Hoje foi publicada a leitura do primeiro número do Compêndio da Doutrina Social da Igreja no canal de Youtube Visão Católica. A leitura, acompanhada do texto do primeiro número do Compêndio, faz parte de um projeto para popularizar a doutrina social da Igreja Católica por meio de vídeos curtos – este tem menos de um minuto. O próximo vídeo já está agendado para publicação amanhã às 6h da manhã.
Primeiro vídeo da leitura do Compêndio da Doutrina Social da Igreja.
Esse é o início do Compêndio da Doutrina Social da Igreja. Nele se afirma que a salvação é dada ao homem somente no nome de Cristo, mas que essa salvação se realiza não apenas no mundo que há de vir, mas também nas realidades presentes, incluindo a economia, o trabalho, a sociedade, a política, as relações entre culturas e povos etc. A salvação trazida por Jesus é integral e “abrange o homem todo e todos os homens” (Redemptoris missio, 11).
Papa Francisco. Foto: Korea.net / Serviço Coreano de Informação e Cultura (Jeon Han)
Tanto criticam o papa Francisco! O assunto da vez é o instrumento de trabalho do Sínodo sobre a evangelização na Amazônia. Eu li esse instrumento de trabalho, e não vi nenhum erro. Aliás, nem sei porque tanto alvoroço, pois é apenas o instrumento de trabalho do Sínodo, e todo mundo que tiver estudado teologia fundamental sabe qual o lugar de um instrumentum laboris na doutrina da Igreja (e é um lugar muito baixo na hierarquia de documentos do Magistério). O Sínodo pode simplesmente nem tocar em pontos que hoje são polêmicos, mas outros que nem haviam sido imaginados podem surgir. Se eu achei que algumas formulações poderiam ser diferentes, talvez aprimoradas? É claro que achei. É um documento feito para ser debatido, não para causar celeuma.
Mas, acima de tudo, tenho fé na promessa de Jesus Cristo a São Pedro: “tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16,18). E o Pedro de hoje, o papa Francisco, está sendo um papa jesuíta, porque os cardeais elegeram um jesuíta no último conclave. Eu tive oportunidade de conhecer os jesuítas na faculdade de História, na faculdade de Teologia e nas pedras de São Miguel das Missões. Uma bela história de missão, de ir aonde ninguém ia para pregar o Evangelho. Tão bela que despertou a ira dos poderes deste mundo, o que fez a Companhia de Jesus ser expulsa de vários países, inclusive do que viria a ser o Brasil (a indústria foi expulsa daqui na mesma época). Francisco, o papa que buscaram no “fim do mundo”, está sendo esse jesuíta, que vai à África, à Ásia, à Amazônia, aonde o Evangelho precisa ser pregado. É um papa que se faz pobre com os pobres, sofrido com os sofridos – como o próprio Cristo. Quão belo vigário Jesus Cristo escolheu para guiar sua Igreja neste mundo!
Ontem recebi uma mensagem de WhatsApp que afirmava que Bolsonaro foi “escolhido pelo Céu”. “Não terias poder nenhum sobre mim, se não te fosse dado do alto”, disse Jesus a Pôncio Pilatos (Jo 19,11b). Qual a relação entre as autoridades deste mundo e Deus?
Busto do imperador Domiciano exposto no Museu do Louvre. (Foto: I, Salko)
Escutai, reis e entendei! Instruí-vos, juízes dos confins da terra! Prestai atenção, vós que dominais a multidão e vos orgulhais das multidões dos povos! O domínio vos vem do Senhor e o poder, do Altíssimo, que examinará vossas obras, perscrutará vossos desígnios. Se, pois, sendo servos de seu reino, não governastes retamente, não observastes a lei nem seguistes a vontade de Deus, ele cairá sobre vós, terrível, repentino. Um julgamento implacável se exerce contra os altamente colocados. Ao pequeno, por piedade, se perdoa, mas os poderosos serão provados com rigor. Pois o Senhor do universo a ninguém teme. Não se deixa impressionar pela grandeza; pequenos e grandes, foi ele quem os fez: com todos se preocupa por igual, mas aos poderosos reserva um julgamento severo. A vós, portanto, soberanos, me dirijo, para que aprendais a ser sábios e não pequeis; santos serão os que santamente observam as coisas santas, e aqueles que se deixam instruir encontrarão do que se justificar. Ansiai, pois, por minhas palavras, desejai-as e recebereis a instrução. (Sb 6,1-11)
É um julgamento severo, portanto, que espera os governantes. Quem, por herança ou eleição, por escolha do povo, dos pares ou de outra potestade, se achar digno de exercer autoridade sobre os demais homens e mulheres, este será julgado pelo que fizer, de acordo com a grandeza que escolheu – e o domínio com que Deus assentiu. Não importa se é Lula, Dilma, Temer ou Bolsonaro. Não importa se foi uma escolha justa ou injusta, livre ou manipulada. Não importa nem sequer se é um democrata ou um tirano. Devemos rezar com São Clemente de Roma, o terceiro papa após Pedro, que ainda quando o apóstolo São João era vivo, sob o jugo do tirano Domiciano escreveu:
Concede concórdia e paz a nós e a todos os habitantes da terra, assim como a destes aos nossos pais, quando te invocaram santamente na fé e na verdade. Torna-nos submissos ao teu nome onipotente e virtuosíssimo, e aos nossos chefes e aos que nos governam sobre a terra.
