Que os deuses não cometam pecado

Levanta-se Deus na assembléia divina, entre os deuses profere o seu julgamento. Até quando julgareis iniquamente, favorecendo a causa dos ímpios? (Sl 81,1s)

Nesse momento da história brasileira, nada mais adequado que o Salmo 81. A assembléia dos juízes se reúne, começa a julgar a presidente que o povo brasileiro elegeu.

Nunca argumentei com base no meu conhecimento profissional. Mas, parece-me chegada a hora de dizer que sou ocupante de cargo do ciclo de gestão do governo federal. Ou seja, conheço a burocracia e o processo orçamentário.

Sei que uma coisa é a despesa autorizada no orçamento, outra coisa é a realização dessa despesa. Sei que existem diversas hipóteses, presentes na Lei, para alterar o orçamento, incluindo a anulação de despesas anteriormente previstas (o que não muda o valor total do orçamento), o superávit financeiro (que é, grosso modo, dinheiro disponível) e o excesso de arrecadação (ou seja, taxas e tributos arrecadados além da previsão orçamentária). Sei que despesa prevista (no orçamento) e despesa realizada são coisas muito diferentes. Portanto, as mudanças realizadas no orçamento não feriram a lei orçamentária de 2015. Não houve atentado contra a lei orçamentária. Não houve crime de responsabilidade.

Sei também que existem gestores responsáveis pela execução dos programas orçamentários. Sei que as altas autoridades só recebem informações consolidadas a respeito deles. Sei que isso é insuficiente para conhecer as minúcias da execução e sei que existe um sistema de controle interno para que a execução não fira as normas legais. E sei que, se não houver nenhum alerta do controle ou dos técnicos responsáveis pela execução das políticas públicas, as altas autoridades não ficam sabendo de nada que esteja acontecendo. E isso se aplica aos ministros. A presidente da República só fica sabendo do que acontece pelo que os ministros informam. E informam do que são informados. Não há como Dilma ser responsável pela demora no pagamento de uma obrigação de responsabilidade do Ministério da Fazenda.

E sei ainda que não há atraso onde não há prazo, como no caso do Plano Safra. E que atraso não é empréstimo, porque não há a contratação de capital e de pagamentos de amortização e juros. Quando uma conta está atrasada, pagam-se a conta, os juros e a multa.

E, por fim, eu sei que, para um decreto chegar às mãos da presidente da República para ser assinado, foi elaborado por técnicos, analisado por dirigentes e por procuradores federais, passou por vários ministérios e secretarias, e só fica pronto para ser assinado com a aprovação de todos os envolvidos. Inclusive com pareceres técnicos e jurídicos pela legitimidade e legalidade do futuro decreto. Foi nesses pareceres que a presidente da República se baseou para assiná-los. Era essa a informação de que dispunha. Não há como ser penalizada se porventura tiver havido uma falha de outras pessoas nesse processo.

Mas, mais que tudo, como historiador e cidadão, sei que o povo brasileiro elegeu um programa de governo em 2014. E que os que tentam tirar Dilma do poder definitivamente são os que propuseram o contrário. Sei que a vontade do povo, expressa nas urnas em 2014, que escolheu um programa de governo, será derrotada no Congresso Nacional, pelo conluio de parlamentares, partidos, empresas de mídia, confederações patronais e até de um vice-presidente — caso prevaleça o voto “sim” ao impeachment. E, onde a vontade do povo não é ouvida, não há democracia. E a democracia é o melhor sistema de governo, diz a Igreja:

A Igreja encara com simpatia o sistema da democracia, enquanto assegura a participação dos cidadãos nas opções políticas e garante aos governados a possibilidade quer de escolher e controlar os próprios governantes, quer de os substituir pacificamente, quando tal se torne oportuno; ela não pode, portanto, favorecer a formação de grupos restritos de dirigentes, que usurpam o poder do Estado a favor dos seus interesses particulares ou dos objetivos ideológicos. (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 406)

E a escolha do povo, como o povo disse em 2014, é cuidar do órfão e do pobre, do oprimido e do necessitado. E querem tirar a Dilma para fazer o contrário.

