Aborto num país sem lei

O título pode parecer forte, mas é perfeitamente adequado: um país sem lei. Um país que prevê o aborto como crime, mesmo que exclua a punição de alguns casos, mas que pratica esse crime em nome do Estado – e, conseqüentemente, em nome do povo –, não é outra coisa, senão um país sem lei. O Código Penal brasileiro tipifica o aborto provocado como crime – e é mesmo, pois mata uma pessoa. Contudo, face aos enormes problemas psicológicos que envolvem determinadas situações, exclui de punição casos como o aborto após estupro ou quando a gestante corre risco de morrer. Está errado fazer isso, permanece sendo crime, mas não é punido.

No Brasil, contudo, desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, quando José Serra era ministro da saúde (ambos são do mesmo PSDB que Aécio Neves), esse ministro editou uma “norma técnica” autorizando a prática do aborto pelo Sistema Único de Saúde (SUS) nos casos em que o crime não é passível de punição. Essa norma abriu o caminho para os abortistas expandirem suas garras até o ponto em que hoje é fácil para qualquer um abortar uma criança inocente e indefesa.

Já a lei n.º 12.485/2013 estabelece procedimentos a serem adotados no atendimento a vítimas de “violência sexual”. Observe bem que não se trata de estupro, mas de violência sexual, ou seja, engloba os crimes de estupro, violação mediante fraude, assédio sexual etc., além de outras situações violentas, mas não criminosas. O Código Penal só exclui a punição no caso de estupro. Mesmo assim, trata de promover a “profilaxia da gravidez”. Já expliquei anteriormente como isso poderia ser usado para provocar aborto extremamente precoce, através da mal chamada “pílula do dia seguinte”, que nada mais é que um remédio abortivo para os primeiros dias a partir da concepção. Em qualquer caso de “violência sexual”. Ou seja, é uma lei que acoberta um crime.

Na última quinta-feira, porém, sob Dilma Rousseff e Arthur Chioro, ambos do PT, foi publicada no Diário Oficial uma portaria do ministério da saúde não apenas autorizando a realização de abortos pelo SUS, mas até mesmo estabelecendo o preço a ser pago por cada vida tirada. Fora a infame decisão do STF contra os anencéfalos (que não é um termo correto, pois essas crianças têm o encéfalo parcialmente desenvolvido), nenhuma outra legislação brasileira autoriza o aborto, exceto normas do próprio ministério da saúde, sob gestões do PSDB e do PT, que inclusive dispensam a apresentação de boletim de ocorrência (como a portaria 1.508/2005 e a norma técnica ali referenciada).

Em suma, não há lei no país que autorize o aborto. A agenda abortista, porém, se vale de “normas técnicas”, “portarias” e “ações de descumprimento de preceito fundamental” – que não passam pelo crivo dos representantes do povo no congresso, para que o aborto seja praticado no país. E, hoje, ele pode ser praticado em qualquer caso! Afinal, não é nem sequer necessário apresentar boletim de ocorrência para dizer que houve estupro. Já seria ilegal abortar nesse caso, mas não haveria punição. No entanto, haveria punição caso o crime comunicado não tivesse acontecido. Vivemos num país sem lei!

Liberdade de opinião?

Um tribunal suíço afirmou que não constitui crime realizar em público a saudação nazista. Ela não constituiria “gesto de discriminação racial”, e realizá-la durante um comício com 150 pessoas não seria propaganda da ideologia racista dos nazistas. Mas, a que remete essa saudação?

Saudações são saudações, mas não apenas isso. Elas realizam coisas que não se vêem. Um aperto de mão negado pode ser uma grave ofensa. Um abraço caloroso reforça amizades profundas. Essas saudações tornam praticamente possível tocar as realidades intangíveis a que remetem. São símbolos muito fortes. Não à toa, os fascistas italianos restauraram a saudação da antiga Roma, remetendo ao poder da cidade que dominou o mediterrâneo. Mare nostrum, diziam – “mar nosso”.

