Minha entrevista com Luiz Fux

Eu detesto entrevistas. Eu sou uma pessoa direta, que gosta de ir logo ao que interessa. Pra que antepasto se posso ir direto para o almoço? Pra que almoço, se posso ir logo pra sobremesa? Ficar ouvindo ou lendo gente conversando sem parar, enrolando para chegar ao que realmente interessa e até mesmo bons jornalistas tentando pegar um fio solto no discurso alheio para puxar e desfazer inteira a roupa nova do rei? Não é a minha praia.

Eu seria um péssimo entrevistador. Mas, se tivesse que entrevistar o ministro do STF Luiz Fux, entre vosselências e datavênias ficaria mais ou menos assim:

Senhor ministro, muitos alegam que há contradições na sua carreira: ter sido indicado por um grupo político e votar por absolver seu inimigo figadal, por exemplo. O que o senhor diria para essas pessoas?
Veja bem, não há contradição nenhuma na minha carreira, embora não se possa dizer o mesmo daqueles que me nomearam e esperavam que agora eu atuasse diferente. Fui o mesmo desde o princípio.

Vamos ver, então: o senhor advogou para a Shell, foi nomeado ministro do STJ pelo FHC, depois chegou ao STF pela caneta da Dilma.
Justamente! Advoguei para a Shell, fui nomeado pelo FHC… Parece que você conhece bem minha história.

Não haveria conflito de interesses entre um ex-advogado da Shell e a defesa do bem público que é o meio ambiente, tão necessária nos dias atuais?
Não, não vejo conflito de interesses. Meu interesse é um só, os temas que o STF julga é que mudam.

E ser nomeado pelo sociólogo e presidente nas horas vagas Fernando Henrique Cardoso, o príncipe da dependência, para uma das cortes superiores do Brasil, o Superior Tribunal de Justiça, responsável por julgar a legalidade de decretos, atos administrativos, decisões de outros tribunais…
Não vejo contradição aí. Eu fui nomeado pela pessoa que ficou conhecida por defender que o único caminho para a América Latina se desenvolver era ser dependente dos Estados Unidos, aquele mesmo que Lula afirmou ter deixado uma “herança terrível” para o Brasil. Contraditório é quem pensa que chegando ao STF eu seria outra pessoa somente porque a assinatura na minha nova nomeação era outra.

Mas, além disso, você votou absolver Bolsonaro e para condenar outros envolvidos no 8 de janeiro, como a mulher que pichou a estátua da justiça, apesar de no mesmo voto ter dito que não poderia julgá-la – o único, aliás, da Primeira Turma do STF a fazê-lo.
Sim, sem dúvida: fiquei conhecido por condenar ladrão de galinha. Mas, essa mulher cometeu um erro fatal e foi por isso que votei por condená-la pelo crime de deterioração do patrimônio tombado: ela escreveu com batom na Estátua da Justiça – deveria ter colocado orelhas do Mickey!

Inimigo número 1

— Trono do Leão, aqui é Águia Atômica. Estamos nos aproximando do local.

— Águia Atômica, as coordenadas exatas serão passadas por data link. A aeronave vai travar no alvo automaticamente e com absoluta precisão.

— Vamos aniquilar alguns civis novamente? Ou destruir um hospital? Doha fica mais longe do que a gente costuma ir.

— Águia Atômica, apenas prossiga até o local e o comando de missão irá transmitir as coordenadas para você. Não é necessário verificar o que vai ser destruído. Temos certeza absoluta do local.

— Trono do Leão, Águia Atômica ciente. Entro em contato ao chegar na localização determinada.

Em voo supersônico, a Águia Atômica chega em apenas 2 minutos ao local designado. O caça furtivo não foi detectado e se aproxima com rapidez do alvo, que acaba de ser transmitido por satélite pelo data link do avião.

— Trono do Leão, recebemos o alvo.

— Muito bem, Águia Atômica. Atire a bomba guiada assim que o sistema indicar.

— Ciente, Trono do Leão.

A Águia Atômica continua pressionando o botão para falar, enquanto o Trono do Leão tenta transmitir o comando de atirar.

— Trono do Leão, é a Águia Atômica. Alvo travado, aparecendo na tela. A câmera está captando uma pomba.

— Águia Atômica, atire.

— Trono do Leão, a câmera está mostrando uma pomba com, com, com… um ramo de oliveira no bico!?!

— Águia Atômica, atire.

— Numa pomba? Cadê os civis, os hospitais, as mesquitas, as igrejas? Uma pomba?

— Águia Atômica, atire. Esse é o maior inimigo do nosso país.

— Uma pombinha com um ramo de oliveira na boca? Não devia ser um campo de refugiados, uma escola?

— Águia Atômica, atire. A pomba da paz é o inimigo número 1 de Israel!

(Imagem destacada: Doha após bombardeio de Israel contra delegação de negociadores de paz do Hamas.)


A notícia

Israel bombardeou delegação de negociadores do Hamas em Doha, no Catar.

Absurdo demais pra ser ficção

— Alô!

— Alô!

— Pedro, que história é essa?

— Como assim?

— Eu te peço um documentário, e você me vem com essa ficção sem pé, nem cabeça?

— Mas…

— Deixa eu te explicar: ficção não é uma coisa qualquer.

— Fernando…

— Tem que ter uma identificação, um apelo.

— Sim, mas…

— Sabe, tem que tocar a realidade do expectador. Um filme de ficção…

— Fernando!

