Muito se tem dito sobre reforma política. Os sucessivos casos de corrupção eleitoral envolvendo os mais diversos partidos, da situação e da oposição, têm demonstrado como é importante aprimorar o sistema eleitoral brasileiro, especialmente no tocante ao financiamento de campanha. Como deixar nossa política mais justa, democrática e participativa?
A CNBB promoveu o consenso de diversas entidades da sociedade civil em favor de uma reforma política democrática e de eleições limpas.
Em vistas disso, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e entidades da sociedade civil se reuniram para elaborar uma proposta consensual. Da parte da Igreja Católica, participaram também, por exemplo, o Conselho Nacional do Laicato do Brasil, a Comissão Brasileira de Justiça e Paz e as Pontifícias Obras Missionárias. Da sociedade civil, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE, que tomou para si a batalha pela Lei da Ficha Limpa), a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e a União Nacional dos Estudantes (UNE). Estas últimas entidades e a CNBB formam a executiva da Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas. Como se vê, os principais agentes da luta pelos direitos humanos, pela democracia e em favor dos menos favorecidos na história recente do Brasil.
O resultado a que se chegou foi o possível, mas uma grande base para avançar mais no futuro. Nas palavras do arcebispo primaz do Brasil, dom Murilo Krieger:
Os pontos defendidos pelas entidades e grupos que assumiram essa proposta poderiam, naturalmente, ser diferentes, em maior número ou mais amplos. No entanto, a proposta final foi a síntese a que elas chegaram, depois de inúmeras reuniões e debates. Se tais pontos não resolvem todos os problemas que nos preocupam no momento atual, servirão, no entanto, para darmos um importante passo para um novo tempo. […] No futuro, outros passos poderão ser dados para o aperfeiçoamento de nossa Democracia. Não exagero ao afirmar que, nesse campo, a CNBB poderá oferecer uma preciosa contribuição, como a deu no tempo da Constituinte, com o texto “Por uma nova ordem constitucional”.
Para que não restem dúvidas, eis o resumo do que essa proposta nos apresenta para aprimorar o sistema eleitoral brasileiro e, como conseqüência, a nossa democracia:
Financiamento das campanhas dos candidatos: em vez do sistema atual, que envolve recursos públicos, de eleitores e de empresas, apenas recursos públicos e de eleitores (com limite máximo, para que doações de empresas não possam ser ocultadas por “laranjas”). Para o MCCE, “Empresa não é eleitor, ela não vota. Então, não tem porque ela participar das campanhas eleitorais, isso cria uma distorção no processo democrático e vai contra o conjunto da população” — essa mesma tese obteve maioria dos votos no Supremo Tribunal Federal, que está julgando a questão do financiamento empresarial.
Eleição proporcional em dois turnos: um para se votar no programa de uma legenda, e outro para se votar em uma pessoa, de forma que o eleitor determine claramente quem será eleito. No sistema atual, o voto se dá em um candidato, mas ele é computado para a legenda, ocultando dessa forma as idéias que prevalecerão no parlamento.
Aumento de candidaturas de mulheres para cargos eletivos, porque elas têm uma importante contribuição a dar na política, diferente e complementar àquela dada pelos homens. Homem e mulher são complementares, “auxiliares que se correspondem” (v. Gn 2,18).
Regulamentação do Artigo 14 da Constituição, com o objetivo de se melhorar a participação do povo brasileiro nas decisões mais importantes, por meio de Projetos de Lei de iniciativa popular, de plebiscitos e de referendos, mesclando a democracia representativa com a democracia participativa. “Toda democracia deve ser participativa”, diz a Igreja Católica (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 190)
Na seqüência falarei detidamente sobre cada uma dessas propostas.
Há muita confusão política nos dias atuais. Alguém, por acaso, é a favor da corrupção? Que propostas existem contra a corrupção? O que foi demonstrado nas manifestações de sexta-feira e domingo passados? A serenidade recomendada pelo cardeal Odilo Pedro Scherer, arcebispo de São Paulo, nos é muito proveitosa. Ele faz muito bem em recordar que, na sociedade, todos têm direitos e deveres, é que sempre é necessário promover o bem comum, especialmente dos “membros mais frágeis do corpo social”. Chamo a atenção para algumas frases do artigo reproduzido em seguida:
“O bem comum está sempre relacionado com a pessoa humana e sua dignidade inviolável; nesse sentido, faz parte do bem comum tudo o que é necessário para assegurar a vida digna da pessoa humana: alimento, moradia, trabalho, educação, saúde, segurança, a justa liberdade para fazer escolhas, o direito à boa reputação, a conveniente informação… Para ser integral, o bom comum sempre se refere às necessidades do corpo e do espírito humano.”
“A noção de bem comum, adotada como princípio orientador da vida política, social e econômica, é oposta ao modelo de Estado liberal e de sociedade individualista.”
