Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 10-12

COMPÊNDIO DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA

INTRODUÇÃO

UM HUMANISMO INTEGRAL E SOLIDÁRIO

b) O significado do documento

10 O documento apresenta-se como um instrumento para o discernimento moral e pastoral dos complexos eventos que caracterizam o nosso tempo; como um guia para inspirar, assim no plano individual como no coletivo, comportamentos e opções que permitam a todos os homens olhar para o futuro com confiança e esperança; como um subsídio para os fiéis sobre o ensinamento da moral social. Dele pode derivar um novo compromisso capaz de responder às exigências do nosso tempo e proporcionado às necessidades e aos recursos do homem, mas sobretudo o anelo de valorizar mediante novas formas a vocação própria dos vários carismas eclesiais com vista à evangelização do social, porque « todos os membros da Igreja participam na sua dimensão secular»[Christifideles laici, 15]. O texto é proposto, enfim, como motivo de diálogo com todos aqueles que desejam sinceramente o bem do homem.

11 Os primeiros destinatários deste Documento são os Bispos, que encontrarão as formas mais adequadas para a sua difusão e correta interpretação. Pertence, com efeito, ao seu « munus docendi » ensinar que «as próprias coisas terrenas e as humanas instituições se destinam também, segundo os planos de Deus Criador, à salvação dos homens, e podem por isso contribuir imenso para a edificação do Corpo de Cristo »[Christus Dominus, 12]. Os sacerdotes, os religiosos e as religiosas e, em geral, os formadores nele encontrarão um guia seguro para o ensinamento e um instrumento de serviço pastoral. Os fiéis leigos, que buscam o Reino de Deus «ocupando-se das coisas temporais e ordenando-as segundo Deus »[ Lumen gentium, 31], nele encontrarão luzes para o seu específico compromisso. As comunidades cristãs poderão utilizar este documento para analisar objetivamente as situações, esclarecê-las à luz das palavras imutáveis do Evangelho, haurir princípios de reflexão, critérios de julgamento e orientações para a ação[Octogésima adveniens, 4].

12 Este documento é proposto também aos irmãos de outras Igrejas e Comunidades Eclesiais, aos sequazes de outras religiões, bem como a quantos, homens e mulheres de boa vontade, se empenham em servir o bem comum: queiram-no acolher como o fruto de uma experiência humana universal, constelada de inumeráveis sinais da presença do Espírito de Deus. É um tesouro de coisas novas e antigas (cf. Mt 13, 52), que a Igreja quer compartilhar, para agradecer a Deus, de quem provêm « toda dádiva boa e todo o dom perfeito » (Tg 1, 17). È um sinal de esperança o fato de que hoje as religiões e as culturas manifestem disponibilidade ao diálogo e advirtam a urgência de unir os próprios esforços para favorecer a justiça, a fraternidade, a paz e o crescimento da pessoa humana.

A Igreja Católica une em particular o próprio empenho ao esforço em campo social das demais Igrejas e Comunidades Eclesiais, tanto na reflexão doutrinal como em campo prático. Juntamente com elas, a Igreja Católica está convencida de que do patrimônio comum dos ensinamentos sociais guardados pela tradição viva do povo de Deus derivem estímulos e orientações para uma colaboração cada vez mais estreita na promoção da justiça e da paz[Gaudium et spes, 92].

O Compêndio da Doutrina Social da Igreja, em que pese ser destinado primeiramente aos membros da própria Igreja Católica, inclusive enquanto instituição visível, se destina ao diálogo e à cooperação com outras igrejas cristãs, seguidores de outras religiões e todas as pessoas de boa vontade. Nesse mundo tenebroso (Ef 6,12), é um esperança no destino terreno do homem. Devemos buscar que o Reino de Deus se realize nesta terra, ainda que não se manifeste em toda a sua glória, que é do mundo que virá (v. IJo 3). Para isto, é também “sinal de esperança o fato de que hoje as religiões e as culturas manifestem disponibilidade ao diálogo e advirtam a urgência de unir os próprios esforços para favorecer a justiça, a fraternidade, a paz e o crescimento da pessoa humana.”

Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 7-9

COMPÊNDIO DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA

INTRODUÇÃO

UM HUMANISMO INTEGRAL E SOLIDÁRIO

b) O significado do documento

7O cristão sabe poder encontrar na doutrina social da Igreja os princípios de reflexão, os critérios de julgamento e as diretrizes de ação donde partir para promover esse humanismo integral e solidário.Difundir tal doutrina constitui, portanto, uma autêntica prioridade pastoral, de modo que as pessoas, por ela iluminadas, se tornem capazes de interpretar a realidade de hoje e de procurar caminhos apropriados para a ação: « O ensino e a difusão da doutrina social fazem parte da missão evangelizadora da Igreja »[Sollicitudo rei socialis, 41].

