Dilexi te: diário de leitura (1-3)

Como dito na postagem introdutória, o papa Leão XIV não demora a dizer a que veio na exortação apostólica Dilexi te. Trata da identificação entre Jesus Cristo e os mais frágeis em nossa sociedade. Não são poucas palavras empregadas para falar desses: “não tinha qualquer relevância”, “exposta à violência e ao desprezo”, “tens pouca força”, “humildes”, “famintos”, “os últimos da sociedade”, “mais fraco, mísero e sofredor” etc. Muitas dessas palavras foram dirigidas por Deus à comunidade cristã de Filadélfia no Apocalipse de São João (3,8-9), proferidas por Nossa Senhora em seu Cântico (Lc 1,46-55) ou escritas pelo papa Francisco na encíclica Dilexit nos e na exortação apostólica Gaudete et exsultate.

Contudo, não se trata de mera compaixão, de um apiedar-se do sofrimento alheio. A afirmação mais eloquente desse trecho é:

Contemplar o amor de Cristo «ajuda-nos a prestar mais atenção ao sofrimento e às necessidades dos outros, e torna-nos suficientemente fortes para participar na sua obra de libertação, como instrumentos de difusão do seu amor».

A citação remete à já mencionada encíclica Dilexit nos, onde o papa Francisco foi ainda além: “se contemplarmos a entrega de Cristo por todos, torna-se inevitável perguntarmo-nos por que razão não somos capazes de dar a nossa vida pelos outros” (n. 171). A isso, Francisco acrescentou uma citação da Primeira Carta de São João: “Ele, Jesus, deu a sua vida por nós; assim também nós devemos dar a vida pelos nossos irmãos” (1Jo 3,16).

Imagem de Jesus Cristo representado como um sem-teto na Catedral de Buenos Aires. Foto: Leandro Arndt.

Além desse questionamento de nosso próprio compromisso com o próximo, o papa ainda revela que esse caminho de ação e contemplação é mesmo um “caminho de santificação”. Novamente citando o papa Francisco, e mesmo explicando que a Dilexi te já estava sendo redigida por ele quando faleceu, Leão insiste na necessidade de se estar efetivamente próximo dos pobres e reconhecer neles o próprio Cristo.

Aí se encontra, indubitavelmente, a espiritualidade da Teologia da Libertação. Uma espiritualidade que se converte em ação – a “opção preferencial pelos pobres”, expressão surgida na América Latina e ensinada ao mundo inteiro, será citada textualmente inúmeras vezes ao longo do texto. Frei Betto, aliás, afirmou que o papa peruano-americano “consagrou a Teologia da Libertação” nessa exortação apostólica. Mais adiante, aliás, o próprio papa fará isso quase literalmente (n. 98).

Publicado por

Leandro Arndt

Historiador formado pela UFPR, ex-aluno do Curso Superior de Teologia da Arquidiocese de Brasília (curso livre) e da Faculdade de Teologia da Arquidiocese de Brasília (Fateo).

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