— Pedro, não insiste, ficção tem que ter uma conexão, tem que parecer real.

— Eu sei!

— Verossimilhança, que chama.

— Mas…

— Se você coloca qualquer coisa que aparece na sua cabeça, o expectador não vai passar nem 5 minutos assistindo esse longa-metragem que você me entregou.

— Fernando!

— Você me vem com essa ficção de patriota com bandeira dos Estados Unidos e de Israel, de cristão dizendo que judeu segue Jesus?

— Fernando, isso não é um longa de ficção. É um documentário! E você nem viu até a parte em que o patriotário pede pro Trump intervir no Brasil.

Pelo país, neste domingo (7), Grito dos Excluídos ecoa democracia, soberania e defesa da natureza

Neste domingo, Sete de Setembro, o tradicional Grito dos Excluídos e Excluídas tomou as ruas de dezenas de cidades do Brasil em sua 31º edição. Sob o lema “Cuidar da Casa Comum e da Democracia é luta de todo dia”, os atos reuniram movimentos populares, pastorais, povos e comunidades tradicionais, juventudes e militantes em defesa da democracia, meio ambiente e soberania nacional. De acordo com a Secretaria Nacional do Grito, as mobilizações foram realizadas em 25 estados e no Distrito Federal. Apenas o Tocantins não registrou atividades.

edição deste ano relaciona diretamente as crises socioeconômicas e ambientais, como pautas entrelaçadas por justiça social. “O Grito mudou a cara do país nessa data e este ano em que vivemos tempos de grandes desafios: a investida do capital financeiro e da extrema direita, o avanço do imperialismo contra a soberania nacional, a devastação ambiental… nos conclama a cuidar da Casa Comum e da Democracia”, explica Dani Hohn, da organização do Grito.

“O sentido mais profundo do grito é dar caráter popular ao 7 de setembro, à Semana da Pátria, nessa data que historicamente é comemorada pelas Forças Armadas e a polícia”, diz Sandra Quintela, da Rede de Brio Sul e da Coordenação Nacional do Grito dos Excluídos.

“Em segundo lugar, destacar a presença massiva hoje nas ruas, em todo o Brasil, gritando que o Brasil é do povo brasileiro e que precisamos de uma nova independência, onde a soberania popular esteja no centro das pautas de luta do nosso país”, completa, ela,

Uma das mensagens mais recorrentes pelo país foi a de “Sem anistia”, reforçando a expressão coletiva contra a anistia aos condenados pela tentativa de golpe de Estado no Brasil. Se aprovado, o projeto de anistia beneficiaria Jair Bolsonaro (PL), que pode ser condenado a até 40 anos de prisão. O julgamento, iniciado em 2 de setembro, deve ser concluído no próximo dia 12.

Outro destaque deste ano foi a articulação com o Plebiscito Popular 2025, que recolhe votos em todo o país sobre a redução da jornada de trabalho sem cortes de salário, o fim da escala 6×1 e a taxação dos super-ricos. Para a organização, essa consulta popular reafirma a necessidade de construir uma democracia enraizada na participação direta da população.

Em São Paulo, organizadores calculam que 30 mil pessoas compareceram ao ato, na manhã deste domingo na Praça da República, no centro da cidade. A mobilização contou com a presença de ministros do governo Lula, como Luiz Marinho, do Emprego e do Trabalho, e Paulo Teixeira, do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, além de deputados federais como Guilherme Boulos (Psol-SP) e Kiko Celeguim, presidente do PT paulista, e a deputada estadual Ediane Maria (Psol).

Os movimentos populares também marcaram presença na Praça da República. O integrante da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Gilmar Mauro, avaliou que a manifestação da esquerda representa a retomada do processo de mobilização popular no país.

“Nós enfrentamos ditadura, governos de direita, pandemia e golpe, e seguimos de pé. A luta de classes não começou conosco nem vai terminar, mas depende da militância para conquistar a soberania plena e verdadeira democracia”, destacou Mauro, convocando o protagonismo popular em algumas das pautas em jogo. “O fundamental é voltarmos às ruas com bandeiras que são decisivas: a defesa da soberania, a taxação dos super-ricos, a justiça tributária, a redução da jornada de trabalho 6×1 e, obviamente, o repúdio à anistia”.

Raimundo Bonfim, coordenador nacional da Central de Movimentos Populares (CMP), um dos organizadores da manifestação, destacou a importância do ato diante de pautas por justiça social na distribuição da riqueza. “Na luta de classes pela taxação dos super-ricos, pela isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil, pela redução da jornada de trabalho. Essa é a luta que cresce a partir da indignação contra os privilégios e contra uma maioria do Congresso que é antipovo e antidemocrática”, afirmou.

De acordo com a organização, neste ano o Grito reafirma seu caráter de processo político-pedagógico e cultural permanente e processual. Com marchas, debates, vigílias inter-religiosas e expressões artísticas, o movimento segue proclamando que a independência só terá sentido com justiça social, soberania e cuidado com a vida. O Grito dos Excluídos nasceu no Brasil em 1995, durante a 2ª Semana Social Brasileira, promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em 1993 e 1994, e inspirado pela Campanha da Fraternidade de 1995: “Fraternidade e Excluídos”. O primeiro ato, em 7 de setembro de 1995, teve como lema “A vida em primeiro lugar” e ecoou em 170 localidades.

Editado por: Daniel Lamir

(Publicado originalmente no Brasil de Fato. Foto em destaque: Ato dos Excluídos em Porto Alegre/Jorge Leão.)