“[…] é dever das Autoridades Públicas dispor os bens e serviços do Estado segundo critérios de justiça e equidade, para que todos tenham acesso a eles; o Estado não pode estar apenas a serviço de categorias privilegiadas, nem deixar-se instrumentalizar por elas para assegurar privilégios de modo unilateral e individualista, quando não desonesto. O bem comum está relacionado estreitamente com a prática da solidariedade.”
“Olhando o cenário brasileiro atual, tem-se a impressão que seria preciso recuperar o princípio ético do bem comum na busca de soluções para os problemas crônicos que afligem o País. A corrupção e o desvio de recursos públicos denotam falta de senso ético e são contrários ao bem comum; da mesma forma, também o são a afirmação obsessiva de direitos individuais, por vezes mais supostos que reais, e a insensibilidade diante da condição ainda sofrível de grande parte da população brasileira. A perda do referencial do bem comum leva à afirmação de comportamentos sociais, políticos e econômicos sempre mais individualistas e tende ao triunfo da lei do mais forte: isso seria um retrocesso civilizatório.”
Leia a íntegra do artigo do cardeal Odilo Scherer:
Cardeal Odilo Pedro Scherer Arcebispo de São Paulo (SP)
Vivemos dias de apreensão e de humores alterados. Fatos graves de corrupção na administração dos bens do Estado, junto com certa crise econômica e política, levam a vários tipos de manifestações na opinião pública e nas organizações sociais. O Brasil está novamente com os nervos à flor da pele…
Certa vez, ouvi de um bispo bem experiente e já idoso esta observação: quando, ao meu redor, todos se agitam e pedem pressa, fico ainda mais calmo e me ponho a discernir bem sobre o que está acontecendo; só depois tomo decisões”. Parece um conselho interessante para motivar uma reflexão sobre um dos principais fundamentos da sociedade organizada e do Estado: o princípio do bem comum. A Doutrina Social da Igreja, desde Leão XIII, na segunda metade do século XIX, tem repetido constantemente que a busca do bem comum é a razão de ser da sociedade organizada e do Estado.
O que se entende por “bem comum”? Partindo dos ensinamentos do papa João XXIII, na encíclica Mater et Magistra (1961), o Concílio Vaticano II (1965) definiu o bem comum como o conjunto das condições da vida social que permitem aos grupos e a cada um de seus membros alcançarem de maneira mais fácil o desenvolvimento integral da pessoa humana e a realização dos legítimos objetivos dos grupos sociais (cf. Constituição pastoral Gaudium et Spes, 26).
O bem comum está sempre relacionado com a pessoa humana e sua dignidade inviolável; nesse sentido, faz parte do bem comum tudo o que é necessário para assegurar a vida digna da pessoa humana: alimento, moradia, trabalho, educação, saúde, segurança, a justa liberdade para fazer escolhas, o direito à boa reputação, a conveniente informação… Para ser integral, o bom comum sempre se refere às necessidades do corpo e do espírito humano.
A busca e a promoção do bem comum “constituem a própria razão de ser dos Poderes Públicos”, afirmava Leão XIII em 1891, na primeira grande encíclica social (cf. Rerum Novarum, nº 26). Esta convicção aparece continuamente nas palavras do magistério social da Igreja, até na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (2013), do Papa Francisco: “É obrigação do Estado cuidar da promoção do bem comum da sociedade” (nº 240). Aos Poderes Públicos cabe, portanto, ordenar de tal forma o funcionamento do Estado e das relações sociais, que o bem comum seja assegurado para a sociedade inteira. A ordem social, a vida política e o progresso econômico devem estar sempre subordinados ao bem das pessoas, e não o contrário.
A noção de bem comum, adotada como princípio orientador da vida política, social e econômica, é oposta ao modelo de Estado liberal e de sociedade individualista. O que é bom para todos tem precedência sobre o que poderia ser um bem apenas individual; mas o Estado e a sociedade não podem buscar o seu bem, passando por cima da dignidade da pessoa humana, que deve ser sempre respeitada.
É bem antiga a convicção de que a autoridade civil não deve servir apenas ao interesse de um grupo ou de poucos cidadãos, pois ela deve estar a serviço de todos” (Leão XIII, Encíclica Immortale Dei,1885,V). Contudo, na sua missão de promover o bem comum, os Poderes Públicos devem dar atenção especial aos membros mais frágeis do corpo social, por razões de justiça e equidade; se o Estado existe para promover o bem de todos, precisa servir, especialmente, aos membros mais frágeis do corpo social, sobretudo quando estes se encontram marginalizados e discriminados em relação aos demais membros da sociedade na afirmação de seus legítimos direitos e interesses (cf Leão XIII, Rerum Novarum,1891, nº 29).
Por aí, entende-se que o bem comum inclui direitos e deveres. A satisfação dos interesses particulares precisa ser harmonizada com o bem mais amplo. Mais uma vez, é dever das Autoridades Públicas dispor os bens e serviços do Estado segundo critérios de justiça e equidade, para que todos tenham acesso a eles; o Estado não pode estar apenas a serviço de categorias privilegiadas, nem deixar-se instrumentalizar por elas para assegurar privilégios de modo unilateral e individualista, quando não desonesto. O bem comum está relacionado estreitamente com a prática da solidariedade.
