Rússia e Coreia do Norte assinam tratado de parceria estratégica

Vladímir Putin e Kim Jong Un assinaram ontem (19) um tratado de parceria estratégica entre a Rússia e a República Popular Democrática da Coreia. O texto integral do acordo foi publicado hoje pela agência de notícias norte-coreana KCNA. O ponto que causou maior alvoroço foram os artigos relativos à parceria militar, inclusive com o fornecimento de ajuda militar em caso de agressão estrangeira, mas sob a égide do artigo 51 da Carta das Nações Unidas, que prevê o direito à legítima defesa individual ou coletiva em caso de ataque armado, submetendo-se as medidas tomadas às decisões ulteriores do Conselho de Segurança – não há, contudo, obrigação em tomar parte de combates. O secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, contudo, chamou o tratado de “pacto de defesa mútua”.

Encontro das delegações russa e coreana, dia 19 de junho de 2024 (Foto: KCNA).

Também chamam a atenção, embora não tenham repercutido tanto quanto a parceria militar, pontos como o objetivo declarado de estabelecer uma ordem mundial multipolar justa (artigo 6), a cooperação em segurança alimentar, energética e informacional (artigo 9 – muito necessárias à Coreia do Norte, que conta com poucas terras agricultáveis), a luta contra sanções unilaterais (artigo 16), a defesa de uma governança global da Internet que respeite a soberania dos estados, e até o combate ao financiamento da proliferação de armas de destruição em massa (artigo 17 – embora a Coreia do Norte tenha recentemente desenvolvido armamento nuclear).

O que diz o tratado

Veja abaixo o resumo do tratado:

  • Artigo 1: estabelece uma relação estratégica e abrangente entre as partes, baseada nas obrigações dos signatários no direito próprio e internacional, de acordo com os princípios internacionais, incluindo o respeito mútuo pela soberania dos dois estados, a integridade territorial, a não ingerência em assuntos internos.
  • Artigo 2: os dois países, por meio do diálogo e de conversações, inclusive no mais alto nível, trocam opiniões sobre as questões de relações bilaterais e a agenda internacional de interesse mútuo, fortalecendo a coordenação e interação entre ambos em plataformas internacionais.
  • Artigo 3: os dois lados cooperam entre si para garantir regional e internacionalmente a paz e a segurança duradouras.
  • Artigo 4: se uma das partes for submetida a um ataque armado de qualquer Estado ou de vários estados e assim se encontrar em estado de guerra, a outra parte imediatamente fornecerá assistência militar e não-militar com todos os meios a sua disposição, em conformidade com o artigo 51 da Carta da ONU.
  • Artigo 5: Coreia e Rússia se comprometem a não celebrar acordos com outros estados que destinados a violar a soberania, a segurança, a integridade interritorial, o direito à livre escolha e desenvolvimento do sistema político, social, econômico e cultural um do outro, nem participar de tais ações. Também os territórios dos dois países não poderão ser utilizados para esses fins.
  • Artigo 6: as duas partes apoiarão as medidas e políticas pacíficas uma da outra destinadas a proteger a soberania estatal, garantindo sua segurança e estabilidade, defendendo seu direito ao desenvolvimento, além de cooperar ativamente entre si na execução de políticas com a finalidade de uma ordem mundial multipolar justa.
  • Artigo 7: Coreia do Norte e Rússia cooperarão entre si nas Nações Unidas e suas agências especializadas nas matérias de interesse comum e de segurança das partes, além de apoiar a adesão de cada uma a organizações internacionais e regionais relevantes.
  • Artigo 8: os países criam mecanismos para atividades conjuntas destinadas a reforçar as capacidades de defesa no interesse de prevenir a guerra e promover a paz e a segurança regional e internacional.
  • Artigo 9: ambos interagem para enfrentar conjuntamente os desafios e ameaças em áreas de importância estratégica, incluindo segurança alimentar, energética e de tecnologia da informação e comunicação (TIC), alterações climáticas , saúde e cadeias de abastecimento.
  • Artigo 10: Rússia e Coreia promovem a expansão e o desenvolvimento da cooperação nos domínios econômico-comercial, de investimento, e técnico-científico. Promovem o aumento do comércio e criam condições favoráveis para a cooperação, prestam assistência às zonas econômicas especiais/livres uma da outra. Incentivam o intercâmbio e a cooperação em áreas da ciência e da tecnologia tais como o espaço, a biologia, a energia nuclear pacífica, a inteligência artificial, a tecnologia da informação e outras.
  • Artigo 11: as partes realizarão eventos para promover as relações bilaterais, incluindo missões empresariais, conferências, exposições, feiras etc.
  • Artigo 12: os dois países reforaçam o intercâmbio e a cooperação nos domínios da agricultura, educação, saúde, esportes, cultura, turismo e outros e interagirão na área da proteção ambiental e alívio de desastres naturais.
  • Artigo 13: as partes cooperam no reconhecimento mútuo de normas e outras aplicações técnicas.
  • Artigo 14: cada parte protege os direitos e interesses dos cidadãos e pessoas jurídicas da outra parte que se encontrarem em seu território. As partes cooperarão em matéria civil e criminal, incluindo na extradição de pessoas e devolução de bens.
  • Artigo 15: são aprofundados os contatos entre as entidades estatais de ambas as partes.
  • Artigo 16: Rússia e Coreia do Norte se opõem às sanções unilaterais, incluindo as de natureza extraterritorial, considerando-as contrárias à Carta das Nações Unidas e às normas do direito internacional. As partes coordenam esforços e interagem para apoiar iniciativas que visam à eliminação da prática da utilização de tais medidas. Tais medidas, prossegue o artigo, não serão aplicadas direta ou indiretamente por uma parte às pessoas naturais ou jurídicas da outra, além do quê, os países empreendem esforços para mitigar os riscos e os impactos de medidas assim adotadas por outros países.
  • Artigo 17: os países cooperam na luta contra o terrorismo internacional, extremismo, crime organizado transacional, tráfico de seres humanos, tomada de reféns, migração ilegal, fluxos financeiros ilícitos, legalização de produtos do crime, financiamento do terrorismo, financiamento da proliferação de armas de destruição em massa, ameaças à aviação civil e à navegação marítima, contrabando, tráfico de drogas, armas, bens culturais e históricos.
  • Artigo 18: estabelece a interação no domínio da segurança internacional da informação e a contribuição dos dois estados para a formação de um sistema para prover essa segurança, inclusive através de documentos universais juridicamente vinculantes. O estados, segundo a Coreia do Norte e a Rússia, devem ter direitos iguais na gestão da Internet e contra a utilização maliciosa das TIC com a finalidade de prejudicar a dignidade e a reputação de estados soberanos e usurpar seus direitos, considerando “inaceitáveis quaisquer tentativas de limitar o direito soberano de regular e garantir a segurança dos segmentos nacionais da rede global”.
  • Artigo 19: Rússia e Coreia do Norte promovem intercâmbios literários, o uso da língua coreana na Rússia e da língua russa na Coreia, o conhecimento mútuo e a comunicação de seus povos.
  • Artigo 20: os dois países cooperam em matéria midiática, na promoção global de informação objetiva sobre eles e na criação de condições favoráveis para a interação dos meios de comunicação nacionais.
  • Artigo 21: as partes trabalham para ampliar o escopo da cooperação por meio de acordos setoriais em áreas não previstas nesse tratado.
  • Artigo 22: estabelece a vigência desse tratado a partir da troca dos instrumentos de ratificação entre Rússia e Coreia do Norte e estabelece que então cessará a vigência do acordo celebrado no ano 2000.
  • Artigo 23: trata da vigência do acordo por tempo indeterminado.

(Foto em destaque: Vladímir Putin e Kim Jong Un. KCNA)

Estônia instala barreiras antitanque na fronteira com a Rússia

Barreiras antitanque conhecidas como “dentes de dragão” sendo instaladas na ponte que liga a Estônia à Rússia entre as cidades de Narva e Ivangorod.