Levanta-se Deus na assembléia divina, entre os deuses profere o seu julgamento.
Até quando julgareis iniquamente, favorecendo a causa dos ímpios?
Defendei o oprimido e o órfão, fazei justiça ao humilde e ao pobre,
livrai o oprimido e o necessitado, tirai-o das garras dos ímpios.
Eles não querem saber nem compreender, andam nas trevas, vacilam os fundamentos da terra.
Eu disse: Sois deuses, sois todos filhos do Altíssimo.
Contudo, morrereis como simples homens e, como qualquer príncipe, caireis.
Levantai-vos, Senhor, para julgar a terra, porque são vossas todas as nações. (Sl 81)

O fim da República

Gostaria de compartilhar com vocês, leitores, minhas reflexões mais recentes sobre a situação política brasileira. Continuo, portanto, o pensamento finalmente expresso no último artigo. Vinha tentando me manter quieto, dando voz mais às autoridades da Igreja que à minha. Mas, como historiador, posso analisar com tranquilidade a situação.

Não há mais República. Não mais Estado de direito. Não há mais justiça. Começando pela articulação de Temer pelo impeachment: o vice-presidente promovendo a deposição da presidente da República. Mais que isso, quando promoveu o rompimento de seu partido com o governo, disse que não tinha motivo para renunciar, pois fora eleito vice-presidente. Mas, foi eleito com o mesmo programa de governo que Dilma Rousseff, derrotando o programa de governo do PSDB. Agora, é certo que ele pretende nomear um tucano para o Ministério das Relações Exteriores. E quer rever as regras de concessão para exploração do petróleo, acabar com o investimento mínimo em educação e saúde etc. Rasgar o programa de governo que o elegeu. Um golpe por si só, independente das alegadas razões para o impeachment (e que são apenas isso: alegações).

Some-se a isso os recentes acontecimentos no Congresso Nacional. Após 5 meses do pedido, o STF finalmente decidiu pelo afastamento de Eduardo Cunha da presidência, mas só após ele comandar todo o processo de impeachment na Câmara dos Deputados. Seu substituto, Waldir Maranhão, decidiu acatar os argumentos da defesa de Dilma e declarar nula a sessão da Câmara que decidiu admitir o processo. O presidente do Senado Federal disse que ignoraria a decisão (que tornaria nulos todos os atos posteriores, inclusive do Senado). No dia seguinte, Maranhão revogou sua decisão anterior, não sem antes ser ameaçado de expulsão por seu partido, o PP, e de ser denunciado por oposicionistas no Conselho de Ética da Câmara — revogou sua própria decisão somente após ameaças fortes e a promessa de ser “ignorado” por Renan Calheiros. Enquanto isso, o STF se prende à formalidade do processo, fingindo ignorar que cada decisão em um processo político como esse é por si só um julgamento, com graves consequências, e que o cerceamento da defesa (que de fato existiu) não pode ser admitido em nenhuma fase de um processo como esse. O ministro do STF Gilmar Mendes (ex-chefe da assessoria jurídica de Collor no Planalto e ex-advogado geral da União de FHC) ri de tudo isso.

Para completar, hoje a Polícia Federal reteve 73 mulheres em um avião, pois entoaram palavras de ordem contra dois deputados que viajavam com elas. Permaneceram sentadas durante o vôo. Não havia ameaça à segurança aeronáutica. A LATAM, companhia que as transportava, alegou que haviam sido “indisciplinadas”. Não é motivo para reter ninguém. Já no Rio de Janeiro, um grupo intitulado “Desocupa” invadiu uma escola para retirar manifestantes que a ocupavam, fazendo “justiça” com as próprias mãos. Enquanto isso, o possível ministro da justiça de um pretenso governo Michel Temer, Alexandre de Moraes, afirmou que as manifestações contra o impeachment em São Paulo não foram “manifestações”, mas “atos de guerrilha” — e guerrilhas são combatidas com armas.

Nesse ínterim, enquanto o secretário-geral da OEA duvida da legalidade do impeachment, “católicos” que não ligam para direito, justiça e misericórdia aplaudem Gilmar Mendes (que mandou a defesa de Dilma procurar “o céu, o papa ou o diabo”) e Eduardo “Meu Malvado Favorito” Cunha. E xingam a CNBB e todo bispo que não diga o que querem ouvir.

