Direito humano e direito divino

Onde se nega a dependência do direito humano do direito divino, onde não se apela senão para uma idéia mal segura de autoridade meramente terrena, onde se reivindica uma autonomia fundada apenas numa moral utilitária, ali o próprio direito humano perde justamente, nas suas aplicações mais gravosas, a sua força moral, que é a condição essencial para ser reconhecido e para exigir sacrifícios, se forem precisos.

(Papa Pio XII, Summi Pontificatus, n. 41)

Participação social, etc. e tal (ou: o Brasil segue na direção oposta ao comunismo)

Recentemente (logo antes do 1.º turno), tive a oportunidade de participar, como representante do órgão público em que trabalho, de uma reunião no Palácio do Planalto a respeito de participação social no Mercosul e na Unasul. Já escrevi a respeito da política nacional de participação social e do voto anticomunista, o que deveria tornar desnecessário relatar tal reunião por aqui. Mas, como esse assunto sempre vem à tona quando os mais favorecidos entram na disputa política, deixo para você um brevíssimo relato do que vi e ouvi.

Primeiro: segundo a própria Igreja, “toda democracia deve ser participativa” (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 190). Isso, ao menos, se o desejado é realmente representar a vontade do povo, que só é conhecida pelo povo coletivamente. Essa participação não se resume ao voto periódico para eleger representantes, mas pode assumir as formas mais diversas, como o plebiscito, o referendo, consultas públicas e conselhos de políticas públicas. Estes, aliás, existem no Brasil já há décadas, tendo sido criados até mesmo durante a ditadura militar, que atuou em nome do anticomunismo.

É moda, porém, em alguns setores, tratar qualquer forma de democracia participativa como “comunismo”. São pessoas que afirmam que o país segue atrás de Venezuela e de Bolívia rumo ao comunismo, quando na verdade segue até mesmo na direção oposta. São pessoas que falam uma coisa aqui, e outra, contrária, ali. Um exemplo de incoerência, o PSDB foi contra o decreto que consolidou a Política Nacional de Participação Social. Sob o disfarce de resguardar a divisão de poderes, quis extirpar da legislação brasileira a garantia de que o povo deve ser ouvido durante a formulação de políticas que estão sob a responsabilidade do poder executivo. O ex-candidato ao governo do Distrito Federal pelo PSDB, Luiz Pitiman, chegou a afirmar que “O PT avança para o comunismo no Brasil”. Por outro lado, o programa de governo registrado por Aécio Neves no Tribunal Superior Eleitoral afirma:

O Governo Federal deve estimular o debate e a busca de consensos por meio da participação social de grupos, coletivos, organizações não-governamentais, movimentos sociais e populares. Não se pode buscar as soluções para os graves problemas nacionais sem escutar aqueles que tem a efetiva vivência destes em seu dia-a-dia e quem trabalha para resolvê-los. A participação do cidadão também se manifesta por meio dos Conselhos Nacionais de políticas públicas, que devem ser prestigiados e fortalecidos. (p. 24-25)

O PSDB deveria decidir se é a favor ou contra a participação social…

Vamos, porém, ao que interessa. Fui, na citada reunião, um dos representantes do órgão público em que trabalho, o qual compõe a Presidência da República. Havia ali, na sala de reuniões leste do Palácio, um grande número de cadeiras, a maioria destinada aos representantes da sociedade civil. Havia também um número menor, mas significativo, de cadeiras destinadas aos representantes dos órgãos públicos.

A diversidade de representantes da sociedade civil organizada impressionava. Ao lado do MST ou da UBM, uma organização internacional de jovens evangélicos e outra, latino-americana, de micro, pequenos e médios empresários. Grande diversidade social e de opiniões políticas. Na própria organização da reunião, o cuidado para não manipular, nem parecer que se manipulasse a opinião social, foi a grande regra. Nos dois dias, muito tempo foi destinado a que os representantes da sociedade civil discutissem entre si as questões relativas à participação social no Mercosul e na Unasul. Algumas opiniões resultantes dessas discussões inclusive divergiram do entendimento do governo federal. Um exemplo: o governo não admite que haja um representante da sociedade civil em cada conselho da Unasul (especialmente o de defesa), enquanto a sociedade civil o queria. Esta é apenas uma das divergências que o atual governo está disposto a ouvir, enquanto a prática tucana quer desprezá-la.

