Absurdo demais pra ser ficção

— Alô!

— Alô!

— Pedro, que história é essa?

— Como assim?

— Eu te peço um documentário, e você me vem com essa ficção sem pé, nem cabeça?

— Mas…

— Deixa eu te explicar: ficção não é uma coisa qualquer.

— Fernando…

— Tem que ter uma identificação, um apelo.

— Sim, mas…

— Sabe, tem que tocar a realidade do expectador. Um filme de ficção…

— Fernando!

— Pedro, não insiste, ficção tem que ter uma conexão, tem que parecer real.

— Eu sei!

— Verossimilhança, que chama.

— Mas…

— Se você coloca qualquer coisa que aparece na sua cabeça, o expectador não vai passar nem 5 minutos assistindo esse longa-metragem que você me entregou.

— Fernando!

— Você me vem com essa ficção de patriota com bandeira dos Estados Unidos e de Israel, de cristão dizendo que judeu segue Jesus?

— Fernando, isso não é um longa de ficção. É um documentário! E você nem viu até a parte em que o patriotário pede pro Trump intervir no Brasil.

Pelo país, neste domingo (7), Grito dos Excluídos ecoa democracia, soberania e defesa da natureza

Neste domingo, Sete de Setembro, o tradicional Grito dos Excluídos e Excluídas tomou as ruas de dezenas de cidades do Brasil em sua 31º edição. Sob o lema “Cuidar da Casa Comum e da Democracia é luta de todo dia”, os atos reuniram movimentos populares, pastorais, povos e comunidades tradicionais, juventudes e militantes em defesa da democracia, meio ambiente e soberania nacional. De acordo com a Secretaria Nacional do Grito, as mobilizações foram realizadas em 25 estados e no Distrito Federal. Apenas o Tocantins não registrou atividades.

edição deste ano relaciona diretamente as crises socioeconômicas e ambientais, como pautas entrelaçadas por justiça social. “O Grito mudou a cara do país nessa data e este ano em que vivemos tempos de grandes desafios: a investida do capital financeiro e da extrema direita, o avanço do imperialismo contra a soberania nacional, a devastação ambiental… nos conclama a cuidar da Casa Comum e da Democracia”, explica Dani Hohn, da organização do Grito.

“O sentido mais profundo do grito é dar caráter popular ao 7 de setembro, à Semana da Pátria, nessa data que historicamente é comemorada pelas Forças Armadas e a polícia”, diz Sandra Quintela, da Rede de Brio Sul e da Coordenação Nacional do Grito dos Excluídos.

“Em segundo lugar, destacar a presença massiva hoje nas ruas, em todo o Brasil, gritando que o Brasil é do povo brasileiro e que precisamos de uma nova independência, onde a soberania popular esteja no centro das pautas de luta do nosso país”, completa, ela,

Uma das mensagens mais recorrentes pelo país foi a de “Sem anistia”, reforçando a expressão coletiva contra a anistia aos condenados pela tentativa de golpe de Estado no Brasil. Se aprovado, o projeto de anistia beneficiaria Jair Bolsonaro (PL), que pode ser condenado a até 40 anos de prisão. O julgamento, iniciado em 2 de setembro, deve ser concluído no próximo dia 12.

Outro destaque deste ano foi a articulação com o Plebiscito Popular 2025, que recolhe votos em todo o país sobre a redução da jornada de trabalho sem cortes de salário, o fim da escala 6×1 e a taxação dos super-ricos. Para a organização, essa consulta popular reafirma a necessidade de construir uma democracia enraizada na participação direta da população.

Em São Paulo, organizadores calculam que 30 mil pessoas compareceram ao ato, na manhã deste domingo na Praça da República, no centro da cidade. A mobilização contou com a presença de ministros do governo Lula, como Luiz Marinho, do Emprego e do Trabalho, e Paulo Teixeira, do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, além de deputados federais como Guilherme Boulos (Psol-SP) e Kiko Celeguim, presidente do PT paulista, e a deputada estadual Ediane Maria (Psol).

Os movimentos populares também marcaram presença na Praça da República. O integrante da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Gilmar Mauro, avaliou que a manifestação da esquerda representa a retomada do processo de mobilização popular no país.