Tu, Senhor, lhes deste o poder da realeza, pela tua força, magnífica e indizível para que nós, conhecendo a glória e a honra que lhes foi dada, obedecêssemos a eles, sem nos opor à tua vontade. Dá lhes, Senhor, a saúde, a paz, a concórdia e a constância, para que exerçam com segurança a soberania que lhes deste. Tu, Senhor celeste, rei dos séculos, concede aos filhos dos homens glória, honra e poder sobre as coisas da terra. Dirige, Senhor, as decisões deles, conforme o que é bom e agradável a ti, para que, exercendo com paz, mansidão e piedade, o poder que lhes foi dado por ti, possam alcançar de ti a misericórdia. (Aos coríntios, 60,4-61,2)
Esse dossiê foi publicado originalmente no Visão Católica. O momento vivido pelo Brasil hoje exige que os católicos conheçam a orientação da Igreja, governada pelos bispos conforme a determinação divina — são os bispos que devem nos guiar, como pastores do rebanho divino, rumo ao céu, e que recebem o especial auxílio divino para guardar íntegro o depósito da fé. Se não ouvimos os bispos, como ouviremos a Palavra de Deus?
Mesmo que alguém divirja do pensamento geral do episcopado brasileiro, expresso pela CNBB e explicado pelas autoridades aqui citadas, peço gentilmente que mantenha o respeito e procure, no silêncio do coração, compreender as razões de nossos pastores. O papel dos bispos não é agradar os fiéis, mas guiá-los especialmente nos momentos de maior tensão e dificuldade. O papel dos fiéis é serem dóceis ao ensinamento daqueles que Deus ordenou para guiar a Igreja.
Chama a atenção o posicionamento firme da Igreja Católica e de seus bispos e organismos em favor da democracia e contra o golpe cívico-jurídico-legislativo em curso no país. Antes de continuar, sendo este um portal de notícias, cabe esclarecer os termos utilizados: depor um governante por crime de responsabilidade e manter a política escolhida nas urnas é impeachment, mas depor um governante, por qualquer motivo, e mudar a política é golpe.
Conclamamos a todos que zelem pela paz em suas atividades e em seus pronunciamentos. Cada pessoa é convocada a buscar soluções para as dificuldades que enfrentamos. Somos chamados ao diálogo para construir um país justo e fraterno.
No dia 17, a Caritas e quatro pastorais nacionais lançaram manifesto em defesa da democracia – o que foi notícia até mesmo na Rádio Vaticano. Em vídeo sem data, o bispo de Crateús (CE), dom Ailton Menegussi, explica didaticamente o significado dos acontecimentos políticos, criticando os que tentam derrubar o atual governo – não se preocupam com os pobres, mas com a tomada do poder que não conquistaram nas urnas. Ontem (23), o bispo emérito de Jales, dom Luiz Demétrio Valentini, denuncia a tentativa de “deslegitimar o poder conferido pelas eleições” e “banir de vez [determinados atores e organizações partidárias] do cenário político nacional”. Dom Luiz exorta:
Em vez deste impeachment sem fundamento legal e sem justificativa, que nos unamos todos em torno das providências urgentes para que o Brasil supere este momento de crise, e reencontre o caminho da verdadeira justiça e da paz social.
Esse posicionamento firme da Igreja, por parte especialmente de seus bispos – incumbidos de governá-la, de apascentar o rebanho de Deus rumo ao aprisco celeste e de manter íntegro o depósito da fé – vem recebendo críticas dos que são favoráveis à deposição de Dilma Rousseff. Mas, como disse o servo de Deus dom Hélder Câmara: “Claro que dirão, Mariama, que é política, que é subversão. É Evangelho de Cristo, Mariama.”
“O fruto da justiça é semeado na paz, para aqueles que promovem a paz” (Tg 3,18)
Nós, bispos do Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil–CNBB, reunidos em Brasília-DF, nos dias 8 a 10 de março de 2016, manifestamos preocupações diante do grave momento pelo qual passa o país e, por isso, queremos dizer uma palavra de discernimento. Como afirma o Papa Francisco, “ninguém pode exigir de nós que releguemos a religião a uma intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional, sem nos preocupar com a saúde das instituições da sociedade civil, sem nos pronunciar sobre os acontecimentos que interessam aos cidadãos” (EG, 183).
Vivemos uma profunda crise política, econômica e institucional que tem como pano de fundo a ausência de referenciais éticos e morais, pilares para a vida e organização de toda a sociedade. A busca de respostas pede discernimento, com serenidade e responsabilidade. Importante se faz reafirmar que qualquer solução que atenda à lógica do mercado e aos interesses partidários antes que às necessidades do povo, especialmente dos mais pobres, nega a ética e se desvia do caminho da justiça.
A superação da crise passa pela recusa sistemática de toda e qualquer corrupção, pelo incremento do desenvolvimento sustentável e pelo diálogo que resulte num compromisso entre os responsáveis pela administração dos poderes do Estado e a sociedade. É inadmissível alimentar a crise econômica com a atual crise política. O Congresso Nacional e os partidos políticos têm o dever ético de favorecer e fortificar a governabilidade.