Apenas mais um aspecto importante, pois PSDB, DEM e seus simpatizantes costumam pintar o governo de “vermelho” e “bolivariano”, como se fosse um governo socialista e guiado pela Venezuela e pela Bolívia. Especificamente em relação à participação social na Unasul, o Brasil (governo e representantes da sociedade) é contra a forma de participação proposta por aqueles países, que pode colocar em risco o próprio espírito da Unasul, que é de estabilização regional, procurando dirimir conflitos e confrontos, numa área do globo com visões político-econômicas tão diversas como as da Colômbia, da Venezuela, do Chile, do Paraguai ou da Bolívia. Muitos militantes da campanha tucana igualam a Unasul à União Soviética, mas, os países com governos de orientação socialista (Bolívia e Venezuela) vão em uma direção, e o governo brasileiro vai na direção contrária.

Enfim, é o que posso dizer no momento sobre esse importante tema. Que o Senhor Deus nos ilumine e nos guie para um bom voto, com uma consciência bem formada, sem medos preconcebidos, procurando compreender a realidade atual e rezando sempre por nossos governantes. Que Deus abençoe e proteja o Brasil, pela intercessão da Santíssima Virgem, nossa mãe, a quem recorremos sob o título de Nossa Senhora da Imaculada Conceição Aparecida. Amém.

Cuidado com o voto anticomunista!

Caro leitor, nesse período eleitoral tenho debatido muito a respeito de quem seria o melhor candidato para votarmos nessa eleição. Não é uma escolha fácil. Eu mesmo só na manhã de hoje cheguei à conclusão de para quem irá meu voto. Contudo, a cada eleição, e mesmo a cada conversa política, chama-me a atenção o argumento anticomunista como desculpa para apoiar o liberalismo (do PSDB, geralmente). Tome cuidado! O liberalismo é condenado pela Igreja na mesma proporção do comunismo. Ilustro minha afirmação com um trecho da carta apostólica Octogesima adveniens, do servo de Deus papa Paulo VI:

Por outro lado, assiste-se também a uma renovação das chamadas doutrinas liberais. Esta corrente procura afirmar-se tanto em nome da eficácia econômica, como em defesa do indivíduo contra a ação cada vez mais invasora das organizações, como, ainda, em reação contra as tendências totalitárias das autoridades públicas. Certamente, a iniciativa pessoal deve ser conservada e desenvolvida, mas será que os cristãos que se comprometem nesta linha não terão também eles a tendência de imaginar o liberalismo como totalmente perfeito, o qual então aparece como uma proclamação em favor da liberdade? Eles querem um novo modelo desta doutrina, mais adaptado às condições atuais, mas esquecem facilmente que, na sua própria origem e raiz, o liberalismo filosófico é uma afirmação errônea da autonomia do homem individual quanto à sua liberdade. Isto significa que a ideologia liberal exige igualmente [assim como o marxismo] um discernimento da parte dos cristãos. [Papa Paulo VI, Octogesima adveniens, 36; DS 4509]

Portanto, não fundamente seu voto no anticomunismo, porque o outro lado é liberal. Ambas as doutrinas exigem cuidadoso discernimento, ambas contém erros profundos na relação do homem com Deus.

Inaugurada estátua de Nossa Senhora no Iraque

A notícia não traz foto, nem muitos detalhes, mas, sobre uma fonte de 10 metros (de altura?) foi colocada e inaugurada uma estátua da Mãe de Deus. “Agora, todo mundo sabe que este é um país cristão”, disse um jovem morador de Erbil, cidade do norte iraquiano. Soa como um desafio numa localidade que abriga não só sua comunidade cristã, mas também muitas famílias refugiadas devido à perseguição dos jihadistas no Iraque. Mas é, isto sim, um sinal de que Deus está presente todos os dias, até o fim do mundo (Mt 28,20), sem jamais abandonar seus filhos e filhas. Glória a Deus!

Dia mundial de oração pela paz no Iraque

Se ontem a Primeira Guerra Mundial completou 100 anos de deflagração, hoje a Europa vive um incomum cenário de guerra civil na Ucrânia. A falta de entendimento e cooperação entre a União Européia e a Rússia, que revivem um cenário de “guerra fria”, apoiando cada um um dos lados em disputa, provoca um sangrento conflito, que pode ter ocasionado até mesmo a morte dos ocupantes do avião da Malasian Airlines que recentemente caiu na região Donetsk, talvez abatido pelos rebeldes. É o retrato de um mundo violento, cujo príncipe, já derrotado por Jesus Cristo, em seus estertores provoca morte e destruição.