Em mais um agravamento da tensão na fronteira noroeste da Rússia, esta noite a Estônia instalou barreiras antitanque na ponte que liga os dois países entre Narva e Ivangorod. A medida, que transmite aos habitantes locais a ideia de um suposto perigo iminente de invasão russa, veio logo após a Finlândia, recém-admitida à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), anunciar o fechamento de todas as passagens na fronteira com a Rússia, exceto a de Raja-Jooseppi.

Ambas as medidas vêm após um prolongado agravamento das tensões na região, que incluem o banimento da língua russa nas escolas da Lituânia, a respeito do qual o Alto Comissário das Nações Unidas sobre Direitos Humanos expressou sua preocupação: “O governo da Lituânia tem a obrigação, no direito internacional e em instrumentos regionais, de proteger e sustentar os direitos linguísticos das comunidades minoritárias no país, sem discriminação”. Desde o ano passado, uma lei local determinou a expulsão de pessoas apátridas ou com cidadania russa ou bielorrussa que não fossem aprovadas em um exame de proficiência da língua lituana – sendo que muitos desses apenas haviam permanecido no local onde residiam após a desintegração da União Soviética (somente os lituanos étnicos foram admitidos como cidadãos do país nessa ocasião, independente da república onde residiam na URSS).

Opinião de Visão Católica

O fim da União Soviética viu o florescimento de nacionalismos extremos nas antigas repúblicas soviéticas do leste europeu – os únicos países que até agora conseguiram controlar o fenômeno foram a Rússia e a Bielorrússia. Esses nacionalismos são direcionados contra o inimigo óbvio que foi criado: a Federação Russa, herdeira do Império Russo e da União Soviética. O fenômeno é tão grave que até mesmo os colaboradores locais do nazismo são exaltados na Ucrânia e na Lituânia, com marchas dos remanescentes das SS nazistas nesta e a glorificação de pessoas como Stepan Bandera e das organizações colaboracionistas naquela. Recentemente, um membro ucraniano das SS foi ovacionado de pé no parlamento canadense durante a visita do presidente ucraniano, Vladimir Zelenski – o Canadá abriga uma importante comunidade de ucranianos exilados após a Segunda Guerra Mundial.

O caminho para evitar conflitos passa não pela exacerbação das tensões e diferenças, nem pela perseguição de minorias étnicas ou linguísticas, mas sim pelo desarmamento e pela cooperação entre os povos, com o reconhecimento do direito de cada um deles ao desenvolvimento e à soberania. A Isso não é nenhum ensinamento novo, mas parte da Carta Encíclica Pacem in terris, do papa João XXIII, que ensina:

110. Costuma-se justificar essa corrida ao armamento aduzindo o motivo de que, nas circunstâncias atuais, não se assegura a paz senão com o equilíbrio de forças: se uma comunidade política se arma, faz com que também outras comunidades políticas porfiem em aumentar o próprio armamento. […]

112. Eis por que a justiça, a reta razão e o sentido da dignidade humana terminantemente exigem que se pare com essa corrida ao poderio militar, que o material de guerra, instalado em várias nações, se vá reduzindo duma parte e doutra, simultaneamente, que sejam banidas as armas atômicas; e, finalmente, que se chegue a um acordo para a gradual diminuição dos armamentos, na base de garantias mútuas e eficazes. […]

113. Todos devem estar convencidos de que nem a renúncia à competição militar, nem a redução dos armamentos, nem a sua completa eliminação, que seria o principal, de modo nenhum se pode levar a efeito tudo isto, se não se proceder a um desarmamento integral, que atinja o próprio espírito, isto é, se não trabalharem todos em concórdia e sinceridade, para afastar o medo e a psicose de uma possível guerra. Mas isto requer que, em vez do critério de equilíbrio em armamentos que hoje mantém a paz, se abrace o princípio segundo o qual a verdadeira paz entre os povos não se baseia em tal equilíbrio, mas sim e exclusivamente na confiança mútua. Nós pensamos que se trata de objetivo possível, por tratar-se de causa que não só se impõe pelos princípios da reta razão, mas que é sumamente desejável e fecunda de preciosos resultados.