As suspeitas de corrupção devem ser rigorosamente apuradas e julgadas pelas instâncias competentes. Isso garante a transparência e retoma o clima de credibilidade nacional. Reconhecemos a importância das investigações e seus desdobramentos. Também as instituições formadoras de opinião da sociedade têm papel importante na retomada do desenvolvimento, da justiça e da paz social.
O momento atual não é de acirrar ânimos. A situação exige o exercício do diálogo à exaustão. As manifestações populares são um direito democrático que deve ser assegurado a todos pelo Estado. Devem ser pacíficas, com o respeito às pessoas e instituições. É fundamental garantir o Estado democrático de direito.
Conclamamos a todos que zelem pela paz em suas atividades e em seus pronunciamentos. Cada pessoa é convocada a buscar soluções para as dificuldades que enfrentamos. Somos chamados ao diálogo para construir um país justo e fraterno.
Inspirem-nos, nesta hora, as palavras do Apóstolo Paulo: “trabalhai no vosso aperfeiçoamento, encorajai-vos, tende o mesmo sentir e pensar, vivei em paz, e o Deus do amor e da paz estará convosco” (2 Cor 13,11).
Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, continue intercedendo pela nossa nação!
Brasília, 10 de março de 2016.
Dom Sergio da Rocha Dom Murilo S. R. Krieger
Arcebispo de Brasília-DF Arcebispo de S. Salvador da Bahia-BA
“Assim também vós: por fora pareceis justos aos olhos dos homens, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniquidade” (Mt 23,28)
Neste momento em que vivenciamos a ameaça de golpe sobre a democracia brasileira, não podemos permitir que as conquistas democráticas e que os direitos civis, políticos e sociais sejam mais uma vez afrontados pela força da intolerância, do conservadorismo e da violência, física e/ou institucional.
O golpe civil militar de 1964 imprimiu na sociedade brasileira um quadro de pavor e sofrimento àqueles que lutavam por direitos e liberdades e a todo o povo brasileiro. Prisões arbitrárias, tortura e morte de lideranças populares, estudantes, sindicalistas, intelectuais, artistas e religiosos davam a tônica do estado de exceção que então se instalava.
Na nossa ainda jovem democracia, estamos presenciando o mesmo discurso de embate à corrupção propagado pelos meios de comunicação às vésperas do golpe de 1964. Mais uma vez a sociedade brasileira corre o risco de vivenciar o mesmo cenário de horror e pânico. As últimas ações de setores conservadores, incluindo os meios de comunicação, repercutem nas ruas e geram um clima de instabilidade, violência e medo.
Diante do risco de aprofundamento dessa situação e da quebra da ordem constitucional e social, a Cáritas Brasileira, a Comissão Pastoral da Terra – CPT, o Conselho Indigenista Missionário – CIMI, o Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP e o Serviço Pastoral dos Migrantes – SPM vêm a público manifestar preocupações com a grave crise. Queremos que todos os fatos sejam apurados e que seja garantida a equidade de tratamento a todos os denunciados nas investigações em curso no país, respeitando-se o ordenamento jurídico brasileiro.
Tememos que os direitos constitucionais dos jovens, das mulheres, dos sem-teto, das comunidades tradicionais, dos povos indígenas, dos quilombolas e dos camponeses, especialmente aos seus territórios, sejam ainda mais violentamente negados.
Reafirmamos nosso compromisso com o combate à corrupção, resguardando que esse processo não represente retrocessos nas conquistas dos direitos historicamente conquistados pelo povo brasileiro.
Brasília, 17 de março de 2016
Cáritas Brasileira
Comissão Pastoral da Terra – CPT
Conselho Indigenistsa Missionário – CMI
Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP
Serviço Pastoral dos Migrantes – SPM
Sobre esse momento de crise política do Brasil, podem todos saber que o episcopado brasileiro é composto de quase 500 bispos. Vocês não vão pensar que 500 bispos pensem igualzinho ao outro. Mas, como CNBB, duas coisas posso dizer a vocês.
É claro que nenhum bispo concorda com corrupção, e nós apoiamos que as investigações sejam feitas, queremos que as denúncias sejam apuradas e que, uma vez provadas, e não antes de serem provadas — escutem bem isto: o que está acontecendo no Brasil é que já estão tratando de “criminosos” antes de se provar as coisas —, uma vez provadas, que se punam os culpados. Agora, os culpados não são desse partido ou daquele só não, não sejamos bobos: tem corrupto em tudo que é partido, e a corrupção não foi inventada de quinze anos pra cá. Não sejamos inocentes. O que está acontecendo é que agora se está permitindo que as coisas apareçam. Isso é bom, não é ruim. Esse é o primeiro pensamento da CNBB.
Segundo, nós não aceitamos que partido político nenhum aproveite essa crise para dar golpe no país. Não é hora de virar: “vamos aproveitar agora para tirar essa turma do poder, porque nós queremos voltar”. Nós não estamos interessados de trocar governo, simplesmente: nós queremos que o país seja respeitado. Que os cidadãos brasileiros sejam respeitados, é isto que quer a CNBB. Nós não vamos simplesmente apoiar troca de governos, de pessoas interesseiras, que estão apenas querendo se apossar, porque são carreiristas. Não vamos acreditar que — muito desse barulho aí — estejam preocupados conosco, não. Tem muita gente lá posando de santinho, mas que nunca pensou em pobre e não pensa em pobre. Tão fazendo discurso bonito porque querem o poder. E com isso a CNBB não concorda.
