Sobre o massacre no Rio

Todas as palavras não são suficientes para falar a respeito da operação policial que resultou em 121 mortes no Rio de Janeiro. Por isso, em primeiro lugar, gostaria de deixar o que foi dito pelo papa Leão XIV sobre ser “pró-vida”, mas também pró-pena de morte:

Alguém que diz “sou contra o aborto”, mas diz “sou a favor da pena de morte” não é realmente pró-vida.

Corpos de vítimas do massacre no Rio de Janeiro são retirados pelo IML. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil.

No Brasil não existe, oficialmente, a pena de morte. Porém, 121 mortes são vistas como “sucesso” em uma operação policial. Mortes de policiais, de criminosos e de pessoas que não ofereciam perigo algum. Sucesso! 121 bocas fechadas para não apontar o paradeiro de traficantes e de policiais corruptos. Sucesso.

“Ah, mas bandido bom é bandido morto!” Cuidado! Há quem diga isso e tem tio e marido presos (Michele Bolsonaro, por exemplo). Bom é ver morto o bandido dos outros, mas, para bandido próprio, anistia! (Entre os governadores que foram prestar solidariedade ao mandante do massacre, o chefe do Estado do Rio de Janeiro, havia quem até então se empenhasse pela anistia aos bandidos golpistas.)

Um PS no meio do texto: segundo dados da Polícia Civil, 24 dos mortos não tinham “históricos criminais relevantes”. Contudo, nenhuma pessoa morta havia sido alguma vez denunciada à justiça, havendo apenas investigações contra algumas delas – que, digo novamente, não poderão contribuir para a prisão de nenhum traficante.

“A vida e a dignidade humana são dons sagrados de Deus”, dizem os bispos brasileiros, e prosseguem: “a paz deve ser sempre buscada e promovida por todos”. O cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, dom Orani João Tempesta é firme:

Somos chamados, como discípulos de Cristo, a ser construtores da paz, a superar o ódio, a vingança e a indiferença que corroem o tecido social. É urgente que unamos nossas forças pela reconciliação, pelo respeito mútuo e, sobretudo, pela proteção da vida, pela promoção da justiça e pela construção de uma sociedade pacífica, que promova a dignidade de cada pessoa, especialmente dos mais pobres e vulneráveis.’

A seguir, as mensagens da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e do cardeal Orani João Tempesta:

Nota da Presidência da CNBB

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) manifesta sua profunda comunhão e solidariedade a Dom Orani João Cardeal Tempesta, O. Cist., Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, diante dos graves episódios de violência ocorridos na cidade do Rio de Janeiro, que ceifaram vidas e feriram profundamente o coração do povo carioca.

Unimo-nos em oração às comunidades atingidas e a todos os que sofrem as consequências desse triste acontecimento.

Reafirmamos, com Dom Orani, que a vida e a dignidade humana são dons sagrados de Deus, e que a paz deve ser sempre buscada e promovida por todos.

Pedimos a Cristo, Príncipe da Paz, que fortaleça o povo do Rio de Janeiro e inspire as autoridades a trabalharem pela justiça, pela reconciliação e pela superação da violência.

Que Maria, Rainha da Paz, interceda por todos e nos ajude a construir uma sociedade mais fraterna e segura.

Cardeal Jaime Spengler
Arcebispo de Porto Alegre (RS)
Presidente da CNBB 

Dom João Justino de Medeiros Silva
Arcebispo de Goiânia (GO)
Primeiro Vice-Presidente da CNBB 

Dom Paulo Jackson Nóbrega de Sousa
Arcebispo de Olinda e Recife (PE)
Segundo Vice-Presidente da CNBB 

Dom Ricardo Hoepers
Bispo Auxiliar de Brasília (DF)
Secretário-geral da CNBB 

Mensagem do cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, D. Orani João Tempesta

Rio de Janeiro, 28 de outubro de 2025

“Bem-aventurados os que promovem a paz, porque
serão chamados filhos de Deus”
(Mt 5,9)

Amados irmãos e irmãs em Cristo,

Hoje vivemos um dia muito difícil no Rio de Janeiro. Com profundo pesar, acompanhamos os trágicos acontecimentos deste dia, em que tantas vidas foram ceifadas. A violência e o medo têm ferido o coração da nossa cidade e tirado a paz de muitos lares. Diante dessa dolorosa realidade, como Pastor desta Igreja, não posso deixar de expressar minha dor por tanto sofrimento e de reafirmar que a vida e a dignidade humana são valores absolutos. A vida humana é dom sagrado de Deus e deve ser sempre defendida e preservada.