“Nós enfrentamos ditadura, governos de direita, pandemia e golpe, e seguimos de pé. A luta de classes não começou conosco nem vai terminar, mas depende da militância para conquistar a soberania plena e verdadeira democracia”, destacou Mauro, convocando o protagonismo popular em algumas das pautas em jogo. “O fundamental é voltarmos às ruas com bandeiras que são decisivas: a defesa da soberania, a taxação dos super-ricos, a justiça tributária, a redução da jornada de trabalho 6×1 e, obviamente, o repúdio à anistia”.

Raimundo Bonfim, coordenador nacional da Central de Movimentos Populares (CMP), um dos organizadores da manifestação, destacou a importância do ato diante de pautas por justiça social na distribuição da riqueza. “Na luta de classes pela taxação dos super-ricos, pela isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil, pela redução da jornada de trabalho. Essa é a luta que cresce a partir da indignação contra os privilégios e contra uma maioria do Congresso que é antipovo e antidemocrática”, afirmou.

De acordo com a organização, neste ano o Grito reafirma seu caráter de processo político-pedagógico e cultural permanente e processual. Com marchas, debates, vigílias inter-religiosas e expressões artísticas, o movimento segue proclamando que a independência só terá sentido com justiça social, soberania e cuidado com a vida. O Grito dos Excluídos nasceu no Brasil em 1995, durante a 2ª Semana Social Brasileira, promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em 1993 e 1994, e inspirado pela Campanha da Fraternidade de 1995: “Fraternidade e Excluídos”. O primeiro ato, em 7 de setembro de 1995, teve como lema “A vida em primeiro lugar” e ecoou em 170 localidades.

Editado por: Daniel Lamir

(Publicado originalmente no Brasil de Fato. Foto em destaque: Ato dos Excluídos em Porto Alegre/Jorge Leão.)

O Evangelho da paz

Nesse momento que vive o Brasil, nada melhor do que a mensagem do apóstolo Paulo:

Ficai alerta, à cintura cingidos com a verdade, o corpo vestido com a couraça da justiça, e os pés calçados de prontidão para anunciar o Evangelho da paz.
Intensificai as vossas invocações e súplicas. Orai em toda circunstância, pelo Espírito, no qual perseverai em intensa vigília de súplica por todos os cristãos. (Ef 6,14-15.18)

Distribuição de renda e desenvolvimento humano na conferência da FAO

A conferência anual da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) foi marcada pelos discursos do ex-presidente Lula e do delegado da Santa Sé, monsenhor Fernando Chica Arellano. Na ocasião, foi reeleito o diretor-geral da organização, o brasileiro José Graziano da Silva. Segundo a Rádio Vaticana, “a reeleição quase unânime de José Graziano da Silva como diretor-geral da FAO demonstrou que os países-membros da  Organização não somente apoiam a gestão de Graziano, como querem a continuidade da expansão das políticas de combate à pobreza que tiraram o Brasil do mapa da fome.”

Distribuição de riquezas

Ex-presidente Lula discursa na abertura da conferência anual da Organização das Nações Unidas sobre Alimentação. (Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula)
Ex-presidente Lula discursa na abertura da conferência anual da Organização das Nações Unidas sobre Agricultura e Alimentação. (Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula)

Em seu discurso, Lula criticou a imprensa brasileira por condenar o repasse de dinheiro às famílias mais pobres, benefício que atinge hoje 54 milhões de pessoas. Para Lula, “o Bolsa-família não substitui o trabalho, complementa a renda para romper o ciclo de pobreza”. Em palestra no domingo na prefeitura de Roma, ele afirmou também que esse processo (um “salto histórico) que levou a mais desenvolvimento e menos desigualdade tornou o país mais respeitado.

Lula também criticou a Europa, que vem perdendo as conquistas sociais conquistadas após a Segunda Guerra Mundial. Isso tem gerado a concentração das riquezas. Nisso ele foi secundado pelo prefeito de Roma, Ignazio Marino, que recordou que nessa cidade a pobreza vem invadindo muitos lares. “Existe a necessidade de políticas que redistribuam a riqueza, não podemos pensar em resolver isso com políticas de consumo”, afirmou Marino.