Até aos trabalhadores recomendou o papa João XXIII que todos os setores do mundo do trabalho devem ser sensíveis aos apelos do bem comum, conciliando seus legítimos direitos e interesses com os direitos e necessidades de outras categorias econômico-profissionais (cf encíclica Mater et Magistra, 1961, nº 155). E o papa Francisco lembrou recentemente a todos: “a dignidade da pessoa humana e o bem comum estão acima da tranqüilidade de alguns, que não querem renunciar a seus privilégios” (Evangelii Gaudium, 2013, nº 218).
Olhando o cenário brasileiro atual, tem-se a impressão que seria preciso recuperar o princípio ético do bem comum na busca de soluções para os problemas crônicos que afligem o País. A corrupção e o desvio de recursos públicos denotam falta de senso ético e são contrários ao bem comum; da mesma forma, também o são a afirmação obsessiva de direitos individuais, por vezes mais supostos que reais, e a insensibilidade diante da condição ainda sofrível de grande parte da população brasileira. A perda do referencial do bem comum leva à afirmação de comportamentos sociais, políticos e econômicos sempre mais individualistas e tende ao triunfo da lei do mais forte: isso seria um retrocesso civilizatório.
Bem alertou o papa Francisco, na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, que o bem comum e a paz social estão entrelaçados: uma paz social, que não seja fruto do desenvolvimento integral de todos, “não terá futuro e será sempre semente de novos conflitos e variadas formas de violência” (nº 219).
Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo no dia 14 de março de 2015
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou nota sobre a situação política atual. O texto afirma que “qualquer resposta […] que atenda ao mercado e aos interesses partidários antes que às necessidades do povo, especialmente dos mais pobres, nega a ética e desvia-se do caminho da justiça.” Durante a apresentação da nota, Dom Leonardo Steiner disse: “Existem regras para se entrar com um pedido inicial de impeachment. Creio que não chegamos a esse nível.”
Veja a íntegra da nota:
Nota da CNBB sobre a realidade atual do Brasil
“Pratica a justiça todos os dias de tua vida e não sigas os caminhos da iniquidade” (Tb 4, 5)
O Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, reunido em Brasília-DF, nos dias 10 a 12 de março de 2015, manifesta sua preocupação diante do delicado momento pelo qual passa o País. O escândalo da corrupção na Petrobras, as recentes medidas de ajuste fiscal adotadas pelo Governo, o aumento da inflação, a crise na relação entre os três Poderes da República e diversas manifestações de insatisfação da população são alguns sinais de uma situação crítica que, negada ou mal administrada, poderá enfraquecer o Estado Democrático de Direito, conquistado com muita luta e sofrimento.
Esta situação clama por medidas urgentes. Qualquer resposta, no entanto, que atenda ao mercado e aos interesses partidários antes que às necessidades do povo, especialmente dos mais pobres, nega a ética e desvia-se do caminho da justiça. Cobrar essa resposta é direito da população, desde que se preserve a ordem democrática e se respeitem as Instituições da comunidade política.
As denúncias de corrupção na gestão do patrimônio público exigem rigorosa apuração dos fatos e responsabilização, perante a lei, de corruptos e corruptores. Enquanto a moralidade pública for olhada com desprezo ou considerada empecilho à busca do poder e do dinheiro, estaremos longe de uma solução para a crise vivida no Brasil. A solução passa também pelo fim do fisiologismo político que alimenta a cobiça insaciável de agentes públicos, comprometidos sobretudo com interesses privados. Urge, ainda, uma reforma política que renove em suas entranhas o sistema em vigor e reoriente a política para sua missão originária de serviço ao bem comum.
Comuns em épocas de crise, as manifestações populares são um direito democrático que deve ser assegurado a todos pelo Estado. O que se espera é que sejam pacíficas. “Nada justifica a violência, a destruição do patrimônio público e privado, o desrespeito e a agressão a pessoas e Instituições, o cerceamento à liberdade de ir e vir, de pensar e agir diferente, que devem ser repudiados com veemência. Quando isso ocorre, negam-se os valores inerentes às manifestações, instalando-se uma incoerência corrosiva, que leva ao seu descrédito” (Nota da CNBB 2013).
Nesta hora delicada e exigente, a CNBB conclama as Instituições e a sociedade brasileira ao diálogo que supera os radicalismos e impede o ódio e a divisão. Na livre manifestação do pensamento, no respeito ao pluralismo e às legítimas diferenças, orientado pela verdade e a justiça, este momento poderá contribuir para a paz social e o fortalecimento das Instituições Democráticas.
Deus, que acompanha seu povo e o assiste em suas necessidades, abençoe o Brasil e dê a todos força e sabedoria para contribuir para a justiça e a paz. Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, interceda pelo povo brasileiro.