Quero elevar minhas preces e minha profunda solidariedade às famílias que choram a perda de seus entes queridos. Que Cristo, o Príncipe da Paz, envolva cada coração ferido com Sua ternura, restaure a esperança e faça brotar, mesmo entre as lágrimas, a certeza de que o amor é mais forte do que a morte. Que Ele transforme a dor em fé e a saudade em semente de vida nova.

Somos chamados, como discípulos de Cristo, a ser construtores da paz, a superar o ódio, a vingança e a indiferença que corroem o tecido social. É urgente que unamos nossas forças pela reconciliação, pelo respeito mútuo e, sobretudo, pela proteção da vida, pela promoção da justiça e pela construção de uma sociedade pacífica, que promova a dignidade de cada pessoa, especialmente dos mais pobres e vulneráveis.

Mesmo diante do caos, creio firmemente que o amor e o bem são mais fortes que qualquer violência. Peço a cada um que seja instrumento dessa paz. Não podemos alimentar o ódio, nem responder com indiferença. O Rio de Janeiro nasceu com vocação para a alegria e a acolhida. Que, com fé e perseverança, possamos devolver à nossa cidade o brilho da paz e a força da fraternidade. E, como diz o hino da nossa cidade: “Que Deus te cubra de felicidade — Ninho de sonho e de luz.”

Convido a todos a permanecerem firmes na oração e na construção da paz. Que nossas palavras e atitudes sejam sementes de reconciliação, e que cada gesto de amor seja um passo rumo a uma cidade mais fraterna e justa. Que o Senhor da vida converta nossos corações, cure as feridas da violência e nos faça instrumentos de Sua PAZ. Que Maria, Rainha da Paz, interceda por nossa cidade, por nossas autoridades e por todas as famílias atingidas pela tragédia de hoje.

Invoco, sobre todos, a bênção de Deus, sinal de esperança e consolo neste momento de dor.

Orani João Cardeal Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro

Pelo país, neste domingo (7), Grito dos Excluídos ecoa democracia, soberania e defesa da natureza

Neste domingo, Sete de Setembro, o tradicional Grito dos Excluídos e Excluídas tomou as ruas de dezenas de cidades do Brasil em sua 31º edição. Sob o lema “Cuidar da Casa Comum e da Democracia é luta de todo dia”, os atos reuniram movimentos populares, pastorais, povos e comunidades tradicionais, juventudes e militantes em defesa da democracia, meio ambiente e soberania nacional. De acordo com a Secretaria Nacional do Grito, as mobilizações foram realizadas em 25 estados e no Distrito Federal. Apenas o Tocantins não registrou atividades.

edição deste ano relaciona diretamente as crises socioeconômicas e ambientais, como pautas entrelaçadas por justiça social. “O Grito mudou a cara do país nessa data e este ano em que vivemos tempos de grandes desafios: a investida do capital financeiro e da extrema direita, o avanço do imperialismo contra a soberania nacional, a devastação ambiental… nos conclama a cuidar da Casa Comum e da Democracia”, explica Dani Hohn, da organização do Grito.

“O sentido mais profundo do grito é dar caráter popular ao 7 de setembro, à Semana da Pátria, nessa data que historicamente é comemorada pelas Forças Armadas e a polícia”, diz Sandra Quintela, da Rede de Brio Sul e da Coordenação Nacional do Grito dos Excluídos.