Desenvolvimento humano

Por outro lado, mais atento às necessidades dos agricultores, Mons. Arellano sustentou que, para que haja um desenvolvimento humano sustentável, é preciso ver o agricultor não apenas como agente econômico, mas também como “pessoa capaz de participar dos processos decisórios e nas opções vinculadas à produção, à conservação e à distribuição dos frutos da terra”. O desenvolvimento humano sustentável, segundo ele, coloca em seu centro a pessoa humana, com suas capacidades reais, suas limitações, particularidades e necessidades, tanto enquanto indivíduos como em família.

Mons. Arellano lembrou ainda que “os famintos não são frias cifras à mercê das estatísticas. Não são entidades teóricas. São pessoas reais que padecem e que, frequentemente, gritam e choram sem que ninguém as escute. São vidas truncadas, que vêm esvaídas suas esperanças e pisoteados seus direitos”

A fala do representante do Vaticano na FAO deu continuidade ao documento Para uma melhor distribuição da terra: o desafio da reforma agrária, do Pontifício Conselho Justiça e Paz, e à encíclica Caritas in veritate, do papa emérito Bento XVI, sobre o desenvolvimento humano integral na caridade e na verdade.

EUA mantém taxa de juros para impulsionar economia

O Federal Reserve (Fed), banco central dos Estados Unidos da América, resolveu, segundo comunicado divulgado ontem (18), manter a taxa básica de juros entre 0 e 0,25%, pois considera necessário continuar a apoiar a retomada da economia norte-americana. Coerente com essa decisão, a expectativa de crescimento da economia estadunidense foi diminuída de cerca de 2,8% para cerca de 2,5% em 2015.

Com essa medida, a cotação do dólar caiu na Europa e as bolsas por lá fecharam em alta. A expectativa de alta dos juros americanos havia alimentado a alta do dólar em todo o mundo, inclusive no Brasil.

Entretanto, o comunicado do Fed deixou de falar em parcimônia para a retomada da política monetária anterior à crise de 2008, ainda não superada. Isso cria no mercado uma expectativa de que os juros possam subir em um futuro próximo.

Visão Católica

Ao contrário do Banco Central do Brasil, que define as taxas de juros unicamente com vistas à inflação, o Fed pesa igualmente o crescimento econômico. Manter os juros elevados faz retrair a economia de duas maneiras, pois encarece o capital necessário para os investimentos e mantém a moeda local valorizada.

No caso do Brasil, isso dificulta a exportação de produtos manufaturados e a criação de empregos industriais. Por outro lado, mantém o país refém dos preços das commodities no mercado internacional. Uma elevação nesses preços, se por um lado aumenta o valor monetário da produção agrícola (influenciando positivamente o PIB), por outro pode aumentar a inflação independente de fatores internos.

Câmbio valorizado e juros altos são uma herança dos primórdios do plano Real, com algumas alterações nos mecanismos que os mantém, mas sempre perseguidos pela política econômica. E são em grande parte responsáveis pela dificuldade em manter um crescimento contínuo do PIB, junto com a crise econômica mundial.

Em um momento em que as políticas de desoneração fiscal têm chegado a um limite, pode ser hora de a política econômica brasileira ser repensada, mas com um viés contrário ao herdado dos governos tucanos.

(Com informações da Agência Brasil. Foto de destaque: Federal Reserve — Wikimedia.)

CNBB: contra impeachment de Dilma

CNBBA Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou nota sobre a situação política atual. O texto afirma que “qualquer resposta […] que atenda ao mercado e aos interesses partidários antes que às necessidades do povo, especialmente dos mais pobres, nega a ética e desvia-se do caminho da justiça.” Durante a apresentação da nota, Dom Leonardo Steiner disse: “Existem regras para se entrar com um pedido inicial de impeachment. Creio que não chegamos a esse nível.”

Veja a íntegra da nota:

Nota da CNBB sobre a realidade atual do Brasil

“Pratica a justiça todos os dias de tua vida e não sigas os caminhos da iniquidade” (Tb 4, 5)

O Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, reunido em Brasília-DF, nos dias 10 a 12 de março de 2015, manifesta sua preocupação diante do delicado momento pelo qual passa o País. O escândalo da corrupção na Petrobras, as recentes medidas de ajuste fiscal adotadas pelo Governo, o aumento da inflação, a crise na relação entre os três Poderes da República e diversas manifestações de insatisfação da população são alguns sinais de uma situação crítica que, negada ou mal administrada, poderá enfraquecer o Estado Democrático de Direito, conquistado com muita luta e sofrimento.