Nesta perspectiva, pareceu muito útil a publicação de um documento que ilustrasseas linhas fundamentais da doutrina social da Igreja e a relação que há entre esta doutrina e a nova evangelização[Ecclesia in America, 54]. O Pontifício Conselho da Justiça e da Paz, que o elaborou e assume plena responsabilidade por ele, se valeu para tal fim de uma ampla consulta, envolvendo os seus Membros e Consultores, alguns Dicastérios da Cúria Romana, Conferências Episcopais de vários países, Bispos e peritos nas questões tratadas.

8Este Documento entende apresentar de maneira abrangente e orgânica, se bem que sinteticamente, o ensinamento social da Igreja, fruto da sapiente reflexão magisterial e expressão do constante empenho da Igreja na fidelidade à Graça da salvação de Cristo e na amorosa solicitude pela sorte da humanidade. Os aspectos teológicos, filosóficos, morais, culturais e pastorais mais relevantes deste ensinamento são aqui organicamente evocados em relação às questões sociais. Destarte é testemunhada a fecundidade do encontro entre o Evangelho e os problemas com que se depara o homem no seu caminho histórico.

No estudo do Compêndio será importante levar em conta que as citações dos textos do Magistério são extraídas de documentos de vário grau de autoridade. Ao lado dos documentos conciliares e das encíclicas, figuram também discursos Pontifícios ou documentos elaborados pelos Dicastérios da Santa Sé. Como se sabe, mas é oportuno realçá-lo, o leitor deve estar consciente de que se trata de níveis distintos de ensinamento. O documento, que se limita a oferecer uma exposição das linhas fundamentais da doutrina social, deixa às Conferências Episcopais a responsabilidade de fazer as oportunas aplicações requeridas pelas diversas situações locais[Ecclesia in America, 54].

9 O documento oferece um quadro abrangente das linhas fundamentais do «corpus» doutrinal do ensinamento social católico. Tal quadro consente afrontar adequadamente as questões sociais do nosso tempo, que é mister enfrentar com uma adequada visão de conjunto, porque se caracterizam como questões cada vez mais interconexas, que se condicionam reciprocamente e que sempre mais dizem respeito a toda a família humana. A exposição dos princípios da doutrina social da Igreja entende sugerir um método orgânico na busca de soluções aos problemas, de sorte que o discernimento, o juízo e as opções sejam mais consentâneas com a realidade e a solidariedade e a esperança possam incidir com eficácia também nas complexas situações hodiernas. Os princípios, efetivamente, se evocam e iluminam uns aos outros, na medida em que exprimem a antropologia cristã[Centesimus annus, 55], fruto da Revelação do amor que Deus tem para com a pessoa humana. Tenha-se, entretanto, na devida consideração que o transcurso do tempo e a mudança dos contextos sociais requererão constantes e atualizadas reflexões sobre os vários argumentos aqui expostos, para interpretar os novos sinais dos tempos.

Como se vê, a Igreja não pretende, com o compêndio de sua doutrina social, ditar que o cristão deve votar ou apoiar tal ou qual partido, ou mesmo tal ou qual tese sobre as questões seculares. Ela apresenta, isto sim, subsídios de forma organizada para tratar “questões cada vez mais interconexas, que se condicionam reciprocamente e que sempre mais dizem respeito à família humana”, isto é, à sociedade. Assim, muitas vezes restará espaço para dissenção entre os cristãos, e isso até mesmo porque cada um recebe do Espírito Santo aquilo que lhe convém (1Cor 12,4-27). Por vezes, a ênfase de um em uma questão e a de outro, em outra, são devidas a diferentes maneiras de abordar o mesmo Evangelho. Isso não deve dar margem ao relativismo, a achar que qualquer coisa vale em nome do “carisma”. Ao contrário, visões diferentes devem nos ajudar a discernir quem e quais propostas melhor se aproximam do candidato “ideal”. Somos homens e mulheres. Não conhecemos o futuro, nem as intenções por trás das palavras. Não podemos, por nós mesmos, fazer a escolha ideal. Mas, temos que fazer o possível para, à luz do Evangelho, buscar a realização do Reino de Deus. E rezar, rezar e rezar.

Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 5-6

COMPÊNDIO DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA

INTRODUÇÃO

UM HUMANISMO INTEGRAL E SOLIDÁRIO

a) No alvorecer do terceiro milênio

5 O amor tem diante de si um vasto campo de trabalho e a Igreja, nesse campo, quer estar presente também com a sua doutrina social, que diz respeito ao homem todo e se volve a todos os homens. Tantos irmãos necessitados estão à espera de ajuda, tantos oprimidos esperam por justiça, tantos desempregados à espera de trabalho, tantos povos esperam por respeito: «Como é possível que ainda haja, no nosso tempo, quem morra de fome, quem esteja condenado ao analfabetismo, quem viva privado dos cuidados médicos mais elementares, quem não tenha uma casa onde abrigar-se? E o cenário da pobreza poderá ampliar-se indefinidamente, se às antigas pobrezas acrescentarmos as novas que freqüentemente atingem mesmo os ambientes e categorias dotadas de recursos econômicos, mas sujeitos ao desespero da falta de sentido, à tentação da droga, à solidão na velhice ou na doença, à marginalização ou à discriminação social. […] E como ficar indiferentes diante das perspectivas dum desequilíbrio ecológico, que torna inabitáveis e hostis ao homem vastas áreas do planeta? Ou em face dos problemas da paz, freqüentemente ameaçada com o íncubo de guerras catastróficas? Ou frente ao vilipêndio dos direitos humanos fundamentais de tantas pessoas, especialmente das crianças? »[Novo millennio ineunte, 50-51].

6 O amor cristão move à denúncia, à proposta e ao compromisso de elaboração de projetos em campo cultural e social, a uma operosidade concreta e ativa, que impulsione a todos os que tomam sinceramente a peito a sorte do homem a oferecer o próprio contributo. A humanidade compreende cada vez mais claramente estar ligada por um único destino que requer uma comum assunção de responsabilidades, inspirada em um humanismo integral e solidário: vê que esta unidade de destino é freqüentemente condicionada e até mesmo imposta pela técnica ou pela economia e adverte a necessidade de uma maior consciência moral, que oriente o caminho comum. Estupefatos pelas multíplices inovações tecnológicas, os homens do nosso tempo desejam ardentemente que o progresso seja votado ao verdadeiro bem da humanidade de hoje e de amanhã.

O cristão não pode ficar parado diante da injustiça e do mal. Ao contrário, movido pelo amor, deve procurar contribuir para a construção de uma sociedade solidária e que promova o ser humano em todos os seus aspectos: econômico, cultural, religioso etc.

Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n.º 2-4

 

COMPÊNDIO DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA

INTRODUÇÃO

UM HUMANISMO INTEGRAL E SOLIDÁRIO

a) No alvorecer do terceiro milênio

2 Neste alvorecer do Terceiro Milênio, a Igreja não se cansa de anunciar o Evangelho que propicia salvação e autêntica liberdade, mesmo nas coisas temporais, recordando a solene recomendação dirigida por São Paulo ao discípulo Timóteo: «Prega a palavra, insiste oportuna e importunamente, repreende, ameaça, exorta com toda paciência e empenho de instruir. Porque virá tempo em que os homens já não suportarão a sã doutrina da salvação. Levados pelas próprias paixões e pelo prurido de escutar novidades, ajustarão mestres para si. Apartarão os ouvidos da verdade e se atirarão às fábulas. Tu, porém, sê prudente em tudo, paciente nos sofrimentos, cumpre a missão de pregador do Evangelho, consagra-te ao teu ministério» (2 Tm 4, 2-5).

3 Aos homens e às mulheres do nosso tempo, seus companheiros de viagem, a Igreja oferece também a sua doutrina social. De fato, quando a Igreja «cumpre a sua missão de anunciar o Evangelho, testemunha ao homem, em nome de Cristo, sua dignidade própria e sua vocação à comunhão de pessoas, ensina-lhes as exigências da justiça e da paz, de acordo com a sabedoria divina»[Catecismo da Igreja Católica, 2419]. Tal doutrina possui uma profunda unidade, que provém da Fé em uma salvação integral, da Esperança em uma justiça plena, da Caridade que torna todos os homens verdadeiramente irmãos em Cristo. Ela é expressão do amor de Deus pelo mundo, que Ele amou até dar «o seu Filho único» (Jo 3, 16). A lei nova do amor abrange a humanidade toda e não conhece confins, pois o anúncio da salvação de Cristo se estende «até aos confins do mundo » (At 1, 8).