Brasília, 12 de março de 2015.
Dom Raymundo Cardeal Damasceno Assis Arcebispo de Aparecida – SP
Presidente da CNBB
Dom José Belisário da Silva, OFM Arcebispo de São Luis do Maranhão – MA
Vice Presidente da CNBB
Dom Leonardo Ulrich Steiner, OFM Bispo Auxiliar de Brasília
Secretário Geral da CNBB
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Mulher lendo o Corão. As mulheres dão sua contribuição à teologia muçulmana, um antídoto contra o extremismo.
Em um mundo amedrontado pelo fundamentalismo de certos grupos islamistas, esta entrevista é como uma brisa suave a nos alentar. Shahrzad Houshmand Zadeh, iraniana, estudou teologia islâmica em Qom e Teerã. Graduou-se em teologia católica na Faculdade de Teologia de Reggio Calabria (Itália). Hoje é professora de estudos islâmicos na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma. Confira a tradução da entrevista publicada no Vatican Insider:
Chegou a vez das teólogas islâmicas, elas são um antídoto para o extremismo
Em uma entrevista para a revista Mondo e Missione, a teóloga iraniana Shahrzad Houshmand lamentou o fato de que o fundamentalismo é alimentado pela ignorância. Chegou a hora de ler o Corão com um novo olhar. E as mulheres jogam um papel decisivo nisso.
Gerolamo Fazzini
Milão
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Dos 6.000 versos do Corão, menos de 10 podem ser interpretados como justificação da violência.”
“Dos 6.000 versos do Corão, menos de 10 podem ser interpretados como justificação da violência. E há ainda aqueles que se aproveitam da ignorância dos fiéis, torcendo essas poucas linhas para persuadi-los a fazer o mal.” O EIIS [NT: “Estado Islâmico do Iraque e da Síria”] (e as milhares de outras formas de extremismo islamista que existem) deve, portanto, ser combatido com as armas da teologia e da cultura.
A teóloga iraniana Shahrzad Houshmand acredita vigorosamente, e expõe suas idéias em uma entrevista com Chiara Zappa, intitulada Il Corano riletto dalle donne (“O Corão relido pelas mulheres”), publicada na última edição da revista missionária italiana Mondo e Missione.
“Como muitas de suas colegas ao redor do mundo, essa teóloga muçulmana é a um só tempo a contraprova da subalternidade das mulheres na religião muçulmana e uma figura chave no processo de reinterpretação do Corão de um ponto de vista feminino — com uma visão feminina da fé e do mundo — com o objetivo de ler os preceitos e tradições dos textos sagrados dentro do contexto dos desafios atuais.”
Teóloga e professora de estudos islâmicos na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, Shahrzad Houshmand Zadeh estudou teologia islâmica em Qom e Teerã. Na Itália, graduou-se em teologia católica na Faculdade de Teologia de Reggio Calabria (sul da Itália). Mãe de três filhos, sempre esteve engajada no campo do diálogo islâmico-cristão. Ela é cofundadora e presidente de uma associação chamada “Donne per la dignità” (“Mulheres pela dignidade”) e trabalhou no Centro Interconfessional pela Paz (CIPAX) de Roma desde 2005.
Referindo-se aos dramáticos eventos recentes — a Nigéria sitiada pelo Boko Haram, o Oriente Médio abalado pela presença do EIIS, e a Europa ferida pelo terrorismo —, a teóloga explicou: “Estamos passando por um momento negro, com eventos que nos pegam desprevenidos, mas o Corão nos lembra que onde há dificuldade, há sempre oportunidade para uma mudança positiva.”
Quando perguntada sobre o porquê de algumas partes do Corão serem usadas para tornar a violência aceitável como uma medida extrema, Houshmand respondeu mencionando o exemplo do Paquistão, a terra natal de Malala Yousafzai, prêmio Nobel da paz. “Lá o governo retirou recursos da educação estatal, abrindo a porta para escolas privadas que são muitas vezes escolas corânicas financiadas do exterior (e deveríamos verificar quem as financia…). Nelas, o foco é memorizar o Corão, sem uma leitura informada e responsável, em parte porque o árabe não é a língua-pátria dos alunos. Isso significa que a interpretação dos versos será prerrogativa de uns poucos, enquanto as massas estarão abertas à manipulação.” A ignorância sobre o texto sagrado se torna assim a premissa para uma doutrinação forçada e freqüentemente leva ao extremismo.
A teóloga iraniana contesta veementemente as alegações de que o Islã ainda não teria aceitado a idéia de uma cultura crítica. “O texto sagrado afirma que o conhecimento é o principal critério que determina a supremacia do ser humano”, disse ela. “Uma religião assim necessariamente contempla a crítica! E a história da civilização islâmica prova isso. Hoje, paralelo aos contextos de obscurantismo, existem muitos exemplos de pensadores no mundo islâmico que analisam a doutrina de maneira crítica.”