Não existe mais democracia nem Estado de direito no Brasil. Não vivemos numa ditadura escancarada. Mas, o voto de mais de 54 milhões de brasileiros está sendo desprezado. Junto com o dos outros 50 milhões que votaram no candidato derrotado, mas participaram das eleições, tornando-a plenamente válida e legítima. O poder não emana do povo, mas de uma dúzia de caciques partidários em seus conchavos. O direito de livre manifestação é livremente cerceado. A prisão preventiva é usada como tortura. O devido processo legal é jogado na lata do lixo. E, com Alexandre de Moraes e Desocupa, o DOPS e o CCC estão à espreita.

Fala o historiador: é golpe!

Embora eu tenha até aqui procurado me pautar pela menor exposição possível de minhas opiniões pessoais a respeito dos acontecimentos políticos em curso, sempre no intuito de levar a Boa Nova ao maior número de pessoas, existem momentos em que se faz necessário analisar os acontecimentos à luz da história para que possamos ver, julgar e agir conforme o reto entendimento da situação e as diretrizes da doutrina social da Igreja. E, na ciência histórica, sou plenamente habilitado para falar — há mais de 10 anos que me graduei bacharel e licenciado em história.

História social e política

Este tempo que estamos vivendo entrará para a história. Quem quiser estudar a Nova República (período de 1985 até hoje) terá de se debruçar sobre essa crise que é, até agora, a maior de uma época. Será analisada sob muitos aspectos, mas será estudada principalmente pela história política e social. A história política analisará a atuação, os discursos, a representatividade e as mudanças nos grupos de poder, enquanto a história social se ocupará das alterações nos diversos grupos que compõem a sociedade e nas relações entre eles. Em ambos os casos, perceber-se-á que se buscam alterações nas relações políticas e sociais sem a legitimação pelo povo nas urnas. Um golpe.

Paralelo com 1964

Na imprensa, contudo, tem sido recorrente a comparação com o golpe civil-militar de 1964, muitas vezes para dizer que, sem armas, não se poderia falar de golpe de Estado. Quem faz isso não entende nada da história da República Nova (1945-1964). O que interessa não são tanto as formas que os agrupamentos políticos e sociais utilizam para realizar seus fins, mas o conteúdo das mudanças almejadas. Nem mesmo os pretextos utilizados ou a pretensa legalidade dos instrumentos: Hitler também usou e abusou dos instrumentos legais da República de Weimar para construir uma das piores ditaduras que o mundo conheceu.

Mesmo assim, o conteúdo golpista da moderna oposição se revela no imaginário político. Hegel dizia que todo acontecimento importante na história acontece duas vezes. Mesmo que não concordemos com Marx, é mister acrescentar com ele: da primeira vez, os acontecimentos são uma tragédia; da segunda, uma farsa. A tragédia de 1964 teve um longo prólogo. 10 anos antes, ele se chamou “República do Galeão” — hoje, o golpe se chama “República de Curitiba”. Investigações judiciais ou extrajudiciais, tinham o fim de derrubar o governo de então (daí se entende facilidade de a imprensa obter informações contra o PT e de nada ser investigado sobre a oposição, mesmo que Delcídio do Amaral, por exemplo, tenha sido diretor da Petrobras justamente no governo FHC, mas não no governo do PT).

O mesmo se pode dizer da tortura. Se na ditadura militar a tortura física era aplicada aos prisioneiros políticos, hoje o juiz Sérgio Moro utiliza tortura psicológica, travestida de prisão preventiva, para obter as delações que lhe interessam. O método foi proposto por ele há mais de uma década.

Também o parlamentarismo hoje aventado pela oposição tem seu paralelo. Em 1961, impuseram-no a João Goulart. Foi rejeitado pelo povo já em 1963, em plebiscito. Em 1993, foi novamente rejeitado pelo povo, em outro plebiscito. No ano seguinte, propuseram emenda à Constituição para que a voz do povo não seja ouvida. Mesmo que não consigam alterar formalmente o sistema de governo, a votação do impeachment na Câmara dos Deputados teve exatamente o caráter de um voto de desconfiança no parlamentarismo: abreviar um governo porque perdeu a maioria no Congresso Nacional. As justificativas dos deputados falam por si.