Desconheço qualquer outra realidade a que possa remeter a saudação nazista, a não ser o terror sob o qual viveu a Alemanha e o mundo sob domínio de Hitler e de seus asseclas. Ela remete – e torna presente, real – unicamente a ideologia da supremacia germânica, dos judeus chegando em condições desumanas aos campos de concentração, ao som da Cavalgada das valquírias. É uma mistura de Wagner e Nietzsche, da glorificação das raízes pagãs germânicas e do pessimismo radical do filósofo alemão, para quem o homem nasceu para ser dominado por “homens fortes” como Hitler, Goering, et caterva. Para eles, haveria a necessidade de a Alemanha – ou melhor, dos germânicos – conquistarem para si um “espaço vital”, que dominassem com mão de ferro e no qual submetessem ou exterminassem os outros povos. A isso remete a saudação nazista. Se não é racismo, é porque é muito pior do que simples racismo.

O homem, mesmo assim, é livre para pensar. Mas não pode realizar o mal, ou terá que sofrer as conseqüências.

Leia abaixo a íntegra da notícia:

Suíça autoriza saudações nazistas

O Tribunal de Lausanne deliberou que a saudação nazista nem sempre pode ser censurada, comunica a Fox News.

Deste modo, a saudação nazista “não pode ser vista como um gesto de discriminação racial, se refletir convicções pessoais e não estiver virada para a propaganda da ideologia racista”.

A deliberação anulou uma sentença pronunciada por um tribunal de comarca em relação a um homem que tinha praticado um cumprimento nazista, dizendo as palavras “Heil Hitler” (“Salve Hitler”) durante um comício de que tomaram parte 150 pessoas.

Vale notar que os extremistas de direita violam repetidamente, há já mais de 10 anos, a ordem pública no decurso de eventos alusivos ao Dia Nacional da Suíça, demonstrando símbolos nazistas.

O gesto de saudação de Hitler é qualificado como um crime de delito comum na Alemanha, Áustria e a República Tcheca.

Fonte: Voz da Rússia

Mais uma mártir moderna

A sentença, a 100 chibatadas e à morte, ainda não foi cumprida, porque está grávida. Porém, Maryam, sudanesa, filha de pai muçulmano e mãe cristã, foi condenada por ter-se declarado cristã perante um tribunal. Fê-lo para defender-se de outra acusação: um suposto adultério, por ser esposa de um cristão (o matrimônio não é reconhecido pela lei islâmica).

Esse é apenas mais um episódio entre tantos que vemos todos os anos acontecerem em países que impõem a sharya (lei do Islã) a cidadãos que não são, nem nunca foram muçulmanos. E em nossos tempos (obrigado, George Bush!) está em voga dizer que os cristãos perseguem muçulmanos! Remetem às cruzadas, feitas para proteger os peregrinos nos lugares santos, então recém-conquistados militarmente por reinos islâmicos. Remetem a guerras perpetradas como supostas respostas a atos terroristas realizados por grupos islâmicos. Remetem à xenofobia que tem aumentado na Europa (como se essa não atingisse cristãos).

No entanto, o que vemos? Alguns países de maioria muçulmana vêm aplicando leis contra aqueles que praticam outra religião, em geral o cristianismo. Trata-se de leis contra práticas religiosas, e não uma lei que por acaso atinja mais quem não é muçulmano. Se o Islã é a religião da submissão, como diz seu nome, tentam ao invés submeter os que não são muçulmanos. E por meios ainda mais brutais que os previstos no Corão. Não se limitam à perseguição econômica (que já é perseguição), mas vão às sanções penais, até mesmo à pena de morte, produzindo incontáveis mártires modernos.

