Dom Raymundo Damasceno: sim à reforma política, não à ditadura e ao impeachment

O cardeal arcebispo de Aparecida (SP), Dom Raymundo Damasceno Assis, concedeu recente entrevista ao Diário de Pernambuco, na qual esclarece diversas questões, mas especialmente se posiciona em relação às questões políticas levantadas por diferentes setores da sociedade.

A entrevista, publicada dia 23, começa pela reafirmação, pelo cardeal, de que a comunhão para divorciados que contraiam uma segunda união continuará vetada, a menos que obtenham a declaração, em um tribunal eclesiástico, de que a primeira união era nula. “Teremos que ver caso a caso. Certamente, o sínodo [dos bispos sobre a família] não tomará nenhuma decisão de caráter genérico”, declarou.

Sobre a corrupção, o cardeal afirmou:

Corrupção sempre existiu em toda parte. E continuará existindo porque faz parte da pecaminosidade da humanidade, mas isso não justifica aceitá-la. Temos que combatê-la rigorosamente e com muita severidade através dos instrumentos que o estado dispõe: a polícia, o Judiciário, o próprio Congresso Nacional. Nos opomos à corrupção, pois é uma das formas de injustiça, sobretudo no campo social.

Sobre o momento atual, disse que “vivemos uma crise moral e ética, mas as crises não devem ser vistas como momento negativo. Podem ser o momento oportuno para a gestação de algo novo, de renovação, de purificação.” Um caminho de conversão, portanto. E aponta um instrumento fundamental para percorrer esse caminho:

A CNBB, conjuntamente com um grande número de entidades da sociedade civil organizada, elaborou uma proposta de reforma que pessoas estão confundindo como uma proposta do PT e de cunho bolivariano. Nada disso. É uma proposta com o apoio de vários partidos e com ela queremos provocar um debate na sociedade. Como vemos na Lava-Jato, é muito dinheiro que correu e corre nas campanhas eleitorais e que facilita a corrupção.

E ele também esclareceu que são quatro os pontos-chave dessa reforma:

  1. Financiamento público das campanhas (com o impedimento de empresas financiarem as campanhas eleitorais).
  2. Maior representação das mulheres, que são a maioria do eleitorado, mas com pouca representatividade nos cargos públicos.
  3. Regulamentação dos instrumentos constitucionais de democracia direta (plebiscito, referendo e projetos de lei de iniciativa popular).
  4. Votação em dois turnos para deputados e vereadores. “Primeiro, a votação no partido e no projeto. Depois, nos candidatos, apresentados em lista pelos partidos.”

Cabe lembrar que hoje o eleitor vota no candidato a vereador ou deputado, mas o voto é computado para o partido ou coligação.

Também a questão de que alguns grupos promovem um golpe militar foi abordada. Dom Raymundo foi taxativo: “É preferível a pior democracia à melhor das ditaduras. […] Não queremos ditadura nem golpe militar.” E prosseguiu:

Creio que isso não está em questão nem para os militares nem para a maioria da sociedade. Quem fez essa experiência não quer repetir. E para o impeachment não há motivo e fundamento, como afirmou o Supremo Tribunal Federal. Não há motivo para que seja iniciado um processo de impeachment. Por enquanto, a presidente está exercendo o mandato e parece não haver nenhum fato que a comprometa do ponto de vista ético e moral. Nesse momento é fundamental o diálogo.

Ao final, foi abordada a campanha da fraternidade 2015, que traz o lema “Eu vim para servir” (Mc 10,45). “A missão da Igreja é servir, a exemplo de Jesus Cristo”, disse ele. E prosseguiu: “E esse serviço deve ser prestado pelo leigo porque ele é a presença da Igreja no coração do mundo. Ele deve fazer da sua profissão, do seu trabalho um serviço aos outros. E mais ainda na política. O papa Paulo VI dizia que a política é uma das formas mais sublimes da caridade.”

(Clique aqui para ler a entrevista completa. Foto de destaque: Wilson Dias/ABr)

Islamismo: chegou a vez das teólogas, um antídoto para o extremismo

Embed from Getty Images Mulher lendo o Corão. As mulheres dão sua contribuição à teologia muçulmana, um antídoto contra o extremismo.
Em um mundo amedrontado pelo fundamentalismo de certos grupos islamistas, esta entrevista é como uma brisa suave a nos alentar. Shahrzad Houshmand Zadeh, iraniana, estudou teologia islâmica em Qom e Teerã. Graduou-se em teologia católica na Faculdade de Teologia de Reggio Calabria (Itália). Hoje é professora de estudos islâmicos na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma. Confira a tradução da entrevista publicada no Vatican Insider:

Chegou a vez das teólogas islâmicas, elas são um antídoto para o extremismo

Em uma entrevista para a revista Mondo e Missione, a teóloga iraniana Shahrzad Houshmand lamentou o fato de que o fundamentalismo é alimentado pela ignorância. Chegou a hora de ler o Corão com um novo olhar. E as mulheres jogam um papel decisivo nisso.