Esta situação clama por medidas urgentes. Qualquer resposta, no entanto, que atenda ao mercado e aos interesses partidários antes que às necessidades do povo, especialmente dos mais pobres, nega a ética e desvia-se do caminho da justiça. Cobrar essa resposta é direito da população, desde que se preserve a ordem democrática e se respeitem as Instituições da comunidade política.

As denúncias de corrupção na gestão do patrimônio público exigem rigorosa apuração dos fatos e responsabilização, perante a lei, de corruptos e corruptores. Enquanto a moralidade pública for olhada com desprezo ou considerada empecilho à busca do poder e do dinheiro, estaremos longe de uma solução para a crise vivida no Brasil. A solução passa também pelo fim do fisiologismo político que alimenta a cobiça insaciável de agentes públicos, comprometidos sobretudo com interesses privados. Urge, ainda, uma reforma política que renove em suas entranhas o sistema em vigor e reoriente a política para sua missão originária de serviço ao bem comum.

Comuns em épocas de crise, as manifestações populares são um direito democrático que deve ser assegurado a todos pelo Estado. O que se espera é que sejam pacíficas. “Nada justifica a violência, a destruição do patrimônio público e privado, o desrespeito e a agressão a pessoas e Instituições, o cerceamento à liberdade de ir e vir, de pensar e agir diferente, que devem ser repudiados com veemência. Quando isso ocorre, negam-se os valores inerentes às manifestações, instalando-se uma incoerência corrosiva, que leva ao seu descrédito” (Nota da CNBB 2013).

Nesta hora delicada e exigente, a CNBB conclama as Instituições e a sociedade brasileira ao diálogo que supera os radicalismos e impede o ódio e a divisão. Na livre manifestação do pensamento, no respeito ao pluralismo e às legítimas diferenças, orientado pela verdade e a justiça, este momento poderá contribuir para a paz social e o fortalecimento das Instituições Democráticas.

Deus, que acompanha seu povo e o assiste em suas necessidades, abençoe o Brasil e dê a todos força e sabedoria para contribuir para a justiça e a paz. Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, interceda pelo povo brasileiro.
Brasília, 12 de março de 2015.

Dom Raymundo Cardeal Damasceno Assis
Arcebispo de Aparecida – SP
Presidente da CNBB

Dom José Belisário da Silva, OFM
Arcebispo de São Luis do Maranhão – MA
Vice Presidente da CNBB

Dom Leonardo Ulrich Steiner, OFM
Bispo Auxiliar de Brasília
Secretário Geral da CNBB

Estados Unidos, Cuba e a verdadeira religião

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Ontem vimos a história acontecer diante de nossos olhos. Estados Unidos da América e Cuba, unidos pelos laços da diplomacia, com a mediação do papa Francisco.

Eis meu Servo que eu amparo, meu eleito ao qual dou toda a minha afeição, faço repousar sobre ele meu espírito, para que leve às nações a verdadeira religião.
Ele não grita, nunca eleva a voz, não clama nas ruas.
Não quebrará o caniço rachado, não extinguirá a mecha que ainda fumega. Anunciará com toda a franqueza a verdadeira religião; não desanimará, nem desfalecerá,
até que tenha estabelecido a verdadeira religião sobre a terra, e até que as ilhas desejem seus ensinamentos.
Eis o que diz o Senhor Deus que criou os céus e os desdobrou, que firmou a terra e toda a sua vegetação, que dá respiração a seus habitantes, e o sopro vital àqueles que pisam o solo:
Eu, o Senhor, chamei-te realmente, eu te segurei pela mão, eu te formei e designei para ser a aliança com os povos, a luz das nações;
para abrir os olhos aos cegos, para tirar do cárcere os prisioneiros e da prisão aqueles que vivem nas trevas. (Is 42,1-7)

Esses são versos do profeta Isaías, aplicados ao Cristo de Deus. Ontem, o papa, vigário de Cristo, os cumpriu.