Temos aqui no Brasil uma feliz convivência com nossos irmãos muçulmanos – que são filhos de nosso pai Abraão por meio de Ismael. Mas não podemos, em nome dessa convivência, deixar de denunciar a perseguição que sofrem nossos irmãos divinos (filhos adotivos de Deus Pai por Jesus Cristo, no Espírito Santo). Todos cremos no Deus único. O Corão não dá margem à conversão forçada de cristãos ou judeus. Por que deveríamos ignorar essa violência? Nós, que proclamamos que Deus é amor e é vida (I Jo 4,8.16; Jo 14,6), poderíamos deixar o nome de Deus ser usado para a morte? Não. Temos que afirmar: a lei natural e a lei divina são contra a morte. Proclamemos, todos os homens e mulheres, em especial os que acreditamos no Deus vivo: a vida é direito natural e divino de todo homem e de toda mulher!

São José Operário

Hoje, dia do trabalho, é dia de refletir sobre o mistério do homem participando da criação de Deus. É nesse dia que celebramos a memória de S. José, esposo da Virgem Maria, sob o aspecto do trabalhador. Interessante refletir sobre o hino das laudes:

Anuncia a aurora do dia,
chama todos ao trabalho;
como outrora em Nazaré,
já se escutam serra e malho.

Salve, ó chefe de família!
Que mistério tão profundo
ver que ensinas teu ofício
a quem fez e salva o mundo!

Habitando agora o alto
com a Esposa e o Salvador,
vem e assiste aqui na terra
todo pobre e sofredor!

Ganhe o pobre um bom salário,
e feliz seja em seu lar;
gozem todos de saúde
com modéstia e bem-estar.

São José, roga por nós
à Trindade que é um só Deus;
encaminha os nossos passos,
guia a todos para os céus.

Quando Deus criou o mundo, disse ao homem: “Frutificai – disse ele – e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a. Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra.” (Gn 1,28b-c) Aliás, “o Senhor Deus tomou o homem e o colocou no jardim do Éden, para cultivar o solo e o guardar.” (Gn 2,15) Sem o homem, a terra seria vazia e estéril (Gn 2,5). Quando, porém, o homem e a mulher pecaram, o trabalho, que deveria ser participação alegre e suave na obra divina, se tornou penoso, e o objeto do trabalho, como que um inimigo diante do homem (Gn 3,17-19).

O trabalho, pois, deve ser digna participação na obra divina, e tudo aquilo que o torna penoso é participação no pecado. A importância do trabalho é tamanha que o próprio Deus quis se tornar um trabalhador. Os governos e empregadores devem se esforçar ao máximo para que os trabalhadores tenham dignas condições de vida e de trabalho, e os trabalhadores devem procurar tais condições com alegria e altivez, pois tomam parte da obra de Deus. Neste ano de eleições, esse é um dos aspectos que devemos considerar ao escolher nossos candidatos, ao lado da defesa da vida, do nascituro, da infância, do meio ambiente, da dignidade da condição humana em geral, assim como da liberdade de consciência e de religião, para que possamos sempre professar nossa fé com liberdade e em público.

Para finalizar, deixo aqui as preces e a oração do dia (chamada coleta) para as laudes de hoje:

Oremos humildemente ao Senhor, de quem procede toda perfeição e santidade dos justos; e digamos:
R. Santificai-nos Senhor, segundo a vossa justiça!
Senhor Deus, que chamastes os nossos pais na fé para caminharem na vossa presença com um coração perfeito, fazei que, seguindo os seus passos, alcancemos a perfeição de acordo com a vossa vontade.
R. Santificai-nos Senhor, segundo a vossa justiça!
Vós, que escolhestes São José, homem justo, para cuidar de vosso Filho na infância e juventude, fazei que sirvamos em nossos irmãos e irmãs o Corpo místico de Cristo.
R. Santificai-nos Senhor, segundo a vossa justiça!
Vós, que destes a terra aos seres humanos para que a povoassem e dominassem, ensinai-nos a trabalhar corajosamente neste mundo, buscando sempre a vossa glória.
R. Santificai-nos Senhor, segundo a vossa justiça!
Pai de todos nós, lembrai-vos da obra de vossas mãos, e dai a todos trabalho e condições de vida digna.
R. Santificai-nos Senhor, segundo a vossa justiça!