Outro paralelo importante é o do “mal necessário”. Em 1964, o golpe militar era visto como um “mal necessário”, e a ditadura seria “breve”, apenas para “limpar o país”, “eliminar a corrupção”, “superar a crise econômica” e “devolver o poder aos civis” na eleição seguinte, que deveria ocorrer em 1965. A ditadura, muito mal necessária, durou 21 anos. Hoje, Cunha e Temer são o “mal necessário”, ou até o “malvado favorito”. Temer, na visão do PSDB e do DEM, derrotados em 2014, entregaria o poder a eles em 2018. Ledo engano. Quem traiu a presidente democraticamente eleita não será fiel aos que foram democraticamente derrotados.

Os pretextos utilizados

Além do mais, os pretextos que utilizam agora não passam disso: pretexto. Alguns tentam inclusive expandir a investigação para além do mandato atual ou dizem que “ela deveria saber” do que acontecia na Petrobras — e nenhuma auditoria havia constatado: a auditoria interna, a auditoria independente (por uma empresa privada americana), o controle interno governamental e o controle externo pelo Tribunal de Contas da União: ninguém conseguiu detectar o sobrepreço praticado pelas empreiteiras. Tentam imputar isso a Dilma pela temeridade das outras acusações.

Aquilo que foi acolhido pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, depende de criminalizar uma atitude prevista na lei orçamentária, que é a abertura de créditos suplementares. Ou então, de criminalizar atrasos de pagamento, como aqueles realizados todos os dias por governadores e prefeitos. Em nenhum caso se cogita aplicar o mesmo critério. É casuísmo. É antidemocrático. É uma afronta ao Estado de direito.

O conteúdo dos acontecimentos: porque é golpe

No fim das contas, tudo isso são desculpas para fins escusos. Derrotados nas urnas pela quarta vez em 2014, setores da política e da sociedade não se conformaram jamais com o resultado da eleição. Voltando à história política, o que vemos é o vice-presidente da República, Michel Temer, eleito em chapa com Dilma Rousseff, traindo a titular da presidência e aliando-se aos derrotados de 2014 para se apossar da cadeira presidencial, fazendo ascender ao poder político os derrotados da eleição. Isso é golpe.

Do ponto de vista da história social, são setores do grande empresariado, que figuram entre os maiores beneficiados pela política econômica dos governos petistas, investindo contra um partido e um governo que impediram que o prejuízo da crise recaísse totalmente sobre os trabalhadores. Na bonança, era melhor aliar-se ao mandatário da vez. Na crise, surge a oportunidade de tomar o poder nas suas próprias mãos. Para isso, aliam-se à classe média, sempre tão temerosa da ascensão econômica dos pobres e suscetível a discursos moralistas (mesmo que esses discursos só sejam válidos para os outros, e a corrupção esteja sempre presente no seu próprio dia a dia).

Michel Temer, Renan Calheiros e Aécio Neves
O presidente do Senado, senador Renan Calheiros, recebe o vice-presidente da República, Michel Temer e o senador Aécio Neves (Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)

Tudo isso está cristalizado na foto de anteontem, com Michel Temer e Aécio Neves sentados juntos para discutir o impeachment com Renan Calheiros. Oficialmente, o presidente do Senado se encontraria separadamente com cada um — era o que estava em sua agenda pública. Mas, parece que o encontro de Michel Temer vazou…

E a Igreja nessa história?

Cabe aos bispos orientar os fiéis, e cabe aos leigos atuar na história. A CNBB, mesmo evitando a partidarização, tem repetidamente se manifestado preocupada com possíveis rompimentos da democracia e com possíveis revezes contra o povo mais sofrido. Diante do exposto, não é difícil saber o que isso significa. O bispo de Crateús interpretou magistralmente esse ensinamento (e com a autoridade que o Espírito Santo lhe confere). Ofereço meu conhecimento e minha análise de historiador para que cada um forme sua consciência com o auxílio de Deus e de sua Igreja.