Dom Luiz Demétrio Valentini
Bispo Emérito de Jales
Estamos na iminência de uma ruptura constitucional. Em momentos assim, se faz necessário um apelo à consciência democrática, e uma advertência dos riscos de uma decisão política profundamente equivocada.
Falando claro e sem rodeios: com a tentativa de impeachment da Presidente Dilma, procura-se revestir de legalidade uma iniciativa política com a evidente intenção de destituir do poder quem foi legitimamente a ele conduzido pelo voto popular.
Isto fere o âmago do sistema democrático, que tem como pressuposto básico o respeito aos resultados eleitorais.
É preciso desmascarar a trama que foi sendo urdida, para criar artificialmente um pretenso consenso popular, para servir de respaldo aos objetivos que se pretende alcançar.
É notável que desde as últimas eleições presidenciais, os derrotados não aceitaram o resultado das urnas, e traduziram seu descontentamento em persistentes iniciativas de deslegitimar o poder conferido pelas eleições.
Outra evidência é a contínua e sistemática obstrução das iniciativas governamentais, praticada especialmente por membros do Congresso Nacional, com o evidente intuito de inviabilizar o governo, e aplainar o caminho para o golpe de misericórdia contra ele.
Está em andamento um verdadeiro linchamento político, conduzido sutilmente por poderosos meios de comunicação, contra determinados atores e organizações partidárias, que são continuamente alvo de acusações persistentes e generalizadas, e que se pretende banir de vez do cenário político nacional.
Causa preocupação a atuação de membros do Poder Judiciário, incluindo componentes da Suprema Corte, que deixam dúvidas sobre as reais motivações de suas decisões jurídicas, levando-nos a perguntar se são pautadas pelo zelo em preservar a Constituição e fazer a justiça, ou se servem de instrumento para a sua promoção pessoal ou para a vazão de seus preconceitos.
Em meio a esta situação limite, cabe ao povo ficar atento, para não ser ludibriado.
Mas cabe ao Judiciário a completa isenção de ânimo para garantir o estrito cumprimento da Constituição.
E cabe ao Congresso Nacional terminar com sua sistemática obstrução das iniciativas governamentais, e colaborar com seu apoio e suas sugestões em vista do bem comum, e não de interesses pessoais ou partidários.
Em vez deste impeachment sem fundamento legal e sem justificativa, que nos unamos todos em torno das providências urgentes para que o Brasil supere este momento de crise, e reencontre o caminho da verdadeira justiça e da paz social.
Num momento de ânimos acirrados na sociedade brasileira, a palavra serena e coerente de um bispo pode fazer a diferença. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil já emitiu várias notas pedindo paz e governabilidade para o país, a mais recente publicada aqui no Caritas in Veritate. Mas, muitos insistem em não compreender, como se vê pelos comentários. Confira, então, as palavras do bispo de Crateús (CE), dom Ailton Menegussi:
Sobre esse momento de crise política do Brasil, podem todos saber que o episcopado brasileiro é composto de quase 500 bispos. Vocês não vão pensar que 500 bispos pensem igualzinho ao outro. Mas, como CNBB, duas coisas posso dizer a vocês.
É claro que nenhum bispo concorda com corrupção, e nós apoiamos que as investigações sejam feitas, queremos que as denúncias sejam apuradas e que, uma vez provadas, e não antes de serem provadas — escutem bem isto: o que está acontecendo no Brasil é que já estão tratando de “criminosos” antes de se provar as coisas —, uma vez provadas, que se punam os culpados. Agora, os culpados não são desse partido ou daquele só não, não sejamos bobos: tem corrupto em tudo que é partido, e a corrupção não foi inventada de quinze anos pra cá. Não sejamos inocentes. O que está acontecendo é que agora se está permitindo que as coisas apareçam. Isso é bom, não é ruim. Esse é o primeiro pensamento da CNBB.
Segundo, nós não aceitamos que partido político nenhum aproveite essa crise para dar golpe no país. Não é hora de virar: “vamos aproveitar agora para tirar essa turma do poder, porque nós queremos voltar”. Nós não estamos interessados de trocar governo, simplesmente: nós queremos que o país seja respeitado. Que os cidadãos brasileiros sejam respeitados, é isto que quer a CNBB. Nós não vamos simplesmente apoiar troca de governos, de pessoas interesseiras, que estão apenas querendo se apossar, porque são carreiristas. Não vamos acreditar que — muito desse barulho aí — estejam preocupados conosco, não. Tem muita gente lá posando de santinho, mas que nunca pensou em pobre e não pensa em pobre. Tão fazendo discurso bonito porque querem o poder. E com isso a CNBB não concorda.
Sim, milhões de pessoas foram ontem às ruas, com muitas e variadas reivindicações, a favor e contra o governo. Algumas parcelas da população estão mais mobilizadas, outras, menos. Algumas tocam músicas militares e hostilizam todo e qualquer político, outras defendem determinadas soluções para a crise. Mas, o momento não é de acirrar os ânimos e propagar o ódio, e sim de procurar uma saída que contemple, acima de qualquer interesse partidário, as necessidades dos mais pobres, e que se construa com diálogo em busca do desenvolvimento, da justiça e da paz social. Essa é a tônica da nota divulgada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil no último dia 10. Muito similar a outra, de dezembro.