“Em segundo lugar, destacar a presença massiva hoje nas ruas, em todo o Brasil, gritando que o Brasil é do povo brasileiro e que precisamos de uma nova independência, onde a soberania popular esteja no centro das pautas de luta do nosso país”, completa, ela,

Uma das mensagens mais recorrentes pelo país foi a de “Sem anistia”, reforçando a expressão coletiva contra a anistia aos condenados pela tentativa de golpe de Estado no Brasil. Se aprovado, o projeto de anistia beneficiaria Jair Bolsonaro (PL), que pode ser condenado a até 40 anos de prisão. O julgamento, iniciado em 2 de setembro, deve ser concluído no próximo dia 12.

Outro destaque deste ano foi a articulação com o Plebiscito Popular 2025, que recolhe votos em todo o país sobre a redução da jornada de trabalho sem cortes de salário, o fim da escala 6×1 e a taxação dos super-ricos. Para a organização, essa consulta popular reafirma a necessidade de construir uma democracia enraizada na participação direta da população.

Em São Paulo, organizadores calculam que 30 mil pessoas compareceram ao ato, na manhã deste domingo na Praça da República, no centro da cidade. A mobilização contou com a presença de ministros do governo Lula, como Luiz Marinho, do Emprego e do Trabalho, e Paulo Teixeira, do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, além de deputados federais como Guilherme Boulos (Psol-SP) e Kiko Celeguim, presidente do PT paulista, e a deputada estadual Ediane Maria (Psol).

Os movimentos populares também marcaram presença na Praça da República. O integrante da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Gilmar Mauro, avaliou que a manifestação da esquerda representa a retomada do processo de mobilização popular no país.

“Nós enfrentamos ditadura, governos de direita, pandemia e golpe, e seguimos de pé. A luta de classes não começou conosco nem vai terminar, mas depende da militância para conquistar a soberania plena e verdadeira democracia”, destacou Mauro, convocando o protagonismo popular em algumas das pautas em jogo. “O fundamental é voltarmos às ruas com bandeiras que são decisivas: a defesa da soberania, a taxação dos super-ricos, a justiça tributária, a redução da jornada de trabalho 6×1 e, obviamente, o repúdio à anistia”.

Raimundo Bonfim, coordenador nacional da Central de Movimentos Populares (CMP), um dos organizadores da manifestação, destacou a importância do ato diante de pautas por justiça social na distribuição da riqueza. “Na luta de classes pela taxação dos super-ricos, pela isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil, pela redução da jornada de trabalho. Essa é a luta que cresce a partir da indignação contra os privilégios e contra uma maioria do Congresso que é antipovo e antidemocrática”, afirmou.

De acordo com a organização, neste ano o Grito reafirma seu caráter de processo político-pedagógico e cultural permanente e processual. Com marchas, debates, vigílias inter-religiosas e expressões artísticas, o movimento segue proclamando que a independência só terá sentido com justiça social, soberania e cuidado com a vida. O Grito dos Excluídos nasceu no Brasil em 1995, durante a 2ª Semana Social Brasileira, promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em 1993 e 1994, e inspirado pela Campanha da Fraternidade de 1995: “Fraternidade e Excluídos”. O primeiro ato, em 7 de setembro de 1995, teve como lema “A vida em primeiro lugar” e ecoou em 170 localidades.

Editado por: Daniel Lamir

(Publicado originalmente no Brasil de Fato. Foto em destaque: Ato dos Excluídos em Porto Alegre/Jorge Leão.)

Os impostos na Doutrina Social da Igreja

Com a recente derrota do governo na questão da elevação do Imposto sobre Operações Financeiras e da ampliação da incidência desse imposto, é um bom momento para revisitar o que diz a Igreja Católica sobre o papel dos impostos na sociedade.