Dossiê: Igreja Católica firme pela democracia

Esse dossiê foi publicado originalmente no Visão Católica. O momento vivido pelo Brasil hoje exige que os católicos conheçam a orientação da Igreja, governada pelos bispos conforme a determinação divina — são os bispos que devem nos guiar, como pastores do rebanho divino, rumo ao céu, e que recebem o especial auxílio divino para guardar íntegro o depósito da fé. Se não ouvimos os bispos, como ouviremos a Palavra de Deus?

Mesmo que alguém divirja do pensamento geral do episcopado brasileiro, expresso pela CNBB e explicado pelas autoridades aqui citadas, peço gentilmente que mantenha o respeito e procure, no silêncio do coração, compreender as razões de nossos pastores. O papel dos bispos não é agradar os fiéis, mas guiá-los especialmente nos momentos de maior tensão e dificuldade. O papel dos fiéis é serem dóceis ao ensinamento daqueles que Deus ordenou para guiar a Igreja.

Dossiê: Igreja Católica firme pela democracia

Chama a atenção o posicionamento firme da Igreja Católica e de seus bispos e organismos em favor da democracia e contra o golpe cívico-jurídico-legislativo em curso no país. Antes de continuar, sendo este um portal de notícias, cabe esclarecer os termos utilizados: depor um governante por crime de responsabilidade e manter a política escolhida nas urnas é impeachment, mas depor um governante, por qualquer motivo, e mudar a política é golpe.

Primeiro foi a nota da CNBB sobre o momento atual do Brasil, do dia 12 de março:

Conclamamos a todos que zelem pela paz em suas atividades e em seus pronunciamentos. Cada pessoa é convocada a buscar soluções para as dificuldades que enfrentamos. Somos chamados ao diálogo para construir um país justo e fraterno.

No dia 17, a Caritas e quatro pastorais nacionais lançaram manifesto em defesa da democracia – o que foi notícia até mesmo na Rádio Vaticano. Em vídeo sem data, o bispo de Crateús (CE), dom Ailton Menegussi, explica didaticamente o significado dos acontecimentos políticos, criticando os que tentam derrubar o atual governo – não se preocupam com os pobres, mas com a tomada do poder que não conquistaram nas urnas. Ontem (23), o bispo emérito de Jales, dom Luiz Demétrio Valentini, denuncia a tentativa de “deslegitimar o poder conferido pelas eleições” e “banir de vez [determinados atores e organizações partidárias] do cenário político nacional”. Dom Luiz exorta:

Em vez deste impeachment sem fundamento legal e sem justificativa, que nos unamos todos em torno das providências urgentes para que o Brasil supere este momento de crise, e reencontre o caminho da verdadeira justiça e da paz social.

Esse posicionamento firme da Igreja, por parte especialmente de seus bispos – incumbidos de governá-la, de apascentar o rebanho de Deus rumo ao aprisco celeste e de manter íntegro o depósito da fé – vem recebendo críticas dos que são favoráveis à deposição de Dilma Rousseff. Mas, como disse o servo de Deus dom Hélder Câmara: “Claro que dirão, Mariama, que é política, que é subversão. É Evangelho de Cristo, Mariama.”

Veja a íntegra dos documentos:

Nota da CNBB sobre o momento atual do Brasil

O fruto da justiça é semeado na paz, para aqueles que promovem a paz” (Tg 3,18)

Nós, bispos do Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil–CNBB, reunidos em Brasília-DF, nos dias 8 a 10 de março de 2016, manifestamos preocupações diante do grave momento pelo qual passa o país e, por isso, queremos dizer uma palavra de discernimento. Como afirma o Papa Francisco, “ninguém pode exigir de nós que releguemos a religião a uma intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional, sem nos preocupar com a saúde das instituições da sociedade civil, sem nos pronunciar sobre os acontecimentos que interessam aos cidadãos” (EG, 183).

Vivemos uma profunda crise política, econômica e institucional que tem como pano de fundo a ausência de referenciais éticos e morais, pilares para a vida e organização de toda a sociedade. A busca de respostas pede discernimento, com serenidade e responsabilidade. Importante se faz reafirmar que qualquer solução que atenda à lógica do mercado e aos interesses partidários antes que às necessidades do povo, especialmente dos mais pobres, nega a ética e se desvia do caminho da justiça.