Infelizmente, parece que mesmo muitos católicos não têm ouvido aqueles que Deus constituiu para governar a Igreja, guardar o depósito da fé e conduzir o povo fiel. Os relatos são de que a manifestação contra o governo em Brasília começou com uma oração e prosseguiu com músicas militares e coreografias — parecendo até um “fascismo do século XXI”, pois eram os fascistas que buscavam angariar apoio com tais demonstrações massivas militaristas e organizadas. Já em São Paulo, a polícia militar compareceu para “averiguar” uma assembléia de trabalhadores a favor de Lula e do governo federal em São Bernardo do Campo. Esses foram apenas alguns dos preocupantes episódios que têm ocorrido em todo o país.
Isso tudo acontece como resultado de uma paulatina escalada da tensão política, através de processos judiciais e midiáticos. Seu atual momento começou com uma entrevista do promotor público Cassio Conserino à revista Veja, em janeiro (na qual antecipou que denunciaria Lula, antes mesmo de ouvir a defesa). Depois, o impasse quanto ao depoimento que esse mesmo promotor tentou obrigar Lula a prestar, no que foi impedido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Em seguida, um contestabilíssima condução coercitiva de Lula pela Polícia Federal, a mando do juiz Sérgio Moro — que conduz de maneira igualmente contestável os inquéritos da operação Lava Jato. Essa condução coercitiva teve como pretexto evitar a violência política, mas foi justamente esse o resultado dela. Parece que as próprias manifestações contra o governo são parte de uma tentativa de influenciar a composição do comissão do processo de impeachment, cuja eleição foi programada justamente para a próxima quinta-feira.
Importante se faz reafirmar que qualquer solução que atenda à lógica do mercado e aos interesses partidários antes que às necessidades do povo, especialmente dos mais pobres, nega a ética e se desvia do caminho da justiça. (CNBB)
Pobre o país que não ouve seus bispos!
Eis a íntegra da nota da CNBB:
NOTA DA CNBB SOBRE O MOMENTO ATUAL DO BRASIL
“O fruto da justiça é semeado na paz, para aqueles que promovem a paz” (Tg 3,18)
Nós, bispos do Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil–CNBB, reunidos em Brasília-DF, nos dias 8 a 10 de março de 2016, manifestamos preocupações diante do grave momento pelo qual passa o país e, por isso, queremos dizer uma palavra de discernimento. Como afirma o Papa Francisco, “ninguém pode exigir de nós que releguemos a religião a uma intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional, sem nos preocupar com a saúde das instituições da sociedade civil, sem nos pronunciar sobre os acontecimentos que interessam aos cidadãos” (EG, 183).
Vivemos uma profunda crise política, econômica e institucional que tem como pano de fundo a ausência de referenciais éticos e morais, pilares para a vida e organização de toda a sociedade. A busca de respostas pede discernimento, com serenidade e responsabilidade. Importante se faz reafirmar que qualquer solução que atenda à lógica do mercado e aos interesses partidários antes que às necessidades do povo, especialmente dos mais pobres, nega a ética e se desvia do caminho da justiça.
A superação da crise passa pela recusa sistemática de toda e qualquer corrupção, pelo incremento do desenvolvimento sustentável e pelo diálogo que resulte num compromisso entre os responsáveis pela administração dos poderes do Estado e a sociedade. É inadmissível alimentar a crise econômica com a atual crise política. O Congresso Nacional e os partidos políticos têm o dever ético de favorecer e fortificar a governabilidade.
As suspeitas de corrupção devem ser rigorosamente apuradas e julgadas pelas instâncias competentes. Isso garante a transparência e retoma o clima de credibilidade nacional. Reconhecemos a importância das investigações e seus desdobramentos. Também as instituições formadoras de opinião da sociedade têm papel importante na retomada do desenvolvimento, da justiça e da paz social.
O momento atual não é de acirrar ânimos. A situação exige o exercício do diálogo à exaustão. As manifestações populares são um direito democrático que deve ser assegurado a todos pelo Estado. Devem ser pacíficas, com o respeito às pessoas e instituições. É fundamental garantir o Estado democrático de direito.
Conclamamos a todos que zelem pela paz em suas atividades e em seus pronunciamentos. Cada pessoa é convocada a buscar soluções para as dificuldades que enfrentamos. Somos chamados ao diálogo para construir um país justo e fraterno.
Inspirem-nos, nesta hora, as palavras do Apóstolo Paulo: “trabalhai no vosso aperfeiçoamento, encorajai-vos, tende o mesmo sentir e pensar, vivei em paz, e o Deus do amor e da paz estará convosco” (2 Cor 13,11).
Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, continue intercedendo pela nossa nação!
Brasília, 10 de março de 2016.
Dom Sergio da Rocha Dom Murilo S. R. Krieger
Arcebispo de Brasília-DF Arcebispo de S. Salvador da Bahia-BA
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O liberalismo é intrinsecamente contrário à Igreja. Na imagem, uma pessoa sendo decapitada durante a Revolução Francesa (c. 1793).