Como uma mulher comprometida em ressaltar a natureza particular da contribuição feminina, Houshmand adicionou que há numerosas teólogas que hoje se autodenominam “feministas muçulmanas”, do Irã ao Marrocos, da Tunísia à Indonésia e à Europa. “Havia uma forte presença feminina na vida do próprio profeta Maomé”, ressaltou. A questão é que, no decorrer do tempo, “o mesmo mecanismo que vemos em outras religiões — inclusive o cristianismo — apareceu: os homens ficaram a cargo da interpretação do texto, levando à marginalização das mulheres em diferentes formas e em diferentes extensões. Infelizmente, em séculos recentes, as vozes das mulheres muçulmanas foram caladas à força. Mas agora as teólogas estão voltando à cena. E o trabalho delas está se tornando influente em países como o Marrocos, a Tunísia e o Egito…”
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Apenas 20% dos muçulmanos são falantes nativos de árabe, a língua do Corão.
Finalmente, quando perguntada se não ser falante nativo de árabe torna um teólogo menos digno de crédito, a professora iraniana disse: “Não podemos esquecer que menos de 20% dos muçulmanos em todo o mundo falam árabe como sua língua nativa! Enquanto para os teólogos muçulmanos o conhecimento de árabe é essencial para garantir uma correta interpretação dos textos sagrados, o conteúdo pode ser comunicado em qualquer língua.”
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Onde fica o homem, diante da liberdade desenfreada da empresa midiática?
Em recente entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, o atual presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, afirmou: “Aborto e regulação de mídia, só passando por cima do meu cadáver. […] Regulação econômica de mídia já existe. Você não pode ter mais de cinco geradoras de televisão.” Ele é da “bancada evangélica” da Câmara. E muitos mais defendem posições semelhantes supostamente em nome do cristianismo.
Contudo, ser cristão é seguir os passos de Jesus Cristo, imitá-lo em tudo (Jo 12,26; Rm 8,29, 1Cor 11,1), e Jesus Cristo é o caminho, a verdade e a vida (Jo 14,6). O Espírito que ele envia de junto do Pai é a verdade (Jo 15,26; 1Jo 5,6). Os verdadeiros adoradores adoram o Pai “em espírito e verdade” (Jo 4,23). E imitar Jesus é imitá-lo também no amor: “como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros. Nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos se tiverdes amor uns pelos outros” (Jo 13,34c-35). O amor e a verdade são, portanto, critérios do seguimento de Jesus, e devem ser manifestar em nossas vidas.
Dado esse ponto de partida moral, como o cristão deve atuar relativamente à regulação da mídia? Eduardo Cunha propõe deixar tudo para o “mercado”: somente a regulação econômica da mídia valeria. Mas, o mercado está preocupado com o amor e a verdade, ou apenas com a liberdade de atuação econômica, com o aumento do capital? Milton Friedman, ideólogo do moderno liberalismo, diz que “há uma e só uma responsabilidade social do capital — usar seus recursos e dedicar-se a atividades destinadas a aumentar seus lucros” (Capitalismo e liberdade. Artenova, 1977, p. 116).
Diante dessa busca desenfreada de lucros, onde ficam a verdade e o amor? Jogados para escanteio, para dizer o mínimo. Quando da tramitação do processo que culminou na extinção da lei de imprensa, os maiores veículos de comunicação exigiam que fosse julgada totalmente inconstitucional. Isso acabou, por exemplo, com o direito de resposta àquele que seja ofendido ou a respeito de quem tenha sido divulgada informação falsa ou inverídica por meio de comunicação. Hoje há somente o direito à reparação pecuniária (pelo código civil) e a persecução penal, mas nenhuma obrigação de reparação moral pelos mesmos meios com que houve a ofensa, como antes havia. Como fica aquela pessoa que tenha sido difamada pela mídia? Desprovida de sua dignidade fundamental.
E esse é somente um dos problemas. Sem regulação da mídia, as empresas ficam livres para engordarem os bolsos de seus proprietários sem o menor pudor. Acontece que os bens criados foram dados para serem administrados em benefício de todos, não apenas de alguns. “A origem primeira de tudo o que é bem é o próprio ato de Deus que criou a terra e o homem, e ao homem deu a terra para que a domine com o seu trabalho e goze dos seus frutos (Cf. Gn 1, 28-29). Deus deu a terra a todo o gênero humano, para que ela sustente todos os seus membros sem excluir nem privilegiar ninguém. Está aqui a raiz da destinação universal dos bens da terra. Esta, pela sua própria fecundidade e capacidade de satisfazer as necessidades do homem, constitui o primeiro dom de Deus para o sustento da vida humana”, disse o santo papa João Paulo II (Centesimus annus, 31).
