Opinião de Visão Católica
O ano finda, e a imprensa aproveita para fazer suas retrospectivas de 2016. Muita coisa aconteceu, sem dúvida, mas nenhum levantamento será capaz de expressar o que levará desse ano o coração de cada pessoa, o que ele significa para cada um de nós e para nossas famílias. Mas, como a memória é fundamental para um presente sadio e para a construção de um futuro melhor, fica aqui meu exercício de historiador e estudante de teologia.
Na política, o mundo ficou avesso às periferias existenciais, tão caras ao nosso papa Francisco e a todo cristão. O Reino Unido decidiu sair da União Europeia, que havia sido construída para garantir a paz após a Segunda Guerra Mundial por meio da integração das economias e das populações. E fez isso em um contexto de gravíssima crise migratória, em um ano em que milhares de pessoas morreram ao atravessar o mar Mediterrâneo ou ainda esperam em campos de refugiados para chegar aos seus destinos finais, muitas vezes o próprio Reino Unido. Do outro lado do Atlântico, Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos da América pela minoria dos cidadãos americanos, com a promessa de “fazer a América grande novamente”, construir um muro na fronteira com o México e barrar a imigração muçulmana. Parece Hitler querendo restaurar a glória da Alemanha combatendo as populações judias e eslavas.
Foi também um ano de atentados terroristas que mataram milhares de pessoas, e um ano de inflexão na guerra que o Estado Islâmico trava contra a humanidade. Essa organização messiânica (porque os muçulmanos sunitas também têm um messianismo), que procura apressar o fim do mundo com a criação de um califado em um lugar de suma importância para o fim dos tempos em sua visão, mudou sua estratégia no exterior, e agora não apenas recruta soldados, mas também incentiva que simpatizantes e militantes executem ataques terroristas fora do território que reivindica. E foi um ano de muita dor para as famílias de cada vítima desse desastre que se chama “primavera árabe”. Por outro lado, essa mesma organização começou a perder território, tanto na Síria como no Iraque. Mesmo assim, não há como prever o fim da guerra.
Aqui no Brasil, tivemos o impeachment de Dilma sem que houvesse crime de responsabilidade comprovado. O que se viu a partir de então foi o ataque frontal à Constituição de 1988, rasgada pelo menos desde maio, quando a presidente foi afastada do cargo. As garantias, os direitos, o espírito da Constituição Cidadã foi completamente varrido do mapa. Minha avaliação desse processo pode ser lida aqui e aqui.
Apenas para dar alguns exemplos, não custa ver a súbita mudança de atitudes em relação às manifestações públicas. Antes de maio havia relativa tranquilidade para os cidadãos se manifestarem, exceto em São Paulo, onde o atual ministro da justiça dizia que as manifestações contra o impeachment não teriam direito de existir. Mas, essa tranquilidade ilusória de repente se dissipou após o afastamento de Dilma. Diversos relatos de abuso sobrevieram. Mais recentemente, em Brasília vândalos se infiltraram em manifestações contra o governo federal e suas medidas, esperando apenas o sinal da polícia para começar a depredação — pareceu até haver combinação para que as manifestações de repente passassem a ser taxadas de “baderna” e para que as pessoas se sentissem inseguras para se manifestar. Um autêntico “Movimento Sai da Rua”. Não custa lembrar que, no episódio mais recente, a polícia impediu os manifestantes de sequer se aproximarem do Senado Federal, onde estava sendo votada a medida a que se opunham. A barreira policial foi colocada junto ao Museu da República, a 1,5 quilômetro de distância.
Com o teto dos gastos públicos, a economia ficará engessada por 20 anos, e os recursos de saúde, educação, segurança, ciência e tecnologia, por exemplo, ficarão cada vez mais escassos para uma população em crescimento. Propõe-se uma reforma da previdência que praticamente inviabilizará a aposentadoria de milhões de pessoas e obrigará outras tantas a se aposentar com um valor miserável — mesmo que as contribuições sociais superem em muito o valor utilizado na seguridade social. E isso que chamam de governo também atropela a discussão sobre a reforma do ensino médio, que já levava anos, com uma medida provisória que nem sequer terá eficácia no próximo ano — ou seja, sem nenhuma urgência que justificasse o uso de uma medida provisória. O Ministério Público Federal considera essa medida inconstitucional.
Mas, não foi só isso. Houve divulgação de conversas telefônicas, vazamentos seletivos de delações premiadas, mais e mais prisões “preventivas” abusivas, conduções coercitivas sem tentativa anterior de tomar depoimento, tudo muito bem orquestrado para provocar o impacto político desejado: derrubar o governo petista. Até mesmo o UOL foi obrigado a reconhecer as ilegalidades da Operação Lava Jato. E foi 2016 o ano em que isso que está no lugar do governo federal apoiou até o fim os interesses privados de um ministro contra o interesse público pela preservação do patrimônio histórico — com direito a moções de apoio do parlamento. Em qualquer república isso teria levado ao fim do governo. O próprio ocupante do Palácio do Planalto publicamente afirmou que tentou colocar um órgão público (a AGU) para mediar esse conflito entre o IPHAN e o bolso do Geddel. Não há mais República no Brasil.
Já na economia, se formos fazer um balanço de 2016, estaremos diante do desastre: um desastre que tende a se agravar mais e mais. Chegamos ao final do ano com 33% mais desempregados (quase 3 milhões de pessoas) e, mesmo entre os que mantém o emprego, o salário caiu em média 2%. Somente de maio para cá, subiu 4% o número de empregados sem carteira assinada. E tais estatísticas não incluem os servidores públicos com salários atrasados.
Na chamada macroeconomia, os números vão de mal a pior: o PIB já caiu 2,5%, o consumo das famílias caiu 3,4%, o investimento chamado “formação de capital fixo” caiu 8,4%. Parece que os empresários desistiram da economia real, daquilo que afeta os mais de 200 milhões de brasileiros. Mesmo no comércio exterior, as exportações praticamente paradas e a queda de 6,8% das importações indicam justamente que ninguém mais está comprando. As operações de crédito são exemplo disso: caíram 3,6% no ano. Mas, ainda há muita gente feliz na economia “irreal”, quer dizer, aquela que praticamente não gera empregos nem bens que possam ser usados pelas pessoas. Os lucros do setor financeiro vão muito bem, obrigado, com juros que subiram 11% e o lucro com esses juros subindo 26,3%. O dinheiro ficou mais barato para os bancos, mas mais caro para o povo e as empresas produtivas. E, com a derrubada do governo e da política escolhida pela população, os bancos públicos não movem mais uma palha para mudar a situação — nos governos petistas, já teriam anunciado a queda dos juros do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal para impulsionar a economia.
Mas, nem tudo são espinhos. No cenário internacional, sobressaem algumas boas notícias, como a paz alcançada pelo governo da Colômbia e pelas FARC, após 52 anos de guerra. Na Síria, terminamos o ano com Aleppo pacificada e um cessar-fogo promissor. No Iraque, as forças armadas avançam contra o Estado Islâmico em Mossul, antiga Nínive, onde atuou o profeta Jonas. E temos o exemplo, no mundo todo e no Brasil, de pessoas que nas piores situações se mantém firmes, fiéis aos valores morais e à fé. Deus queira que o próximo ano nos traga a paz!
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