O liberalismo, ainda que muitos não saibam, é contra a Igreja. Porque a Igreja representa uma ordem imutável e clara. Junto com a Igreja vem o direito natural e a Revelação. Portanto, obrigações de fazer ou deixar de fazer, em público e em privado, fundadas não na razão humana, mas na ordem divina. Os liberais se opõem a tudo o que seja obrigação e não tenha origem na razão – dizem ser contrário à “liberdade”. O liberalismo, aliás, surgiu na época das “luzes”, no século XVIII, e fundamentou a Revolução Francesa e os regimes liberais do século XIX e início do XX, que perseguiram a Igreja por esses mesmos motivos. Portanto, é preciso tomar cuidado antes de aprovar políticas ou votar em partidos liberais, seja por questões morais ou econômicas, que não se podem separar.
Muito se tem dito sobre reforma política. Os sucessivos casos de corrupção eleitoral envolvendo os mais diversos partidos, da situação e da oposição, têm demonstrado como é importante aprimorar o sistema eleitoral brasileiro, especialmente no tocante ao financiamento de campanha. Como deixar nossa política mais justa, democrática e participativa?
A CNBB promoveu o consenso de diversas entidades da sociedade civil em favor de uma reforma política democrática e de eleições limpas.
Em vistas disso, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e entidades da sociedade civil se reuniram para elaborar uma proposta consensual. Da parte da Igreja Católica, participaram também, por exemplo, o Conselho Nacional do Laicato do Brasil, a Comissão Brasileira de Justiça e Paz e as Pontifícias Obras Missionárias. Da sociedade civil, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE, que tomou para si a batalha pela Lei da Ficha Limpa), a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e a União Nacional dos Estudantes (UNE). Estas últimas entidades e a CNBB formam a executiva da Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas. Como se vê, os principais agentes da luta pelos direitos humanos, pela democracia e em favor dos menos favorecidos na história recente do Brasil.
O resultado a que se chegou foi o possível, mas uma grande base para avançar mais no futuro. Nas palavras do arcebispo primaz do Brasil, dom Murilo Krieger:
Os pontos defendidos pelas entidades e grupos que assumiram essa proposta poderiam, naturalmente, ser diferentes, em maior número ou mais amplos. No entanto, a proposta final foi a síntese a que elas chegaram, depois de inúmeras reuniões e debates. Se tais pontos não resolvem todos os problemas que nos preocupam no momento atual, servirão, no entanto, para darmos um importante passo para um novo tempo. […] No futuro, outros passos poderão ser dados para o aperfeiçoamento de nossa Democracia. Não exagero ao afirmar que, nesse campo, a CNBB poderá oferecer uma preciosa contribuição, como a deu no tempo da Constituinte, com o texto “Por uma nova ordem constitucional”.
Para que não restem dúvidas, eis o resumo do que essa proposta nos apresenta para aprimorar o sistema eleitoral brasileiro e, como conseqüência, a nossa democracia:
Financiamento das campanhas dos candidatos: em vez do sistema atual, que envolve recursos públicos, de eleitores e de empresas, apenas recursos públicos e de eleitores (com limite máximo, para que doações de empresas não possam ser ocultadas por “laranjas”). Para o MCCE, “Empresa não é eleitor, ela não vota. Então, não tem porque ela participar das campanhas eleitorais, isso cria uma distorção no processo democrático e vai contra o conjunto da população” — essa mesma tese obteve maioria dos votos no Supremo Tribunal Federal, que está julgando a questão do financiamento empresarial.
Eleição proporcional em dois turnos: um para se votar no programa de uma legenda, e outro para se votar em uma pessoa, de forma que o eleitor determine claramente quem será eleito. No sistema atual, o voto se dá em um candidato, mas ele é computado para a legenda, ocultando dessa forma as idéias que prevalecerão no parlamento.
Aumento de candidaturas de mulheres para cargos eletivos, porque elas têm uma importante contribuição a dar na política, diferente e complementar àquela dada pelos homens. Homem e mulher são complementares, “auxiliares que se correspondem” (v. Gn 2,18).
Regulamentação do Artigo 14 da Constituição, com o objetivo de se melhorar a participação do povo brasileiro nas decisões mais importantes, por meio de Projetos de Lei de iniciativa popular, de plebiscitos e de referendos, mesclando a democracia representativa com a democracia participativa. “Toda democracia deve ser participativa”, diz a Igreja Católica (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 190)
Na seqüência falarei detidamente sobre cada uma dessas propostas.
Há muita confusão política nos dias atuais. Alguém, por acaso, é a favor da corrupção? Que propostas existem contra a corrupção? O que foi demonstrado nas manifestações de sexta-feira e domingo passados? A serenidade recomendada pelo cardeal Odilo Pedro Scherer, arcebispo de São Paulo, nos é muito proveitosa. Ele faz muito bem em recordar que, na sociedade, todos têm direitos e deveres, é que sempre é necessário promover o bem comum, especialmente dos “membros mais frágeis do corpo social”. Chamo a atenção para algumas frases do artigo reproduzido em seguida:
“O bem comum está sempre relacionado com a pessoa humana e sua dignidade inviolável; nesse sentido, faz parte do bem comum tudo o que é necessário para assegurar a vida digna da pessoa humana: alimento, moradia, trabalho, educação, saúde, segurança, a justa liberdade para fazer escolhas, o direito à boa reputação, a conveniente informação… Para ser integral, o bom comum sempre se refere às necessidades do corpo e do espírito humano.”