Portanto, quando alguém se vê proprietário de um meio de comunicação, deve exercer esse dom em benefício de todos. Por exemplo, sem impor a criação de conteúdo apenas na sede de uma emissora de televisão, o que violaria a dignidade das culturas locais. Ou então, manipulando a informação de maneira a privar do debate político ou econômico o ponto de vista de grupos que divirjam dos interesses comerciais da empresa — o que muitas vezes é disfarçado ao se chamar sempre “analistas” que defendam apenas o ponto de vista empresarial, como se fossem imparciais. Ou ainda, sendo muito severos com um grupo, mas sempre muito lenientes com outro: o “mensalão” é dito “do PT”, mas o “escândalo da Alstom” não é dito do PSDB…
Deve-se, portanto, defender que a mídia aja conforme o amor e a verdade: são estas as balizas da ação humana. Contudo, não se vê isso acontecer sem regulação. Regulamente-se, então, a mídia ao menos para cumprir o que disse S. João XXIII:
O homem tem o direito natural de ver respeitada sua devida honra; de gozar de boa fama; de livremente investigar a verdade e, dentro dos limites da ordem moral e do bem comum, manifestar e divulgar sua opinião e cultivar qualquer arte; finalmente, de ser informado sobre os acontecimentos públicos segundo a verdade. (Pacem in Terris, DS 3959)
Vivemos em um mundo desesperado. Tantos conflitos abertos, tantos conflitos ocultos, todos violentos. O Estado Islâmico e o Boko Haram. O tráfico de drogas e o tráfico de gente. Não bastasse a violência, menosprezamos nosso papel de cuidadores da criação, e deixamos faltar água nas regiões mais populosas do Brasil (que, segundo aprendi, é um país muito rico em recursos hídricos). São tantas estruturas de pecado!
Parece-me certas vezes que nos cabe o mandato de Jeremias: “dou-te hoje poder sobre as nações e sobre os reinos para arrancares e demolires, para arruinares e destruíres, para edificares e plantares” (Jr 1,10). Esse mundo acaso terá salvação? Não seria possível destruir tudo o que aí está, estruturas de pecado junto, e reedificá-lo à imagem do Reino de Deus?
Mas, um dia desses, enquanto dirigia, ouvi melhor uma passagem da aclamação ao Evangelho da Missa dos Quilombos:
Contra tantos mandatos do Ódio,
Tu nos trazes a Lei do Amor.
Frente a tanta Mentira
Tu és a Verdade, Senhor.
Entre tanta notícia de Morte,
Tu tens a Palavra da Vida.
Sob tanta promessa fingida,
sobre tanta esperança frustrada,
Tu tens, Senhor Jesus,
a última palavra.
E nós apostamos em Ti!!!
Aleluiá, aleluiá, aleluiá!
Aleluiá, aleluiá, aleluiá!
A Tua Verdade nos libertará.
Aleluiá, aleluiá, aleluiá!
Aleluiá, aleluiá, aleluiá!
Essa é a verdade, oculta sob o véu odioso do pecado e da morte: Jesus tem a última palavra! Ele foi manso e, conduzido como cordeiro ao matadouro, se deixou matar (Is 53,7; Jr 11,19; Jo 1,29). Foi morto porque o amor não é aceito onde o ódio prevalece. Foi morto porque é o verdadeiro Rei: “Jesus Cristo, Rei dos Judeus”, dizia sua sentença. Que mundo é esse onde o Rei verdadeiro morre, e os usurpadores reinam? Mas, no terceiro dia, Jesus Cristo ressuscitou. Esta é a última palavra! Sob a aparência do reinado da morte, é na verdade Deus que nos deixa dar frutos. Uns produzem ódio, outros, amor — Deus nos deixa escolher o nosso destino. Ao final, só uma palavra prevalecerá, a palavra do amor!
Ouça essa bela música de Milton Nascimento, Dom Pedro Casaldáliga e Pedro Tierra:
O jornal francês Charlie Hebdo foi vítima, mais no início desse ano, de um ataque terrorista. Foi terrível. Um colega meu estava de férias em Paris e também foi vítima, com a sua família, dos terroristas. Presenciou tudo, e um policial foi morto bem em frente a sua janela (o policial era muçulmano, aliás). O mundo todo foi vítima do terrorismo. E o jornal francês Charlie Hebdo continua promovendo terrorismo moral contra os muçulmanos.
No ocidente, é “bonito” brincar com temas religiosos — sempre em nome da “liberdade de expressão”. Aqui, uma capa de revista com um jogador de futebol “crucificado”. Ali, uma charge envolvendo a religião alheia. Por mais que os autores afirmem não ter a intenção de ofender as religiões ou seus fiéis, é o que fazem. Não se pode brincar com o que é santo, intocável. As coisas tem esse estado de santidade justamente porque estão muito acima de tudo o mais no coração das pessoas religiosas. Brincar com o sagrado é ofender diretamente as pessoas de fé. É muito pior que uma bofetada na cara. Corta a carne como um punhal.