Gerolamo Fazzini
Milão

Embed from Getty Images Dos 6.000 versos do Corão, menos de 10 podem ser interpretados como justificação da violência.”
“Dos 6.000 versos do Corão, menos de 10 podem ser interpretados como justificação da violência. E há ainda aqueles que se aproveitam da ignorância dos fiéis, torcendo essas poucas linhas para persuadi-los a fazer o mal.” O EIIS [NT: “Estado Islâmico do Iraque e da Síria”] (e as milhares de outras formas de extremismo islamista que existem) deve, portanto, ser combatido com as armas da teologia e da cultura.

A teóloga iraniana Shahrzad Houshmand acredita vigorosamente, e expõe suas idéias em uma entrevista com Chiara Zappa, intitulada Il Corano riletto dalle donne (“O Corão relido pelas mulheres”), publicada na última edição da revista missionária italiana Mondo e Missione.

“Como muitas de suas colegas ao redor do mundo, essa teóloga muçulmana é a um só tempo a contraprova da subalternidade das mulheres na religião muçulmana e uma figura chave no processo de reinterpretação do Corão de um ponto de vista feminino — com uma visão feminina da fé e do mundo — com o objetivo de ler os preceitos e tradições dos textos sagrados dentro do contexto dos desafios atuais.”

Teóloga e professora de estudos islâmicos na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, Shahrzad Houshmand Zadeh estudou teologia islâmica em Qom e Teerã. Na Itália, graduou-se em teologia católica na Faculdade de Teologia de Reggio Calabria (sul da Itália). Mãe de três filhos, sempre esteve engajada no campo do diálogo islâmico-cristão. Ela é cofundadora e presidente de uma associação chamada “Donne per la dignità” (“Mulheres pela dignidade”) e trabalhou no Centro Interconfessional pela Paz (CIPAX) de Roma desde 2005.

Referindo-se aos dramáticos eventos recentes — a Nigéria sitiada pelo Boko Haram, o Oriente Médio abalado pela presença do EIIS, e a Europa ferida pelo terrorismo —, a teóloga explicou: “Estamos passando por um momento negro, com eventos que nos pegam desprevenidos, mas o Corão nos lembra que onde há dificuldade, há sempre oportunidade para uma mudança positiva.”

Embed from Getty Images Escola paquistanesa
Quando perguntada sobre o porquê de algumas partes do Corão serem usadas para tornar a violência aceitável como uma medida extrema, Houshmand respondeu mencionando o exemplo do Paquistão, a terra natal de Malala Yousafzai, prêmio Nobel da paz. “Lá o governo retirou recursos da educação estatal, abrindo a porta para escolas privadas que são muitas vezes escolas corânicas financiadas do exterior (e deveríamos verificar quem as financia…). Nelas, o foco é memorizar o Corão, sem uma leitura informada e responsável, em parte porque o árabe não é a língua-pátria dos alunos. Isso significa que a interpretação dos versos será prerrogativa de uns poucos, enquanto as massas estarão abertas à manipulação.” A ignorância sobre o texto sagrado se torna assim a premissa para uma doutrinação forçada e freqüentemente leva ao extremismo.

A teóloga iraniana contesta veementemente as alegações de que o Islã ainda não teria aceitado a idéia de uma cultura crítica. “O texto sagrado afirma que o conhecimento é o principal critério que determina a supremacia do ser humano”, disse ela. “Uma religião assim necessariamente contempla a crítica! E a história da civilização islâmica prova isso. Hoje, paralelo aos contextos de obscurantismo, existem muitos exemplos de pensadores no mundo islâmico que analisam a doutrina de maneira crítica.”

Como uma mulher comprometida em ressaltar a natureza particular da contribuição feminina, Houshmand adicionou que há numerosas teólogas que hoje se autodenominam “feministas muçulmanas”, do Irã ao Marrocos, da Tunísia à Indonésia e à Europa. “Havia uma forte presença feminina na vida do próprio profeta Maomé”, ressaltou. A questão é que, no decorrer do tempo, “o mesmo mecanismo que vemos em outras religiões — inclusive o cristianismo — apareceu: os homens ficaram a cargo da interpretação do texto, levando à marginalização das mulheres em diferentes formas e em diferentes extensões. Infelizmente, em séculos recentes, as vozes das mulheres muçulmanas foram caladas à força. Mas agora as teólogas estão voltando à cena. E o trabalho delas está se tornando influente em países como o Marrocos, a Tunísia e o Egito…”

Embed from Getty Images Apenas 20% dos muçulmanos são falantes nativos de árabe, a língua do Corão.
Finalmente, quando perguntada se não ser falante nativo de árabe torna um teólogo menos digno de crédito, a professora iraniana disse: “Não podemos esquecer que menos de 20% dos muçulmanos em todo o mundo falam árabe como sua língua nativa! Enquanto para os teólogos muçulmanos o conhecimento de árabe é essencial para garantir uma correta interpretação dos textos sagrados, o conteúdo pode ser comunicado em qualquer língua.”