Ao mesmo tempo vemos o conflito entre Israel e Hamas em Gaza, na estreita faixa que nem mesmo nos tempos antigos os filhos de Jacó conseguiram verdadeiramente dominar. Na Líbia, na Síria, no Líbano, no Iraque, a mal-chamada “primavera árabe” provoca conflitos aparentemente intermináveis. Em todos esses lugares, a população sofre, e sobremaneira, os cristãos. Em Mosul, especialmente, a antiga Nínive, os cristãos foram expulsos da cidade ou assassinados, por se negarem a abandonar a fé. A culpa recai sobre um grupo jihadista originado na Síria, e que tenta constituir um estado islâmico sunita na região, um novo califado. As mesquitas xiitas também são alvo de ataque, inclusive a que foi construída sobre um antigo mosteiro no qual se encontrava o túmulo do profeta Jonas.

Por tudo isso, a Ajuda à Igreja que Sofre (AIS) e o patriarca caldeu no Iraque chamam a Igreja e todas as pessoas, no mundo todo, a rezar amanhã, dia 6 de agosto, pela paz no Iraque. É a terra de nossos pais na fé, Abraão, Isaac e Jacó. É a festa da Transfiguração, e todos nós somos chamados a nos transfigurarmos em Jesus Cristo, que nos deixou a paz (Jo 14,17), paz que devemos semear por toda a criação. Para isso, o patriarca nos deixou uma oração:

Senhor,
a situação do nosso país
é crítica e o sofrimento dos cristãos
é pesado e nos assusta,
é por isso que Te pedimos, Senhor
para salvar as nossas vidas,
concede-nos paciência e coragem
para que possamos continuar a testemunhar
nossos valores cristãos com confiança e esperança.
Senhor, a paz é o fundamento de toda a vida;
Dá-nos paz e estabilidade
para que possamos viver uns com os outros sem medo,
sem ansiedade, com dignidade e alegria.
Glória a Ti para sempre.

Enquanto isso, devemo-nos lembrar das palavras de Jesus, e fortalecermo-nos nelas:

Expulsar-vos-ão das sinagogas, e virá a hora em que todo aquele que vos tirar a vida julgará prestar culto a Deus. Entretanto, digo-vos a verdade: convém a vós que eu vá! Porque, se eu não for, o Paráclito não virá a vós; mas se eu for, vo-lo enviarei. E, quando ele vier, convencerá o mundo a respeito do pecado, da justiça e do juízo. Convencerá o mundo a respeito do pecado, que consiste em não crer em mim. Ele o convencerá a respeito da justiça, porque eu me vou para junto do meu Pai e vós já não me vereis; ele o convencerá a respeito do juízo, que consiste em que o príncipe deste mundo já está julgado e condenado. Referi-vos essas coisas para que tenhais a paz em mim. No mundo haveis de ter aflições. Coragem! Eu venci o mundo. (Jo 16,2.7-11.33)

Os mártires de hoje

O papa Francisco declarou nesta segunda-feira: “há mais mártires na Igreja hoje do que nos primeiros séculos”. Disse isso na comemoração dos primeiros mártires de Roma, mortos na colina vaticana durante a perseguição de Nero, no primeiro século. Há muitos mártires hoje em dia, alguns que testemunham a fé com o próprio sangue, outros, sendo perseguidos e mantendo a fé.

Não faz muito tempo, noticiei aqui o martírio da sudanesa Meriam Yahya Ibrahim, presa e condenada à morte por “apostasia”, mesmo tendo sido cristã desde criança. Grávida, deu à luz na prisão, mas presa pelos pés, sem poder sequer abrir as pernas como deveria. Sua filha é deficiente por causa disso. Felizmente, encontra-se refugiada na embaixada americana, esperando documentos que permitirão sua saída do país.

A notícia de hoje dá conta da piora do estado de saúde de outra mártir, Asia Bibi, presa e condenada à morte no Paquistão por “blasfêmia”. Mesmo os muçulmanos que a defendem são alvo dos extremistas islâmicos. O Paquistão é um dos países que mais mártires fornece à Igreja, tanto católicos quanto protestantes.