A superação da crise passa pela recusa sistemática de toda e qualquer corrupção, pelo incremento do desenvolvimento sustentável e pelo diálogo que resulte num compromisso entre os responsáveis pela administração dos poderes do Estado e a sociedade. É inadmissível alimentar a crise econômica com a atual crise política. O Congresso Nacional e os partidos políticos têm o dever ético de favorecer e fortificar a governabilidade.

As suspeitas de corrupção devem ser rigorosamente apuradas e julgadas pelas instâncias competentes. Isso garante a transparência e retoma o clima de credibilidade nacional. Reconhecemos a importância das investigações e seus desdobramentos. Também as instituições formadoras de opinião da sociedade têm papel importante na retomada do desenvolvimento, da justiça e da paz social.

O momento atual não é de acirrar ânimos. A situação exige o exercício do diálogo à exaustão. As manifestações populares são um direito democrático que deve ser assegurado a todos pelo Estado. Devem ser pacíficas, com o respeito às pessoas e instituições. É fundamental garantir o Estado democrático de direito.

Conclamamos a todos que zelem pela paz em suas atividades e em seus pronunciamentos. Cada pessoa é convocada a buscar soluções para as dificuldades que enfrentamos. Somos chamados ao diálogo para construir um país justo e fraterno.

Inspirem-nos, nesta hora, as palavras do Apóstolo Paulo: “trabalhai no vosso aperfeiçoamento, encorajai-vos, tende o mesmo sentir e pensar, vivei em paz, e o Deus do amor e da paz estará convosco” (2 Cor 13,11).

Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, continue intercedendo pela nossa nação!

Brasília, 10 de março de 2016.

 

Dom Sergio da Rocha Dom Murilo S. R. Krieger

Arcebispo de Brasília-DF Arcebispo de S. Salvador da Bahia-BA

Presidente da CNBB Vice-Presidente da CNBB

Dom Leonardo Ulrich Steiner

Bispo Auxiliar de Brasília-DF

Secretário-Geral da CNBB

Carta Aberta em Defesa da Democracia

“Assim também vós: por fora pareceis justos aos olhos dos homens, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniquidade” (Mt 23,28)

Neste momento em que vivenciamos a ameaça de golpe sobre a democracia brasileira, não podemos permitir que as conquistas democráticas e que os direitos civis, políticos e sociais sejam mais uma vez afrontados pela força da intolerância, do conservadorismo e da violência, física e/ou institucional.

O golpe civil militar de 1964 imprimiu na sociedade brasileira um quadro de pavor e sofrimento àqueles que lutavam por direitos e liberdades e a todo o povo brasileiro. Prisões arbitrárias, tortura e morte de lideranças populares, estudantes, sindicalistas, intelectuais, artistas e religiosos davam a tônica do estado de exceção que então se instalava.

Na nossa ainda jovem democracia, estamos presenciando o mesmo discurso de embate à corrupção propagado pelos meios de comunicação às vésperas do golpe de 1964. Mais uma vez a sociedade brasileira corre o risco de vivenciar o mesmo cenário de horror e pânico. As últimas ações de setores conservadores, incluindo os meios de comunicação, repercutem nas ruas e geram um clima de instabilidade, violência e medo.

Diante do risco de aprofundamento dessa situação e da quebra da ordem constitucional e social, a Cáritas Brasileira, a Comissão Pastoral da Terra – CPT, o Conselho Indigenista Missionário – CIMI, o Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP e o Serviço Pastoral dos Migrantes – SPM vêm a público manifestar preocupações com a grave crise. Queremos que todos os fatos sejam apurados e que seja garantida a equidade de tratamento a todos os denunciados nas investigações em curso no país, respeitando-se o ordenamento jurídico brasileiro.

Tememos que os direitos constitucionais dos jovens, das mulheres, dos sem-teto, das comunidades tradicionais, dos povos indígenas, dos quilombolas e dos camponeses, especialmente aos seus territórios, sejam ainda mais violentamente negados.