É claro que podemos recorrer simplesmente à conhecida frase de Jesus, “Dai a César o que é de César” (Mt 22,21), mas a Igreja, em seu cuidado pastoral, desenvolveu de forma mais clara e concreta para nossos tempos o ensinamento sobre os impostos e seu papel. O lugar onde encontramos mais diretamente esse ensinamento é o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, mais especificamente em seu número 355:

A arrecadação fiscal e a despesa pública assumem uma importância econômica crucial para qualquer comunidade civil e política: o objetivo para o qual há de tender é uma finança pública capaz de se propor como instrumento de desenvolvimento e de solidariedade. Uma finança pública eqüitativa, eficiente, eficaz, produz efeitos virtuosos sobre a economia, porque consegue favorecer o crescimento do emprego, amparar as atividades empresariais e as iniciativas sem fins lucrativos, e contribui a aumentar a credibilidade do Estado enquanto garante dos sistemas de previdência e de proteção social destinados em particular a proteger os mais fracos.

As finanças públicas se orientam para o bem comum quando se atêm a alguns princípios fundamentaiso pagamento dos impostos como especificação do dever de solidariedade; racionalidade e eqüidade na imposição dos tributosrigor e integridade na administração e na destinação dos recursos públicos. Ao redistribuir as riquezas, a finança pública deve seguir os princípios da solidariedade, da igualdade, da valorização dos talentos, e prestar grande atenção a amparar as famílias, destinando a tal fim uma adequada quantidade de recursos.

Deixei em negrito alguns trechos, que falam diretamente à sociedade brasileira atual, em que uma parte enorme da população pensa de modo individualista e egoísta, verdadeiros empreendedores do sofrimento alheio.

Primeiro, os impostos – segundo a doutrina católica – servem para manter sistemas de previdência e proteção social, isto é: aposentadorias, auxílio-doença, auxílio acidente de trabalho, bolsa família, benefício de prestação continuada e tantas outras maneiras de auxiliar os menos favorecidos. “Ninguém no mundo de hoje, em que as distâncias já não importam, pode alegar o pretexto de que não conhece as necessidades de seu irmão distante, que a ajuda que deve fornecer não lhe diz respeito”, disse São João XXIII. Cada um que seja mais favorecido que o outro deve ajudá-lo, inclusive por meio dos impostos pagos ao Estado. Quanto mais as empresas de apostas online, que passariam a ter que pagar IOF – um imposto que cada um de nós paga, por exemplo, ao obter um empréstimo consignado.

Segundo, redistribuir riquezas, amparar as famílias: ninguém é a favor da família se milhões de famílias não puderem ter o mínimo – casa, saúde, comida, educação de qualidade. E isso só pode ser garantido com impostos. Que paguem mais os que podem mais (mas que hoje são justamente os que pagam menos, pois obtém suas rendas através de investimentos financeiros isentos de tributação, diferente do salário de cada trabalhador).

Por fim, “uma adequada quantidade de recursos”: não existe uma fórmula mágica para definir qual a carga tributária mais adequada para uma sociedade. Para saber quanto o Estado tem que arrecadar, é preciso ver primeiro as necessidades humanas a suprir e as possibilidades de arrecadar esses recursos, especialmente dos mais favorecidos. Que se estruture, portanto, o sistema tributário para que os mais favorecidos paguem mais: os bilionários, os grandes investidores do mercado financeiro, os sócios de grandes empresas. São esses justamente os que menos pagam imposto no Brasil de hoje, e que o Congresso Nacional quer continuar privilegiando. Deputados e senadores eleitos em 2022 e 2018 muitas vezes prometendo “defender a família”, mas que querem jogar todas as famílias brasileiras na miséria.

Foto destacada: Hugo Motta (Republicanos/PB) no dia em que o Congresso Nacional decidiu derrubar o aumento do IOF e manter a isenção das empresas de bets – Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados.

Cessar-fogo de Páscoa na Ucrânia

Após o anúncio por Putin, Rússia e Ucrânia estabeleceram um cessar-fogo de Páscoa com início no fim da tarde de ontem (19) e término à meia-noite de hoje para amanhã. Embora haja acusações mútuas de violações do cessar-fogo, ambos os lados estão conseguindo evacuar feridos e remover os corpos de combatentes mortos. Na foto, uma equipe russa retira corpos de seus combatentes da região conhecida como “zona cinzenta”, isto é, a região entre as posições russas e ucranianas. Além disso, houve a troca de 246 prisioneiros de guerra de cada lado, além de 31 ucranianos e 15 russos feridos.