Também hoje, outra notícia se refere à insegurança vivida por meninas e mulheres cristãs em Bangladesh, à mercê de violência sexual. E um terceiro caso é a perseguição em Mosul, no Iraque, pelos combatentes do chamado “Estado Islâmico do Iraque e do Levante”. Além daqueles que fugiram da cidade (como os cristãos que fugiram de Jerusalém durante o levante judeu de 66-70 d.C.), duas freiras e três meninas foram seqüestradas e igrejas foram saqueadas. Da igreja sírio-ortodoxa dedicada a Santo Efrém, a cruz foi retirada do altar.

Temos ainda o caso do testemunho dado pelas famílias afetadas pela guerra civil na Síria, onde os cristãos em geral procuraram manter-se neutros, apesar de acossados pelos insurgentes. A neutralidade visa justamente a não se tornarem alvo em uma guerra que envolve facções islâmicas, inclusive a que se apoderou de parte do Iraque, anunciando a criação de um novo califado. É extremamente preocupante a situação dos cristãos nos dois países.

Estamos todos unidos a estes mártires quando vivemos e damos testemunho de nossa fé. A cada Eucaristia celebrada, a cada sacramento que se realiza, participamos do testemunho de Jesus Cristo, e com ele estamos junto de todos os que sofrem a perseguição religiosa. “Mártir” é aquele que dá testemunho, e é justamente esse o significado da palavra de origem grega. Todos nós somos “mártires” quando vivemos cotidianamente a nossa fé, nos atos comuns e nos atos religiosos. Dar um “bom dia” cordial mesmo àquele que se faz nosso inimigo, amar os que nos odeiam — ainda que isso signifique apenas não desejar o mal —, dar graças a Deus por nossas vidas e por aqueles que somos encarregados de cuidar, ou mesmo por estarmos em um congestionamento rumo ao trabalho, pois temos uma ocupação digna e meios de chegar: são todos atos de testemunho, de martírio. Peçamos a Deus por nossos irmãos perseguidos, para que sejam fortalecidos pelo Espírito Santo e tenham como meta unir-se a Cristo. E que a Igreja tenha liberdade para pregar o Evangelho e fazer discípulos todos os povos. Amém!

O decreto n.º 8.243/2014 extinguiria a democracia?

As últimas semanas foram justamente pautadas pelo debate da infame portaria n.º 415/2014, da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde. Simultaneamente, houve a edição do decreto presidencial n.º 8.243/2014, que trata da Política Nacional de Participação Social (PNPS). Trata-se de assunto há muito discutido no governo federal, e que remonta aos tempos de Getúlio Vargas, com a Conferência Nacional de Saúde. Hoje existem conferências as mais diversas, e, até então, muitas vezes sem periodicidade. Existem também muitos conselhos de políticas públicas, criados pelos mais diversos governos, inclusive pelo regime militar. Em geral, pouca voz têm.

Não se trata, portanto, de novidade absoluta. As verbas destinadas à educação, por exemplo, têm que ter seu uso fiscalizado por um conselho municipal composto de representantes do poder público e dos cidadãos. É um conselho praticamente inócuo, porém, pois, se desaprovar as contas dos recursos do FUNDEB no município, este deixará de receber as verbas desse fundo, e estas são fundamentais para o sistema educacional público. Ninguém quer realmente rejeitar a prestação de contas.

Na verdade, a Constituição Federal já prevê, desde 1988, a participação social no exercício do poder público: “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (art. 1.º, parágrafo único). O erro fundamental nessa proposição é que o poder emana realmente de Deus: “Não terias poder algum sobre mim, se de cima não te fora dado”, disse Jesus Cristo a Pôncio Pilatos (Jo 19,11b; v. Catecismo da Igreja Católica, 1899). Enfim, numa democracia, o poder deve emanar de Deus por meio do povo, para que seja democracia verdadeira.

Os meios de exercício do poder diretamente pelo povo previstos na Constituição são o plebiscito, o referendo e a lei de iniciativa popular (art. 14, I-III). São meios de exercício da “soberania popular”, junto com a eleição dos representantes. Conselhos, conferências, comissões etc. não são meio de exercício de soberania, nem é esse o objetivo do decreto n.º 8.243/2014, e sim “fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública e a sociedade civil” (art. 1.º, caput).