“A noção de bem comum, adotada como princípio orientador da vida política, social e econômica, é oposta ao modelo de Estado liberal e de sociedade individualista.”
“[…] é dever das Autoridades Públicas dispor os bens e serviços do Estado segundo critérios de justiça e equidade, para que todos tenham acesso a eles; o Estado não pode estar apenas a serviço de categorias privilegiadas, nem deixar-se instrumentalizar por elas para assegurar privilégios de modo unilateral e individualista, quando não desonesto. O bem comum está relacionado estreitamente com a prática da solidariedade.”
“Olhando o cenário brasileiro atual, tem-se a impressão que seria preciso recuperar o princípio ético do bem comum na busca de soluções para os problemas crônicos que afligem o País. A corrupção e o desvio de recursos públicos denotam falta de senso ético e são contrários ao bem comum; da mesma forma, também o são a afirmação obsessiva de direitos individuais, por vezes mais supostos que reais, e a insensibilidade diante da condição ainda sofrível de grande parte da população brasileira. A perda do referencial do bem comum leva à afirmação de comportamentos sociais, políticos e econômicos sempre mais individualistas e tende ao triunfo da lei do mais forte: isso seria um retrocesso civilizatório.”
Leia a íntegra do artigo do cardeal Odilo Scherer:
Cardeal Odilo Pedro Scherer Arcebispo de São Paulo (SP)
Vivemos dias de apreensão e de humores alterados. Fatos graves de corrupção na administração dos bens do Estado, junto com certa crise econômica e política, levam a vários tipos de manifestações na opinião pública e nas organizações sociais. O Brasil está novamente com os nervos à flor da pele…
Certa vez, ouvi de um bispo bem experiente e já idoso esta observação: quando, ao meu redor, todos se agitam e pedem pressa, fico ainda mais calmo e me ponho a discernir bem sobre o que está acontecendo; só depois tomo decisões”. Parece um conselho interessante para motivar uma reflexão sobre um dos principais fundamentos da sociedade organizada e do Estado: o princípio do bem comum. A Doutrina Social da Igreja, desde Leão XIII, na segunda metade do século XIX, tem repetido constantemente que a busca do bem comum é a razão de ser da sociedade organizada e do Estado.
O que se entende por “bem comum”? Partindo dos ensinamentos do papa João XXIII, na encíclica Mater et Magistra (1961), o Concílio Vaticano II (1965) definiu o bem comum como o conjunto das condições da vida social que permitem aos grupos e a cada um de seus membros alcançarem de maneira mais fácil o desenvolvimento integral da pessoa humana e a realização dos legítimos objetivos dos grupos sociais (cf. Constituição pastoral Gaudium et Spes, 26).
O bem comum está sempre relacionado com a pessoa humana e sua dignidade inviolável; nesse sentido, faz parte do bem comum tudo o que é necessário para assegurar a vida digna da pessoa humana: alimento, moradia, trabalho, educação, saúde, segurança, a justa liberdade para fazer escolhas, o direito à boa reputação, a conveniente informação… Para ser integral, o bom comum sempre se refere às necessidades do corpo e do espírito humano.
A busca e a promoção do bem comum “constituem a própria razão de ser dos Poderes Públicos”, afirmava Leão XIII em 1891, na primeira grande encíclica social (cf. Rerum Novarum, nº 26). Esta convicção aparece continuamente nas palavras do magistério social da Igreja, até na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (2013), do Papa Francisco: “É obrigação do Estado cuidar da promoção do bem comum da sociedade” (nº 240). Aos Poderes Públicos cabe, portanto, ordenar de tal forma o funcionamento do Estado e das relações sociais, que o bem comum seja assegurado para a sociedade inteira. A ordem social, a vida política e o progresso econômico devem estar sempre subordinados ao bem das pessoas, e não o contrário.
A noção de bem comum, adotada como princípio orientador da vida política, social e econômica, é oposta ao modelo de Estado liberal e de sociedade individualista. O que é bom para todos tem precedência sobre o que poderia ser um bem apenas individual; mas o Estado e a sociedade não podem buscar o seu bem, passando por cima da dignidade da pessoa humana, que deve ser sempre respeitada.
É bem antiga a convicção de que a autoridade civil não deve servir apenas ao interesse de um grupo ou de poucos cidadãos, pois ela deve estar a serviço de todos” (Leão XIII, Encíclica Immortale Dei,1885,V). Contudo, na sua missão de promover o bem comum, os Poderes Públicos devem dar atenção especial aos membros mais frágeis do corpo social, por razões de justiça e equidade; se o Estado existe para promover o bem de todos, precisa servir, especialmente, aos membros mais frágeis do corpo social, sobretudo quando estes se encontram marginalizados e discriminados em relação aos demais membros da sociedade na afirmação de seus legítimos direitos e interesses (cf Leão XIII, Rerum Novarum,1891, nº 29).
Por aí, entende-se que o bem comum inclui direitos e deveres. A satisfação dos interesses particulares precisa ser harmonizada com o bem mais amplo. Mais uma vez, é dever das Autoridades Públicas dispor os bens e serviços do Estado segundo critérios de justiça e equidade, para que todos tenham acesso a eles; o Estado não pode estar apenas a serviço de categorias privilegiadas, nem deixar-se instrumentalizar por elas para assegurar privilégios de modo unilateral e individualista, quando não desonesto. O bem comum está relacionado estreitamente com a prática da solidariedade.
