adolescentes entre 16 e 18 anos no Brasil tem sido exagerada, diz estudo divulgado ontem (16) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Segundo se apurou, apenas 3,2 mil adolescentes cometeram delitos que poderiam levar à internação ou ao regime de semiliberdade. O número contraria o relatório do deputado Laerte Bessa (PR-DF), que afirmou que só não haveria mais adolescentes internados no país por falta de vagas. Atualmente há 15,2 mil adolescentes internados pelo cometimento de atos ilícitos. “Se essa orientação [do Estatuto da Criança e do Adolescente] fosse cumprida, em 2013, por exemplo, os adolescentes internos, privados de liberdade no Brasil, seriam cerca de 3,2 mil – Homicídios (2,2 mil); latrocínio (485); estupro (288); e lesão corporal (237) – e não 15,2 mil (64%), como é na realidade”, diz o IPEA.

Nota técnica do IPEA sobre o adolescente em conflito com a lei e o debate sobre a redução da maioridade penal.
Nota técnica do IPEA sobre o adolescente em conflito com a lei e o debate sobre a redução da maioridade penal.

O mesmo estudo demonstrou que os estabelecimentos onde os adolescentes são internados se assemelham às prisões, mesmo nos piores aspectos, como a superlotação (superior a 300%) e a falta de separação entre os internados provisória ou definitivamente, ou ainda segundo a gravidade do delito. A cada quatro meses, dez adolescentes morrem no sistema “socioeducativo”.

Por outro lado o mesmo estudo aponta para outra solução, que leva em consideração a lei e as peculiaridades dessa faixa etária: as medidas socioeducativas em meio aberto, especialmente a liberdade assistida (LA) e a prestação de serviços comunitários, apoiando-se no recém-estruturado Sistema Único de Assistência Social (SUAS, criado em 2012). “A medida socioeducativa de LA tem como objetivo o acompanhamento, o auxílio e a orientação do adolescente para evitar que esse cometa novamente o ato infracional. Para a execução da LA a autoridade judicial designará pessoa capacitada para acompanhar o caso, a qual poderá ser recomendada por entidade ou programa de atendimento. O prazo mínimo da medida é de seis meses, podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, após consulta ao orientador, ao Ministério Público e ao defensor público.”

Outro aspecto positivo da aplicação de medidas socioeducativas no âmbito do SUAS é a ressignificação de valores: “Desse modo, não há isenção da responsabilização face ao ato infracional praticado, uma vez que as medidas socioeducativas são as sanções aplicadas quando a contravenção é praticada por adolescentes. Entretanto, seu caráter pedagógico busca criar condições para a construção/reconstrução de projetos de vida que visem à ruptura com a prática do ato infracional por parte de adolescentes e jovens.” Essas ações atingem não apenas os adolescentes infratores, mas também suas famílias.

Cartaz
Cartaz da Pastoral da Juventude da CNBB contra a redução da maioridade penal.

Finalmente, muito dos conflitos de adolescentes com a lei tem como origem a desesperança, a falta de perspectiva de um futuro melhor e de confiança nas instituições. “As discussões sobre a redução da maioridade penal, em geral, passam ao largo de suas causas e desviam o foco das questões que são discutidas nesse trabalho. A aplicação correta dos princípios do ECA e do SINASE [Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo] no tocante à execução das medidas socioeducativas é apenas uma das questões a serem enfrentadas com urgência. Outra é a necessidade de se encontrar mecanismos de trazer para a escola e para a qualificação de postos de trabalho decente milhares de meninos e meninas de 15 a 17, devolvendo a esperança de que a mobilidade social pode ser feita pelo caminho lícito da ampliação da escolarização, da qualificação e, fundamentalmente, da cidadania.”