Trata-se, portanto, de decreto que visa principalmente ao diálogo entre o poder público e a sociedade. Como, porém, se dará esse diálogo? Aí mora o perigo. Um governo democrático irá escolher conselheiros que representem a sociedade. Um governo autoritário, independente do regime político, irá escolher aqueles que representam os interesses do partido no poder. Isso, havendo ou não a transparência prevista para o funcionamento dos conselhos – a qual, no entanto, dificulta minimamente o uso autoritário. Contando apenas com seus partidários entre os membros dessas instâncias participativas, um mal governante poderá apropriar-se deles e usá-los como ferramenta de legitimação de suas decisões “em nome da sociedade”.

O grande aspecto positivo do decreto fica por conta da institucionalização das chamadas “mesas de diálogo”, que objetivam evitar que tensões sociais se tornem explosivas. O grande “porém” fica na obrigatoriedade de uma diversidade definida a priori como de “etnia, raça, cultura, geração, origem, sexo, orientação sexual, religião e condição social, econômica ou de deficiência” (dec. n.º 8.243/2014, art. 3.º, III), em vez da definição trazida pelo Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 189: “favorecer a participação sobretudo dos menos favorecidos”. A redação do decreto pode vir a distorcer a finalidade das instâncias participativas, pois levaria a uma composição que pouco teria em conta a representatividade social e o favorecimento dos menos favorecidos, mas privilegiaria determinados grupos minoritários conforme o governo em questão. De resto, convém terminar com as palavras da Igreja:

“A participação na vida comunitária não é somente uma das maiores aspirações do cidadão, chamado a exercitar livre e responsavelmente o próprio papel cívico com e pelos outros, mas também uma das pilastras de todos os ordenamentos democráticos, além de ser uma das maiores garantias de permanência da democracia. O governo democrático, com efeito, é definido a partir da atribuição por parte do povo de poderes e funções, que serão exercitados em seu nome, por sua conta e em seu favor; é evidente, portanto, que toda democracia deve ser participativa. Isto implica que os vários sujeitos da comunidade civil, em todos os seus níveis, sejam informados, ouvidos e envolvidos no exercício das funções que ela desempenha.” (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 190).

Revogação da portaria do aborto

Na surdina, assim como entrou para a legislação brasileira, a infame portaria n.º 415/2014 da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde hoje deixou a legislação pátria. Foi revogada pela portaria n.º 437/2014, junto com outras, que tratam de atenção à osteoporose (n.º 224/2014), à doença renal crônica (n.º 277/2014), e de serviços de urologia (n.º 272/2014). Entrou sem alarde, saiu sem alarde. Nem uma notícia no portal do Ministério da Saúde. Nem uma notícia no do Palácio do Planalto. Somente as famílias brasileiras se preocuparam. O governo nem sequer deu uma explicação para o que poderia ser um “erro”, um “engano”.

Mas, como fica o nosso voto em outubro? Como confiar em quem havia prometido não alterar a legislação relativa ao aborto, mas cujo governo, mesmo depois revogando, publicou a tal portaria? Fica a impressão de que foi uma espécie de “teste”, uma tentativa de fazer entrar o aborto na sociedade brasileira, à revelia desta. Um ato lamentável, e que mostra a pouca (ou nenhuma) confiabilidade do PT nesse tema. E se não nos tivéssemos indignado? E se ninguém tivesse percebido a portaria abortista? De qualquer maneira, já está mais que estabelecida a estratégia dos abortistas para legalizar no Brasil a prática abominável. E permanece a lei n.º 12.485/2013, que disfarçadamente tenta “legalizar” o aborto extremamente precoce.

Veja no Zenit o que mais ficou da legislação abortista no Brasil.