Reafirmamos nosso compromisso com o combate à corrupção, resguardando que esse processo não represente retrocessos nas conquistas dos direitos historicamente conquistados pelo povo brasileiro.

Brasília, 17 de março de 2016

Cáritas Brasileira
Comissão Pastoral da Terra – CPT
Conselho Indigenistsa Missionário – CMI
Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP
Serviço Pastoral dos Migrantes – SPM

Fala do bispo de Crateús, dom Ailton Menegussi

Sobre esse momento de crise política do Brasil, podem todos saber que o episcopado brasileiro é composto de quase 500 bispos. Vocês não vão pensar que 500 bispos pensem igualzinho ao outro. Mas, como CNBB, duas coisas posso dizer a vocês.

É claro que nenhum bispo concorda com corrupção, e nós apoiamos que as investigações sejam feitas, queremos que as denúncias sejam apuradas e que, uma vez provadas, e não antes de serem provadas — escutem bem isto: o que está acontecendo no Brasil é que já estão tratando de “criminosos” antes de se provar as coisas —, uma vez provadas, que se punam os culpados. Agora, os culpados não são desse partido ou daquele só não, não sejamos bobos: tem corrupto em tudo que é partido, e a corrupção não foi inventada de quinze anos pra cá. Não sejamos inocentes. O que está acontecendo é que agora se está permitindo que as coisas apareçam. Isso é bom, não é ruim. Esse é o primeiro pensamento da CNBB.

Segundo, nós não aceitamos que partido político nenhum aproveite essa crise para dar golpe no país. Não é hora de virar: “vamos aproveitar agora para tirar essa turma do poder, porque nós queremos voltar”. Nós não estamos interessados de trocar governo, simplesmente: nós queremos que o país seja respeitado. Que os cidadãos brasileiros sejam respeitados, é isto que quer a CNBB. Nós não vamos simplesmente apoiar troca de governos, de pessoas interesseiras, que estão apenas querendo se apossar, porque são carreiristas. Não vamos acreditar que — muito desse barulho aí — estejam preocupados conosco, não. Tem muita gente lá posando de santinho, mas que nunca pensou em pobre e não pensa em pobre. Tão fazendo discurso bonito porque querem o poder. E com isso a CNBB não concorda.

Democracia posta à prova

Dom Luiz Demétrio Valentini
Bispo Emérito de Jales

Estamos na iminência de uma ruptura constitucional. Em momentos assim, se faz necessário um apelo à consciência democrática, e uma advertência dos riscos de uma decisão política profundamente equivocada.

Falando claro e sem rodeios: com a tentativa de impeachment da Presidente Dilma, procura-se revestir de legalidade uma iniciativa política com a evidente intenção de destituir do poder quem foi legitimamente a ele conduzido pelo voto popular.

Isto fere o âmago do sistema democrático, que tem como pressuposto básico o respeito aos resultados eleitorais.

É preciso desmascarar a trama que foi sendo urdida, para criar artificialmente um pretenso consenso popular, para servir de respaldo aos objetivos que se pretende alcançar.

É notável que desde as últimas eleições presidenciais, os derrotados não aceitaram o resultado das urnas, e traduziram seu descontentamento em persistentes iniciativas de deslegitimar o poder conferido pelas eleições.

Outra evidência é a contínua e sistemática obstrução das iniciativas governamentais, praticada especialmente por membros do Congresso Nacional, com o evidente intuito de inviabilizar o governo, e aplainar o caminho para o golpe de misericórdia contra ele.

Está em andamento um verdadeiro linchamento político, conduzido sutilmente por poderosos meios de comunicação, contra determinados atores e organizações partidárias, que são continuamente alvo de acusações persistentes e generalizadas, e que se pretende banir de vez do cenário político nacional.

Causa preocupação a atuação de membros do Poder Judiciário, incluindo componentes da Suprema Corte, que deixam dúvidas sobre as reais motivações de suas decisões jurídicas, levando-nos a perguntar se são pautadas pelo zelo em preservar a Constituição e fazer a justiça, ou se servem de instrumento para a sua promoção pessoal ou para a vazão de seus preconceitos.