E o que relações diplomáticas têm a ver com religião? Tudo. “Religião” é palavra de origem latina e tem dois significados. O mais conhecido vem de religare, isto é, religar. A princípio, religar o homem e Deus. Ontem, o que aconteceu foi religar o homem com o homem. Mas, isso não teria sido possível sem o outro significado, que vem de relegere: reler. Esse grande acontecimento, que transformou armas em arados (v. Is 2,4), só foi possível graças à releitura das relações EUA-Cuba. Das antigas bases econômico-políticas, que apenas tinha olhos para o planisfério e as antigas propriedades americanas na ilha, passou-se a bases humanitárias, graças à intervenção do papa Francisco. Os olhos dos mandatários passaram a homens e mulheres que sofrem, especialmente quatro prisioneiros agora libertados. Cuba se abriu para o mundo, e o mundo se abriu para Cuba.

Religião e história brasileira

Isso nos deveria levar a reler também a história brasileira, reler acontecimentos da mesma época que a revolução cubana (1959). Isso teria impactos significativos na nossa política atual, e traria a paz política a nosso país. Os EUA optaram por isolar Cuba, mas não deu certo — apenas levou à radicalização da política cubana. Certos grupos econômicos e políticos optaram por isolar o Partido Trabalhista Brasileiro e os presidentes petebistas Getúlio Vargas (1951-1954) e João Goulart (1961-1964). Alguns cristãos também se envolveram nesse isolamento. O resultado foram 21 anos de ditadura, assassinatos políticos, torturas, exílio, guerra interna. Muitos cristãos foram perseguidos, leigos, religiosos e sacerdotes. Nem mesmo o recém-divulgado relatório da Comissão da Verdade foi capaz de realizar a releitura.

Chegou a hora de abrir os corações, retirar o coração enrijecido pelo ódio e pelo pecado e deixar Deus colocar em nós um coração de carne (Ez 11,19; 36,26), capaz de sentir com o outro, compadecer-se do sofrimento do nosso próximo. Deus veio sentir conosco todo o sofrimento humano e carregá-lo sobre a cruz. Todos sofreram as conseqüências da política de isolamento, e ainda hoje nos isolamos uns dos outros: dividimo-nos entre os que apoiam e os que repudiam a ditadura. Chegou a hora de reconhecermo-nos como irmãos. Chegou a hora de dizermos para o outro: você teve suas razões, você teve seu padecimento. Vamos agora caminhar juntos e realizar a verdadeira religião, pois, “Se alguém pensa ser piedoso, mas não refreia a sua língua e engana o seu coração, então é vã a sua religião. A religião pura e sem mácula aos olhos de Deus e nosso Pai é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições, e conservar-se puro da corrupção deste mundo.” (Tg 1,26s)

Aborto ocorrerá com recursos para saúde da gestante

O texto a seguir foi originalmente redigido para uma agência de notícias católica, mas não foi publicado provavelmente por adotar um tom muito pessoal, mais próximo da crônica que da reportagem. Para que não fique inédito, e para que seja conhecido o tamanho da desfaçatez deste governo, publico-o aqui.

Foi noticiado no Zenit, edição de 25 de maio, que o governo federal tomou um passo a mais na legalização do aborto no Brasil – algo que, durante a campanha eleitoral, a atual presidente negou veementemente vir a fazer em seu mandato. Ao ler isso, não tive dúvidas: fui direto às fontes, saber o que realmente havia acontecido, pois esse é um assunto propenso a boatos. O que vi foi estarrecedor.

Em 2010, a então candidata Dilma Rousseff (PT), face às acusações de ser a favor do aborto, afirmou que nada mudaria na legislação e prometeu criar um programa, o Rede Cegonha, para cuidar de gestantes e bebês de até um ano. Sua campanha também recordou que fora o candidato opositor, José Serra, ministro de Fernando Henrique Cardoso (ambos do PSDB), quem dera uma interpretação torta ao código penal, possibilitando que o aborto fosse realizado quando ocorresse alguma das situações que excluem a aplicação da pena pelo crime. Fê-lo por uma norma técnica em 1999.