Portaria n.º 437, de 28 de maio de 2014

Revoga as Portarias nº 224/SAS/MS, de 26 de março de 2014, 272/SAS/MS, de 2 de abril de 2014, 227/SAS/MS, de 4 de abril de 2014 e 415/SAS/MS, de 21 de maio de 2014. O Secretário de Atenção à Saúde, no uso de suas atribuições, resolve:

Art. 1º Ficam revogadas: a Portaria nº 224/SAS/MS, de 26 de março de 2014, publicada no Diário Oficial da União(DOU) nº 59, de 27 de março de 2014, seção I páginas 35 à 39, a Portaria nº 272/SAS/MS, de 2 de abril de 2014, publicada no Diário Oficial da União(DOU) nº 65, de 4 de abril de 2014, seção 1, página 65, a Portaria nº 277/SAS/MS, de 4 de abril de 2014, publicada no Diário Oficial da União(DOU) nº 66, de 7 de abril de 2014, seção 1, páginas 47 e 48 e a Portaria nº 415/SAS/MS, de 21 de maio de 2014, publicada no Diário Oficial da União(DOU) nº 96, de 22 de maio de 2014, seção 1, páginas 60 e 61.
Art. 2º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

FAUSTO PEREIRA DOS SANTOS

Revogada a portaria do aborto

Foi revogada hoje, pela portaria n.º 437/2014 da Secretaria de Atenção à Saúde (Ministério da Saúde) a infame portaria n.º 415/2014, a portaria do aborto. A publicação se encontra no Diário Oficial da União, seção I, p. 40. Mais informações em breve.

Aborto ocorrerá com recursos para saúde da gestante

O texto a seguir foi originalmente redigido para uma agência de notícias católica, mas não foi publicado provavelmente por adotar um tom muito pessoal, mais próximo da crônica que da reportagem. Para que não fique inédito, e para que seja conhecido o tamanho da desfaçatez deste governo, publico-o aqui.

Foi noticiado no Zenit, edição de 25 de maio, que o governo federal tomou um passo a mais na legalização do aborto no Brasil – algo que, durante a campanha eleitoral, a atual presidente negou veementemente vir a fazer em seu mandato. Ao ler isso, não tive dúvidas: fui direto às fontes, saber o que realmente havia acontecido, pois esse é um assunto propenso a boatos. O que vi foi estarrecedor.

Em 2010, a então candidata Dilma Rousseff (PT), face às acusações de ser a favor do aborto, afirmou que nada mudaria na legislação e prometeu criar um programa, o Rede Cegonha, para cuidar de gestantes e bebês de até um ano. Sua campanha também recordou que fora o candidato opositor, José Serra, ministro de Fernando Henrique Cardoso (ambos do PSDB), quem dera uma interpretação torta ao código penal, possibilitando que o aborto fosse realizado quando ocorresse alguma das situações que excluem a aplicação da pena pelo crime. Fê-lo por uma norma técnica em 1999.

Em agosto do ano passado, foi sancionada a lei n.º 12.845/2013, que igualmente chamou a atenção de todos os que defendem a vida. Eu mesmo falei sobre isso na ocasião, mas acreditando que ela só poderia ser usada para promover o abortamento nos casos de uso da chamada “pílula do dia seguinte”, o que é muito grave, mas não é tão extenso quanto o que se fará agora. Já era um crime de lesa-humanidade, mas oculto pela propaganda de tal pílula e sua aceitação por uma sociedade que ignorava sua real ação.

Agora, porém, “fica incluído, na Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses/Próteses e Materiais Especiais do SUS […] o procedimento 04.11.02.006-4 – INTERRUPÇÃO DA GESTAÇÃO/ANTECIPAÇÃO TERAPÊUTICA DO PARTO PREVISTAS EM LEI”. Ele “consiste em procedimento direcionado a mulheres em que a interrupção da gestação é prevista em lei, por ser decorrente de estupro, por acarretar risco de vida para a mulher ou por ser gestação de anencéfalo.” (Diário Oficial da União, 22 de maio de 2014, seção I, p. 61) Ocorre que em nenhum desses casos a lei autoriza o abortamento. O último caso, inclusive, foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, não sendo sequer mencionado em qualquer lei.

Isso tudo seria suficiente para considerar que Dilma traiu seus eleitores ao prometer não alterar a legislação, mas alterá-la. E em um assunto que foi o centro do debate no final do primeiro turno e no turno seguinte. O mais estarrecedor, porém, talvez seja a hipocrisia com que isso foi feito. Em 2010, como resposta às acusações contra si, Dilma prometeu criar o Rede Cegonha, para cuidar de gestantes e bebês. Mas, os recursos para realizar o aborto no SUS “correrão por conta do orçamento do Ministério da Saúde, devendo onerar o Programa de Trabalho 10.302.2015.8585 – Plano Orçamentário 0009 – Atenção à Saúde da População para Média e Alta Complexidade – Plano orçamentário 0004 – Rede Cegonha”.