E agora, obedientes à vontade de nosso Senhor Jesus Cristo,ousamos dizer:
Pai nosso que estais nos céus,
santificado seja o vosso nome;
venha a nós o vosso reino,
seja feita a vossa vontade,
assim na terra como no céu;
o pão nosso de cada dia nos dai hoje;
perdoai-nos as nossas ofensas,
assim como nós perdoamos
a quem nos tem ofendido,
e não nos deixeis cair em tentação,
mas livrai-nos do mal.

Oremos:
Ó Deus, criador do universo, que destes aos homens a lei do trabalho, concedei-nos, pelo exemplo e a proteção de São José, cumprir as nossas tarefas e alcançar os prêmios prometidos. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém.

Uma lei que legalizaria o aborto?

No dia primeiro deste mês foi promulgada a lei n.º 12.845/2013, que trata do “atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual”. Vejamos seu texto:

Art. 1o Os hospitais devem oferecer às vítimas de violência sexual atendimento emergencial, integral e multidisciplinar, visando ao controle e ao tratamento dos agravos físicos e psíquicos decorrentes de violência sexual, e encaminhamento, se for o caso, aos serviços de assistência social.

Art. 2o Considera-se violência sexual, para os efeitos desta Lei, qualquer forma de atividade sexual não consentida.

Art. 3o O atendimento imediato, obrigatório em todos os hospitais integrantes da rede do SUS, compreende os seguintes serviços:
[…]
IV – profilaxia da gravidez;

O atendimento integral à vítima de violência sexual (mesmo que não seja crime de estupro) é evidentemente necessário e bom. Contudo, o que deve ser realmente entendido como “atendimento integral”? Nem tudo o que está na lei.

O aborto continua sendo crime, ainda que, de maneira igualmente criminosa, o STF tenha estendido a ausência de punição a casos que a lei não prevê. Se considerarmos apenas o código penal, nenhum médico poderia realizar aborto no Brasil, pois todo aborto provocado é crime, mesmo que não possa haver punição nos casos previstos. Para evitar problemas com o código penal, a lei n.º 12.845/2013 traz o termo “profilaxia da gravidez”. Mas, o que é isso, afinal?

“Profilaxia”, a princípio, é a prevenção de doenças ou a preservação da saúde. Trata-se, portanto, de transformar em “doença” uma situação muito especial e que exige cuidados, mas que não é um funcionamento anormal do organismo – ao contrário, é esperado que a mulher saudável possa engravidar mediante relação sexual. Há, como se vê, uma inversão de valores, que transforma o positivo em negativo.

Além disso, o que poderia ser feito para a “profilaxia” da gravidez? Se a mulher já ovulou e o óvulo já perdeu seu poder de gerar uma nova vida mediante a fecundação por um espermatozóide, não há o que ser feito, pois não ocorrerá gestação. Se a mulher ainda não ovulou, pode-se induzir quimicamente a infertilidade. Se, porém, a mulher está fértil durante a violência sexual e a ovulação ocorreu antes da chegada ao serviço de saúde, não há o que se possa fazer.

Alguém poderia argumentar: mas e a pílula do dia seguinte? Efetivamente, ela pode retardar ou impedir a ovulação, além de alterar o muco cervical – até aí, semelhante a qualquer esterilização química.

Foto de embrião
Embrião humano com 9 semanas de gestação

Porém, ela também impede que a blástula penetre o endométrio (camada do útero que o bebê recém-gerado penetra) e ali se fixe, o que levaria, sendo um ser humano saudável, ao prosseguimento do desenvolvimento com a transformação em embrião, depois feto, bebê, criança, adolescente, adulto e idoso.
Quer dizer, a pílula do dia seguinte, utilizada quando o óvulo pode ter sido fecundado, é um método abortivo, uma forma de matar um ser humano desprotegido.