Não bastasse a violência já cometida, as pessoas que fazem o Charlie Hebdo, que não representam nem o cristianismo, nem o ocidente, nem mesmo a sociedade francesa, publicaram novas caricaturas de Maomé. Apunhalaram toda a comunidade muçulmana. As pessoas que seguem o Islã já têm dificuldade em condenar a violência em nome da religião, e por diversos motivos. Nunca houve uma condenação genérica ao terrorismo, mas apenas a atos isolados. O que se pode esperar diante de uma situação dessas?
E, para piorar, por mais anticristã e secularista que seja boa parte da sociedade francesa, foram os seus antepassados, os francos, que impediram que o Islã dominasse a Europa ocidental. Os francos foram guardiões do cristianismo, e a França promoveu a reconquista da Península Ibérica, recuperando-a para o cristianismo. Depois, os franceses, mesmo os nobres, envolveram-se diretamente na tentativa de proteger os cristãos na Terra Santa, as chamadas cruzadas, hoje lembradas apenas pela violência (que foi praticada de ambos os lados).
Como não esperar que as pessoas menos esclarecidas identificassem, onde o Islã predomina, as charges do Charlie Hebdo com o cristianismo? Foi o que fizeram no Níger, onde 45 igrejas foram saqueadas e incendiadas, e pelo menos dez pessoas foram mortas em decorrência da fúria causada por novas charges sobre Maomé publicadas por esse infame jornal.
E, diante de tamanha fúria, alguém se espanta que até crianças sejam forçadas a carregar explosivos, sendo imoladas em nome de uma religiosidade fundamentalista? Foi o que aconteceu na vizinha Nigéria, ainda esse mês. E quem se espanta que o Boko Haram domine tão amplas áreas ao norte da Nigéria e recrute tantas pessoas no Níger? Mas, quem sabe o que é o Boko Haram? Quem sabe o que se passa com nossos irmãos na África e na Ásia? Que família é essa, onde não nos importamos com a morte de tantas pessoas tão próximas e queridas?
Porque somos irmãos em Cristo, porque somos irmãos, filhos de Abraão, com os judeus e os árabes (dentre os quais surgiu o islamismo), porque somos irmãos, filhos de nossos primeiros pais, o primeiro homem e a primeira mulher, paremos toda a violência!
Passou o ano 2014, e vivemos muitas coisas boas e ruins. Com as bênçãos e a graça de Deus, passamos pelos momentos difíceis, e tanto nos foi dado que não conseguimos enumerar. Foi um ano em que muitos puderam dar testemunho da fé, seja nos atos cotidianos, seja nas grandes perseguições na Ásia e na África. Foi um ano em que ficou claro o tom do pontificado do papa Francisco, com a cultura do encontro: a aproximação pelo reconhecimento do outro e de sua linguagem. Assim houve novos marcos no ecumenismo e no diálogo inter-religioso. Assim se aproximaram, um pouco que seja, Cuba e Estados Unidos da América, e muitos outros países podem se aproximar e obter a paz, inclusive a paz interna, como na Colômbia e na Venezuela, onde a Igreja Católica desempenha um papel primordial no diálogo social. Sejamos gratos a Deus por tantas coisas!
Agora que entramos em 2015, o que esperar? Se olharmos para o mundo, perderemos a esperança: guerras, corrupção, retirada dos direitos dos mais necessitados, especialmente os órfãos e as viúvas. Se, porém, olharmos para Jesus Cristo, veremos que não é vã a nossa esperança, pois em cada momento de sua vida terrena, nos bons e nos difíceis, ele deu testemunho do Pai. E ele mesmo nos enviou o Espírito que dá testemunho. Peçamos, portanto, que o Senhor nos capacite sempre para darmos testemunho do Deus que é Pai, Filho e Espírito Santo. O Deus que é amor e é verdade. O Deus que fez com que nunca faltasse farinha à viúva e a seu filho, órfão (1Rs 17), o que curou os doentes, o que libertou os cativos. Portanto, ajamos com o amor e a verdade em cada momento de 2015, e peçamos a graça de dar bom testemunho, nas grandes e nas pequenas coisas que nos ocorrerão no ano que se inicia. Peçamos, por fim, que a toda a sociedade humana não faltem jamais a justiça e a paz.
Ontem vimos a história acontecer diante de nossos olhos. Estados Unidos da América e Cuba, unidos pelos laços da diplomacia, com a mediação do papa Francisco.
Eis meu Servo que eu amparo, meu eleito ao qual dou toda a minha afeição, faço repousar sobre ele meu espírito, para que leve às nações a verdadeira religião.
Ele não grita, nunca eleva a voz, não clama nas ruas.
Não quebrará o caniço rachado, não extinguirá a mecha que ainda fumega. Anunciará com toda a franqueza a verdadeira religião; não desanimará, nem desfalecerá,
até que tenha estabelecido a verdadeira religião sobre a terra, e até que as ilhas desejem seus ensinamentos.