Até aos trabalhadores recomendou o papa João XXIII que todos os setores do mundo do trabalho devem ser sensíveis aos apelos do bem comum, conciliando seus legítimos direitos e interesses com os direitos e necessidades de outras categorias econômico-profissionais (cf encíclica Mater et Magistra, 1961, nº 155). E o papa Francisco lembrou recentemente a todos: “a dignidade da pessoa humana e o bem comum estão acima da tranqüilidade de alguns, que não querem renunciar a seus privilégios” (Evangelii Gaudium, 2013, nº 218).
Olhando o cenário brasileiro atual, tem-se a impressão que seria preciso recuperar o princípio ético do bem comum na busca de soluções para os problemas crônicos que afligem o País. A corrupção e o desvio de recursos públicos denotam falta de senso ético e são contrários ao bem comum; da mesma forma, também o são a afirmação obsessiva de direitos individuais, por vezes mais supostos que reais, e a insensibilidade diante da condição ainda sofrível de grande parte da população brasileira. A perda do referencial do bem comum leva à afirmação de comportamentos sociais, políticos e econômicos sempre mais individualistas e tende ao triunfo da lei do mais forte: isso seria um retrocesso civilizatório.
Bem alertou o papa Francisco, na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, que o bem comum e a paz social estão entrelaçados: uma paz social, que não seja fruto do desenvolvimento integral de todos, “não terá futuro e será sempre semente de novos conflitos e variadas formas de violência” (nº 219).
Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo no dia 14 de março de 2015
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou nota sobre a situação política atual. O texto afirma que “qualquer resposta […] que atenda ao mercado e aos interesses partidários antes que às necessidades do povo, especialmente dos mais pobres, nega a ética e desvia-se do caminho da justiça.” Durante a apresentação da nota, Dom Leonardo Steiner disse: “Existem regras para se entrar com um pedido inicial de impeachment. Creio que não chegamos a esse nível.”
Veja a íntegra da nota:
Nota da CNBB sobre a realidade atual do Brasil
“Pratica a justiça todos os dias de tua vida e não sigas os caminhos da iniquidade” (Tb 4, 5)
O Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, reunido em Brasília-DF, nos dias 10 a 12 de março de 2015, manifesta sua preocupação diante do delicado momento pelo qual passa o País. O escândalo da corrupção na Petrobras, as recentes medidas de ajuste fiscal adotadas pelo Governo, o aumento da inflação, a crise na relação entre os três Poderes da República e diversas manifestações de insatisfação da população são alguns sinais de uma situação crítica que, negada ou mal administrada, poderá enfraquecer o Estado Democrático de Direito, conquistado com muita luta e sofrimento.
Esta situação clama por medidas urgentes. Qualquer resposta, no entanto, que atenda ao mercado e aos interesses partidários antes que às necessidades do povo, especialmente dos mais pobres, nega a ética e desvia-se do caminho da justiça. Cobrar essa resposta é direito da população, desde que se preserve a ordem democrática e se respeitem as Instituições da comunidade política.
As denúncias de corrupção na gestão do patrimônio público exigem rigorosa apuração dos fatos e responsabilização, perante a lei, de corruptos e corruptores. Enquanto a moralidade pública for olhada com desprezo ou considerada empecilho à busca do poder e do dinheiro, estaremos longe de uma solução para a crise vivida no Brasil. A solução passa também pelo fim do fisiologismo político que alimenta a cobiça insaciável de agentes públicos, comprometidos sobretudo com interesses privados. Urge, ainda, uma reforma política que renove em suas entranhas o sistema em vigor e reoriente a política para sua missão originária de serviço ao bem comum.
Comuns em épocas de crise, as manifestações populares são um direito democrático que deve ser assegurado a todos pelo Estado. O que se espera é que sejam pacíficas. “Nada justifica a violência, a destruição do patrimônio público e privado, o desrespeito e a agressão a pessoas e Instituições, o cerceamento à liberdade de ir e vir, de pensar e agir diferente, que devem ser repudiados com veemência. Quando isso ocorre, negam-se os valores inerentes às manifestações, instalando-se uma incoerência corrosiva, que leva ao seu descrédito” (Nota da CNBB 2013).
Nesta hora delicada e exigente, a CNBB conclama as Instituições e a sociedade brasileira ao diálogo que supera os radicalismos e impede o ódio e a divisão. Na livre manifestação do pensamento, no respeito ao pluralismo e às legítimas diferenças, orientado pela verdade e a justiça, este momento poderá contribuir para a paz social e o fortalecimento das Instituições Democráticas.
Deus, que acompanha seu povo e o assiste em suas necessidades, abençoe o Brasil e dê a todos força e sabedoria para contribuir para a justiça e a paz. Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, interceda pelo povo brasileiro.
Brasília, 12 de março de 2015.
Dom Raymundo Cardeal Damasceno Assis Arcebispo de Aparecida – SP
Presidente da CNBB
Dom José Belisário da Silva, OFM Arcebispo de São Luis do Maranhão – MA
Vice Presidente da CNBB
Dom Leonardo Ulrich Steiner, OFM Bispo Auxiliar de Brasília
Secretário Geral da CNBB