Infelizmente, a sociedade, vitimada por uma propaganda enganosa, não tem compreendido isto. Tratam o ser humano como um objeto descartável apenas porque não nasceu. Mas, se fosse assim, por que o aborto natural ou o óbito fetal causariam tanta dor em quem os sofre? O natimorto “morreu”, “foi a óbito”, recebe uma certidão no cartório, inscrita no livro auxiliar de óbitos, e seu “decesso” deve ser sepultado. Isso tudo se fala ou se faz com seres humanos, não com coisas outras. Matar um zigoto, uma mórula, um embrião porque o sexo não foi consentido é matar um ser humano pleno, que se desenvolverá em feto e depois em nenê, como uma criança se desenvolve em adulto, e um adulto se desenvolve em velho.

A lei efetivamente traz esse ponto profundamente negativo: trata a gestação de um novo ser humano como doença e, porque a sociedade aceita a pílula do dia seguinte como um método supostamente não-abortivo (enganada que está pela propaganda), mesmo matando o embrião por impedir sua fixação no útero, a lei assim permite o aborto.

A Virgem Maria e a paz

Hoje, 1.º de janeiro, é dia de celebrar a Virgem Maria, Mãe de Deus, e é também Dia Mundial da Paz. Curiosos os caminhos da história que colocaram no mesmo dia a celebração daquela que é, pela maternidade, a Rainha da Paz, e a festa daqueles que querem um mundo de paz e de justiça.

Assim profetizou Miqueias, há milhares de anos:

Deus deixará seu povo ao abandono, até ao tempo em que uma mãe der à luz; e o resto de seus irmãos se voltará para os filhos de Israel. Ele não recuará, apascentará com a força do Senhor e com a majestade do nome do Senhor seu Deus; e ele será a paz. [Mq 5,2-3a.4a]

“O resto de seus irmãos se voltará para os filhos de Israel”, porque Jesus Cristo não veio fazer distinção entre Israel e Judá, mas veio buscar suas ovelhas no aprisco de todos os povos (Jo 10,16), e porque, recebendo d’Ele a filiação divina, “já não há judeu, nem grego”, mas somos um só em Cristo (Gl 3,28s). Como alguém, nessa situação, poderia buscar a guerra, a iniquidade, a discórdia?

Infelizmente, isso existe, pois nem todos reconhecem que Deus veio ao mundo para nos tornar seus filhos, e mesmo muitos que professam essa verdade com a boca, não o fazem com o espírito e com as obras. É por isso que a Igreja, mesmo na solenidade da Virgem Maria, Mãe de Deus, não esquece da buscar a paz, e, com sua doutrina social e o Conselho Pontifício “Justiça e Paz” (e as comissões episcopais), continua perseguindo uma sociedade que corresponda aos ensinamentos evangélicos.

Assim, nesse novo ano, desejo a todos os leitores que celebrem a maternidade divina de Maria, vivam conformes a Jesus Cristo – Caminho, Verdade e Vida – e busquem sempre a paz entre os irmãos. Amém!

Cristianismo, sempre perseguido

Acostumamo-nos a crer que é possível ser um cristão acomodado. (A princípio) não andamos pela rua com medo de sermos reconhecidos como cristãos. Quando alguém pergunta, até dizemos, um tanto embaraçados, qual a nossa religião. Justamente aí deveríamos ver que, mesmo hoje em dia, não é fácil ser cristão.

Em muitos países, a violência atinge graus extremos. Na Síria, entre as minorias que os rebeldes fizeram vítimas dos conflitos (forçando assim, senão uma aliança direta com o governo de Bashar al Assad, ao menos uma solidariedade, visto que também o presidente daquele país é membro de uma minoria, a dos islâmicos alawitas), entre essas minorias estão os cristãos, constantemente acossados. Em Israel, a violência também aumenta. No Paquistão, há uma “lei da blasfêmia“, propícia a todo tipo de abusos. Na Índia, pais maltratam e expulsam filha que se converteu ao cristianismo. No Laos, onde a constituição assegura a liberdade de religião, um homem foi preso por converter 300 pessoas à fé cristã. Mas, esses casos, por brutais que sejam, parecem distantes. Aqui no “ocidente”, com sua cultura de tolerância e liberdade, as coisas são diferentes. Na Inglaterra, por exemplo, pessoas são proibidas de usar crucifixos no trabalho.