Eis o que diz o Senhor Deus que criou os céus e os desdobrou, que firmou a terra e toda a sua vegetação, que dá respiração a seus habitantes, e o sopro vital àqueles que pisam o solo:
Eu, o Senhor, chamei-te realmente, eu te segurei pela mão, eu te formei e designei para ser a aliança com os povos, a luz das nações;
para abrir os olhos aos cegos, para tirar do cárcere os prisioneiros e da prisão aqueles que vivem nas trevas. (Is 42,1-7)
Esses são versos do profeta Isaías, aplicados ao Cristo de Deus. Ontem, o papa, vigário de Cristo, os cumpriu.
E o que relações diplomáticas têm a ver com religião? Tudo. “Religião” é palavra de origem latina e tem dois significados. O mais conhecido vem de religare, isto é, religar. A princípio, religar o homem e Deus. Ontem, o que aconteceu foi religar o homem com o homem. Mas, isso não teria sido possível sem o outro significado, que vem de relegere: reler. Esse grande acontecimento, que transformou armas em arados (v. Is 2,4), só foi possível graças à releitura das relações EUA-Cuba. Das antigas bases econômico-políticas, que apenas tinha olhos para o planisfério e as antigas propriedades americanas na ilha, passou-se a bases humanitárias, graças à intervenção do papa Francisco. Os olhos dos mandatários passaram a homens e mulheres que sofrem, especialmente quatro prisioneiros agora libertados. Cuba se abriu para o mundo, e o mundo se abriu para Cuba.
Religião e história brasileira
Isso nos deveria levar a reler também a história brasileira, reler acontecimentos da mesma época que a revolução cubana (1959). Isso teria impactos significativos na nossa política atual, e traria a paz política a nosso país. Os EUA optaram por isolar Cuba, mas não deu certo — apenas levou à radicalização da política cubana. Certos grupos econômicos e políticos optaram por isolar o Partido Trabalhista Brasileiro e os presidentes petebistas Getúlio Vargas (1951-1954) e João Goulart (1961-1964). Alguns cristãos também se envolveram nesse isolamento. O resultado foram 21 anos de ditadura, assassinatos políticos, torturas, exílio, guerra interna. Muitos cristãos foram perseguidos, leigos, religiosos e sacerdotes. Nem mesmo o recém-divulgado relatório da Comissão da Verdade foi capaz de realizar a releitura.
Chegou a hora de abrir os corações, retirar o coração enrijecido pelo ódio e pelo pecado e deixar Deus colocar em nós um coração de carne (Ez 11,19; 36,26), capaz de sentir com o outro, compadecer-se do sofrimento do nosso próximo. Deus veio sentir conosco todo o sofrimento humano e carregá-lo sobre a cruz. Todos sofreram as conseqüências da política de isolamento, e ainda hoje nos isolamos uns dos outros: dividimo-nos entre os que apoiam e os que repudiam a ditadura. Chegou a hora de reconhecermo-nos como irmãos. Chegou a hora de dizermos para o outro: você teve suas razões, você teve seu padecimento. Vamos agora caminhar juntos e realizar a verdadeira religião, pois, “Se alguém pensa ser piedoso, mas não refreia a sua língua e engana o seu coração, então é vã a sua religião. A religião pura e sem mácula aos olhos de Deus e nosso Pai é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições, e conservar-se puro da corrupção deste mundo.” (Tg 1,26s)
Texto de um autor do século II, lido na segunda leitura do ofício das leituras da quinta-feira da 32.ª semana do tempo comum (ontem):
O senhor declara: Meu nome é incessantemente objeto de blasfêmia entre as nações (cf. Is 52,5), e outra vez: Ai daquele por cuja causa meu nome é blasfemado (cf. Rm 2,24). Qual o motivo de ser blasfemado? Porque não fazemos o que dizemos. Os homens ouvem de nossa boca as palavras de Deus e ficam admirados por seu valor e grandeza; depois, vendo que nossas obras em nada correspondem às palavras que dizemos, começam a blasfemar, e a tachá-las de fábulas e enganos.
Ouvem-nos afirmar que Deus disse: Não é nada de extraordinário, se amais aqueles que vos amam; mas grande graça, se amais vossos inimigos e aqueles que vos odeiam (cf. Mt 5,46); ouvindo isto, espantam-se com bondade tão sublime: observando, porém, que não amamos os que nos odeiam e nem mesmo aqueles que nos amam, zombam de nós e o nome [de Deus] é blasfemado.
Quantas vezes damos motivo para blasfemarem o nome de Deus? Quantas vezes falamos de Deus, que é amor e verdade, mas odiamos e mentimos? Especialmente nesse período de ânimos ainda acirrados acerca das eleições: quantas vezes, em nome de uma visão política, atacamos nossos irmãos com ódio e deixamos de lado a verdade, sem procurá-la ou até mentindo abertamente? Estreita é a porta que leva para o céu (Mt 7,13s). Se não fazemos a vontade de Deus por amor a seu nome, que ao menos a façamos por medo do inferno e da perdição eterna. Seria muito pior que o governo de qualquer um dos candidatos.