4 Ao descobrir-se amado por Deus, o homem compreende a própria dignidade transcendente, aprende a não se contentar de si e a encontrar o outro, em uma rede de relações cada vez mais autenticamente humanas. Feitos novos pelo amor de Deus, os homens são capacitados a transformar as regras e a qualidade das relações, inclusive as estruturas sociais: são pessoas capazes de levar a paz onde há conflitos, de construir e cultivar relações fraternas onde há ódio, de buscar a justiça onde prevalece a exploração do homem pelo homem. Somente o amor é capaz de transformar de modo radical as relações que os seres humanos têm entre si. Inserido nesta perspectiva, todo o homem de boa vontade pode entrever os vastos horizontes da justiça e do progresso humano na verdade e no bem.

A Igreja tem uma doutrina social porque essa é a sua missão: pregar o Evangelho, a boa notícia de Jesus Cristo, filho de Deus encarnado, que veio nos salvar integralmente. Seu papel é testemunhar o amor de Deus, anunciar a nova lei do amor, que constrói relações fraternas onde há ódio, busca justiça onde há exploração do homem pelo homem. O cristão não deve apoiar, nem se contentar com estruturas de pecado, mas procurar sua transformação em bases evangélicas, no amor, na justiça, na verdade, no bem. Para ficar com as palavras do frei Antônio Moser:

A conversão evangélica, como o próprio Evangelho, tem dimensões universais. Converter-se ao Reino será sempre e em todas as circunstâncias assumir a causa que Cristo assumiu. Entretanto, assim como o Evangelho, sempre idêntico, deve encarnar-se nas situações diferentes, assim também a conversão. Se não quisermos ficar no plano das generalidades, devemos admitir que na medida em que a conversão se concretiza, se historiza, ela assume tonalidades diferentes. Aqui ela tem uma prioridade; ali, outra. Assim, à luz do que vimos com respeito ao pecado socioestrutural, os cristãos são chamados a seguir o Cristo, a anunciar as bem-aventuranças do Reino e, portanto, a denunciar as contradições do sistema socioeconômico e político responsável pela miséria em que vive a absoluta maioria. No desempenho de sua missão, a exemplo de Jesus, o cristão tem de comprometer-se com a causa dos pobres (Mt 11,5; Lc 4,18), cuja situação é um eloquente testemunho do pecado que se instalou em nossa sociedade. (O pecado: do descrédito ao aprofundamento. 5. ed. p. 166.)

Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n.º 1

COMPÊNDIO DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA

INTRODUÇÃO

UM HUMANISMO INTEGRAL E SOLIDÁRIO

a) No alvorecer do terceiro milênio

1 A Igreja, povo peregrino, entra no terceiro milênio da era cristã conduzida por Cristo, o «Grande Pastor»(Hb 13, 20): Ele é a «Porta Santa» (cf. Jo 10, 9) que transpusemos durante o Grande Jubileu do ano 2000 [Cf. Novo millennio ineunte, 1]. Jesus Cristo é o Caminho, a Verdade e a Vida (cf. Jo 14, 6): contemplando o Rosto do Senhor, confirmamos a nossa fé e a nossa esperança n’Ele, único Salvador e fim da história.

A Igreja continua a interpelar todos os povos e todas as nações, porque somente no nome de Cristo a salvação é dada ao homem. A salvação, que o Senhor Jesus nos conquistou por um “alto preço” (cf. 1Cor 6, 20; 1Pd 1, 18-19), se realiza na vida nova que espera os justos após a morte, mas abrange também este mundo (cf. 1Cor 7, 31) nas realidades da economia e do trabalho, da sociedade e da política, da técnica e da comunicação, da comunidade internacional e das relações entre as culturas e os povos. «Jesus veio trazer a salvação integral, que abrange o homem todo e todos os homens, abrindo-lhes os horizontes admiráveis da filiação divina»[Redemptoris missio, 11].

Jesus Cristo é o fim da história. Ele é o princípio e o fim, o Alfa e o Ômega (Ap 1,8; 21,6; 22,13). Por ele e para ele devemos nos orientar e nos dirigir, e toda nossa ação deve ser para ele, com ele, e conforme ele. Na política, inclusive nas eleições, devemos dizer: “não seja feita a minha vontade, mas a vossa” (v. Mc 14,36). Devemos, portanto, buscar a salvação integral, em todos os aspectos da vida humana, inclusive o econômico, o político, o cultural etc., propiciando a realização da filiação divina. Tenhamos isso em mente ao escolher nossos candidatos!