Como disse acima, muitas vezes ficamos perturbados se nos perguntam qual a nossa religião. Isso acontece porque hoje existe uma cultura avessa a qualquer religiosidade externa – a religião é assunto privado, dizem. Assim, participar da Igreja seria um atentado contra a modernidade. E dessa modernidade somos vítimas, muitas vezes passivas. O primeiro passo que devemos dar é dizer sem constrangimentos: somos cristãos. Ao mesmo tempo, ajamos no amor e na verdade. A cada pequeno ato de caridade na verdade, estaremos agindo contra essa perversa ordem que tenta nos manter isolados, com uma fé confinada no indivíduo. Para sermos luz do mundo (Mt 5,14-16), não podemos nos confundir com as trevas.

Aborto e socialismo

É comum ouvir falar que, dentre os direitos das mulheres, conquistados ou por conquistar, estaria o direito a “decidir sobre o próprio corpo”, eufemismo para o aborto artificial. Não há dúvida de que a mulher tem direito sobre seu corpo, e este deve ser exercido em todos os momentos, mas não de maneira inconseqüente. Esse discurso, do “direito de decidir”, é freqüentemente adotado por grupos socialistas, que, de um lado, buscam uma solução coletiva para os problemas humanos, opondo-se fortemente ao individualismo do mercado. Do outro lado, porém, rendem-se facilmente à mercantilização do próprio ser humano e ao seu aniquilamento na massa mercantil.

É indubitável que cada ser humano, pela sua própria dignidade, tem direito a escolher seu destino. Contudo, essa escolha o vincula a suas conseqüências. Um exemplo comum disso é a liberdade de cada um expressar sua opinião – é um direito inalienável na sociedade atual. Contudo, caso a pessoa, expressando sua opinião, ofenda um terceiro, este terá direito a exigir a responsabilização de quem o ofendeu. O direito à resposta e à indenização não exclui o direito à expressão, e vice-versa.

A mesma comparação podemos fazer a respeito dos direitos sexuais e reprodutivos. Ninguém pode ser obrigado a manter uma relação sexual. Contudo, a partir do momento em que escolheu relacionar-se sexualmente, está vinculado a suas conseqüências. Nesse caso, só quem não tem obrigação alguma é o terceiro que eventualmente surgir dessa relação, o nascituro. Este é um ser humano pleno, tanto quanto uma criança nascida, rumo à maturidade corporal e intelectual, ou quanto um idoso, que já passou do auge físico, mas preserva integralmente seus direitos. O nascituro é um ser humano vivo e integral, nos estágios iniciais do constante desenvolvimento do indivíduo.

Nesse momento em que da relação sexual surgiu um terceiro, alguns querem dizer que o terceiro tem menos direitos que os envolvidos no ato que lhe deu origem, menos direitos humanos, menos direitos fundamentais. Admitir que um ser humano tenha menos direitos que outro é abrir largas avenidas em direção à segregação e ao assassinato socialmente consentidos de largas faixas da população, como no nazismo ou no apartheid.

Outro aspecto da questão é o liberalismo sexual, que leva ao já mencionado aniquilamento do ser humano na massa indistinta do mercado. Se verdadeiramente um socialista deseja uma sociedade de realização do ser humano, deve considerar que cada indivíduo goze de uma dignidade que lhe é própria. Contudo, a satisfação hedonista do desejo sexual leva ao oposto, à genitália humana na prateleira do mercado. Tudo se transforma em mero valor de troca, inclusive o ser humano. Uma verdadeira emancipação do indivíduo em relação à massificação mercantil deve necessariamente passar pela valorização do ser humano enquanto tal, que não pode vir a ser submetido a uma troca mercadológica.