Em agosto do ano passado, foi sancionada a lei n.º 12.845/2013, que igualmente chamou a atenção de todos os que defendem a vida. Eu mesmo falei sobre isso na ocasião, mas acreditando que ela só poderia ser usada para promover o abortamento nos casos de uso da chamada “pílula do dia seguinte”, o que é muito grave, mas não é tão extenso quanto o que se fará agora. Já era um crime de lesa-humanidade, mas oculto pela propaganda de tal pílula e sua aceitação por uma sociedade que ignorava sua real ação.

Agora, porém, “fica incluído, na Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses/Próteses e Materiais Especiais do SUS […] o procedimento 04.11.02.006-4 – INTERRUPÇÃO DA GESTAÇÃO/ANTECIPAÇÃO TERAPÊUTICA DO PARTO PREVISTAS EM LEI”. Ele “consiste em procedimento direcionado a mulheres em que a interrupção da gestação é prevista em lei, por ser decorrente de estupro, por acarretar risco de vida para a mulher ou por ser gestação de anencéfalo.” (Diário Oficial da União, 22 de maio de 2014, seção I, p. 61) Ocorre que em nenhum desses casos a lei autoriza o abortamento. O último caso, inclusive, foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, não sendo sequer mencionado em qualquer lei.

Isso tudo seria suficiente para considerar que Dilma traiu seus eleitores ao prometer não alterar a legislação, mas alterá-la. E em um assunto que foi o centro do debate no final do primeiro turno e no turno seguinte. O mais estarrecedor, porém, talvez seja a hipocrisia com que isso foi feito. Em 2010, como resposta às acusações contra si, Dilma prometeu criar o Rede Cegonha, para cuidar de gestantes e bebês. Mas, os recursos para realizar o aborto no SUS “correrão por conta do orçamento do Ministério da Saúde, devendo onerar o Programa de Trabalho 10.302.2015.8585 – Plano Orçamentário 0009 – Atenção à Saúde da População para Média e Alta Complexidade – Plano orçamentário 0004 – Rede Cegonha”.

Aborto num país sem lei

O título pode parecer forte, mas é perfeitamente adequado: um país sem lei. Um país que prevê o aborto como crime, mesmo que exclua a punição de alguns casos, mas que pratica esse crime em nome do Estado – e, conseqüentemente, em nome do povo –, não é outra coisa, senão um país sem lei. O Código Penal brasileiro tipifica o aborto provocado como crime – e é mesmo, pois mata uma pessoa. Contudo, face aos enormes problemas psicológicos que envolvem determinadas situações, exclui de punição casos como o aborto após estupro ou quando a gestante corre risco de morrer. Está errado fazer isso, permanece sendo crime, mas não é punido.

No Brasil, contudo, desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, quando José Serra era ministro da saúde (ambos são do mesmo PSDB que Aécio Neves), esse ministro editou uma “norma técnica” autorizando a prática do aborto pelo Sistema Único de Saúde (SUS) nos casos em que o crime não é passível de punição. Essa norma abriu o caminho para os abortistas expandirem suas garras até o ponto em que hoje é fácil para qualquer um abortar uma criança inocente e indefesa.

Já a lei n.º 12.485/2013 estabelece procedimentos a serem adotados no atendimento a vítimas de “violência sexual”. Observe bem que não se trata de estupro, mas de violência sexual, ou seja, engloba os crimes de estupro, violação mediante fraude, assédio sexual etc., além de outras situações violentas, mas não criminosas. O Código Penal só exclui a punição no caso de estupro. Mesmo assim, trata de promover a “profilaxia da gravidez”. Já expliquei anteriormente como isso poderia ser usado para provocar aborto extremamente precoce, através da mal chamada “pílula do dia seguinte”, que nada mais é que um remédio abortivo para os primeiros dias a partir da concepção. Em qualquer caso de “violência sexual”. Ou seja, é uma lei que acoberta um crime.

Na última quinta-feira, porém, sob Dilma Rousseff e Arthur Chioro, ambos do PT, foi publicada no Diário Oficial uma portaria do ministério da saúde não apenas autorizando a realização de abortos pelo SUS, mas até mesmo estabelecendo o preço a ser pago por cada vida tirada. Fora a infame decisão do STF contra os anencéfalos (que não é um termo correto, pois essas crianças têm o encéfalo parcialmente desenvolvido), nenhuma outra legislação brasileira autoriza o aborto, exceto normas do próprio ministério da saúde, sob gestões do PSDB e do PT, que inclusive dispensam a apresentação de boletim de ocorrência (como a portaria 1.508/2005 e a norma técnica ali referenciada).