Ocorre que é justamente o pensamento do indivíduo sexualmente aniquilado que perpassa a defesa do aborto artificial. Se o ser humano for retirado da prateleira, terá efetivamente um vínculo com sua ação. Se, ao contrário, for cada vez mais submetido às relações de troca mercantil, some esse vínculo pelo simples fato de que o ato, no caso o ato sexual, deixa de ter um significado próprio, e passa a ser uma mera relação entre dois objetos trocados, e trocados necessariamente, pois o valor de troca (monetário) de um é suficiente para pagar pelo outro. O ser humano some, e somente assim pode sumir o seu vínculo com a própria ação.

O cristão na civilização do mal-estar

Ontem à noite na minha turma do Curso Superior de Teologia houve uma interessante discussão sobre o papel do cristão (e do teólogo) num mundo dominado pela permanente necessidade. O debate foi baseado na parte I do livro Teologia e outros saberes, de João Décio Passos. É claro que a discussão se prolongou, não caberia toda aqui, mas seleciono algumas questões que considero importantes.

A civilização do mal-estar

Um dos temas do debate foi a constante necessidade de consumo ou domínio criada pela sociedade atual. Não apenas pelo ritmo da inovação tecnológica, que por si não é ruim, mas pela necessidade imprimida às pessoas de sempre ter o mais novo, sempre ter o controle sobre tudo, sempre não ter carência alguma. Isso tudo gerado necessariamente num contexto em que o ser humano se imaginou capaz de tudo, inclusive de satisfazer todas as suas necessidades.

O primeiro passo para contornar o problema da impotência, que gera depressão e estresse, é reconhecer a capacidade natural do ser humano de dominar a natureza, mas também sua incapacidade de ter o pleno controle exigido hoje em dia. Mais que nunca, o homem pergunta: “de onde me virá o socorro?” Mais que nunca é hora de responder: “o meu socorro virá do Senhor, criador do céu e da terra”. (Sl 120,1-2)

O raciocínio é simples: o homem é capaz de abarcar a criação? Talvez algum positivista no século XIX respondesse que sim. Contudo, a ciência evoluiu muito desde então, mas continua sempre à mesma distância de compreender tudo o que existe. O socorro só pode vir de Deus, o qual é infinitamente maior que a criação. Quando a razão não dá a resposta, é hora de se deixar levar pela fé, que não lhe é oposta, mas complementar. “Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio” (Beato João Paulo II, Fides et ratio). Santa Tereza Benedita da Cruz (Dr.ª Edith Stein) já dizia: “quem busca a verdade, busca Deus, seja ou não consciente disso”. Para São João da Cruz, é a fé que ilumina o ser humano quando a razão não lhe dá a luz (Subida do Monte Carmelo, s. 2).

O papel do cristão

Muito bem, e como o cristão deve agir? Parando. Na extrema velocidade em que vivemos, na rápida sucessão de necessidades, a satisfação só pode ser atingida parando. E, para parar, precisamos estar em movimento. Disse então que deveríamos voltar às origens, ao tempo da perseguição romana, quando os cristãos eram perseguidos não por não se inserirem na civilização romana, mas por não se curvarem ao imperador – apenas Deus deve ser cultuado.

Os avanços da ciência são bem vindos. Os confortos trazidos pela tecnologia fazem parte da nossa cultura e não há como retroceder – nem seria benéfico. Contudo, é preciso parar e entregar-se a Deus. Buscar satisfação dentro de si próprio, como se um vazio pudesse preencher o próprio vazio, semelhante a um copo enchendo-se a si mesmo com o próprio copo, é estar fadado à incapacidade de ser feliz.

Nosso testemunho deve ser o de poder sair do ciclo da necessidade e chegar ao ciclo da satisfação: Deus se entrega e se une a nós, que nos entregamos e nos unimos a Deus, em atos e em oração. Vivermos no mundo, mesmo não sendo do mundo (Jo 17,13ss). Assim poderemos ser luz para iluminar esse mundo tenebroso (Mt 5,14-16; Ef 6,12).