Em suma, não há lei no país que autorize o aborto. A agenda abortista, porém, se vale de “normas técnicas”, “portarias” e “ações de descumprimento de preceito fundamental” – que não passam pelo crivo dos representantes do povo no congresso, para que o aborto seja praticado no país. E, hoje, ele pode ser praticado em qualquer caso! Afinal, não é nem sequer necessário apresentar boletim de ocorrência para dizer que houve estupro. Já seria ilegal abortar nesse caso, mas não haveria punição. No entanto, haveria punição caso o crime comunicado não tivesse acontecido. Vivemos num país sem lei!

Nossa Senhora da Conceição Aparecida, padroeira do Brasil

O Brasil tem uma excelente padroeira: a Virgem Maria, mãe de Deus e nossa mãe. No momento escolhido por Deus para unir-se à humanidade, preparou para si uma mãe que lhe fosse digna, essa mulher, chamada Maria (como tantas outras já em seu tempo), concebida imaculada, isto é, sem a mancha do pecado original, para que fosse sacrário vivo do Filho do Altíssimo.

Na cruz, Jesus Cristo entregou-a a nós na pessoa de São João para que a venerássemos como digna mãe de Deus e exemplo de santidade, mas também para que cuidasse de nós como de filhos: “Quando Jesus viu a sua mãe e perto dela o discípulo que amava, disse à sua mãe: Mulher, eis aí teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí tua mãe” (Jo 19,26-27a).

Não muito tempo antes da independência do Brasil, quando já a revolta contra a coroa portuguesa aumentava, apareceu em São Paulo uma imagem da Virgem Maria. Essa imagem aos poucos foi se tornando célebre graças aos milagres a seu redor, como sinal de que o Brasil tinha uma poderosa protetora. Eis a história de Nossa Senhora Aparecida, retirada da Liturgia das Horas:

Nossa Senhora da Conceição Aparecida, padroeira do Brasil

Na segunda quinzena de outubro de 1717, três pescadores, Filipe Pedroso, Domingos Garcia e João Alves, ao lançarem sua rede para pescar nas águas do Rio Paraíba, colheram a Imagem de Nossa Senhora da Conceição, no lugar denominado Porto do Itaguassu. Filipe Pedroso levou-a para sua casa conservando-a consigo até 1732, quando a entregou a seu filho Atanásio Pedroso. Este construiu um pequeno oratório para rezar o terço. Devido à ocorrência de milagres, a devoção a Nossa Senhora começou a se divulgar, com o nome dado pelo povo de Nossa Senhora Aparecida. A 26 de julho de 1745 foi inaugurada a primeira Capela. Como esta, com o passar dos anos, não comportasse mais o número de devotos, iniciou-se em 1842 a construção de um novo templo inaugurado a 8 de dezembro de 1888. Em 1893, o Bispo diocesano de São Paulo, Dom Lino Deodato Rodrigues de Carvalho, elevou-o à dignidade de “Episcopal Santuário de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”. A 8 de setembro de 1904, por ordem do Papa Pio X, a Imagem milagrosa foi solenemente coroada, e a 29 de abril de 1908 foi concedido ao Santuário o título de Basílica menor. O Papa Pio XI declarou e proclamou Nossa Senhora Aparecida Padroeira do Brasil a 16 de julho de 1930, “para promover o bem espiritual dos fiéis e aumentar cada vez mais a devoção à Imaculada Mãe de Deus”. A 5 de março de 1967 o Papa Paulo VI ofereceu a “Rosa de Ouro” à Basílica de Aparecida. Em 1952 iniciou-se a construção da nova Basílica Nacional de Nossa Senhora Aparecida, solenemente dedicada pelo Papa João Paulo II a 4 de julho de 1980.

Oração

Ó Deus todo-poderoso, ao rendermos culto à Imaculada Conceição de Maria, Mãe de Deus e Senhora nossa, concedei que o povo brasileiro, fiel à sua vocação e vivendo na paz e na justiça, possa chegar um dia à pátria definitiva. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém.

Nossa Senhora da Conceição Aparecida, rogai por nós!