Em meio a esta situação limite, cabe ao povo ficar atento, para não ser ludibriado.

Mas cabe ao Judiciário a completa isenção de ânimo para garantir o estrito cumprimento da Constituição.

E cabe ao Congresso Nacional terminar com sua sistemática obstrução das iniciativas governamentais, e colaborar com seu apoio e suas sugestões em vista do bem comum, e não de interesses pessoais ou partidários.

Em vez deste impeachment sem fundamento legal e sem justificativa, que nos unamos todos em torno das providências urgentes para que o Brasil supere este momento de crise, e reencontre o caminho da verdadeira justiça e da paz social.

CNBB é contra o golpe: bispo de Crateús explica o porquê

Num momento de ânimos acirrados na sociedade brasileira, a palavra serena e coerente de um bispo pode fazer a diferença. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil já emitiu várias notas pedindo paz e governabilidade para o país, a mais recente publicada aqui no Caritas in Veritate. Mas, muitos insistem em não compreender, como se vê pelos comentários. Confira, então, as palavras do bispo de Crateús (CE), dom Ailton Menegussi:

Sobre esse momento de crise política do Brasil, podem todos saber que o episcopado brasileiro é composto de quase 500 bispos. Vocês não vão pensar que 500 bispos pensem igualzinho ao outro. Mas, como CNBB, duas coisas posso dizer a vocês.

Leia também “Fala historiador: é golpe”

É claro que nenhum bispo concorda com corrupção, e nós apoiamos que as investigações sejam feitas, queremos que as denúncias sejam apuradas e que, uma vez provadas, e não antes de serem provadas — escutem bem isto: o que está acontecendo no Brasil é que já estão tratando de “criminosos” antes de se provar as coisas —, uma vez provadas, que se punam os culpados. Agora, os culpados não são desse partido ou daquele só não, não sejamos bobos: tem corrupto em tudo que é partido, e a corrupção não foi inventada de quinze anos pra cá. Não sejamos inocentes. O que está acontecendo é que agora se está permitindo que as coisas apareçam. Isso é bom, não é ruim. Esse é o primeiro pensamento da CNBB.

Segundo, nós não aceitamos que partido político nenhum aproveite essa crise para dar golpe no país. Não é hora de virar: “vamos aproveitar agora para tirar essa turma do poder, porque nós queremos voltar”. Nós não estamos interessados de trocar governo, simplesmente: nós queremos que o país seja respeitado. Que os cidadãos brasileiros sejam respeitados, é isto que quer a CNBB. Nós não vamos simplesmente apoiar troca de governos, de pessoas interesseiras, que estão apenas querendo se apossar, porque são carreiristas. Não vamos acreditar que — muito desse barulho aí — estejam preocupados conosco, não. Tem muita gente lá posando de santinho, mas que nunca pensou em pobre e não pensa em pobre. Tão fazendo discurso bonito porque querem o poder. E com isso a CNBB não concorda.

O Evangelho da paz

Nesse momento que vive o Brasil, nada melhor do que a mensagem do apóstolo Paulo:

Ficai alerta, à cintura cingidos com a verdade, o corpo vestido com a couraça da justiça, e os pés calçados de prontidão para anunciar o Evangelho da paz.
Intensificai as vossas invocações e súplicas. Orai em toda circunstância, pelo Espírito, no qual perseverai em intensa vigília de súplica por todos os cristãos. (Ef 6,14-15.18)

CNBB pede paz e governabilidade

Sim, milhões de pessoas foram ontem às ruas, com muitas e variadas reivindicações, a favor e contra o governo. Algumas parcelas da população estão mais mobilizadas, outras, menos. Algumas tocam músicas militares e hostilizam todo e qualquer político, outras defendem determinadas soluções para a crise. Mas, o momento não é de acirrar os ânimos e propagar o ódio, e sim de procurar uma saída que contemple, acima de qualquer interesse partidário, as necessidades dos mais pobres, e que se construa com diálogo em busca do desenvolvimento, da justiça e da paz social. Essa é a tônica da nota divulgada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil no último dia 10. Muito similar a outra, de dezembro.

Infelizmente, parece que mesmo muitos católicos não têm ouvido aqueles que Deus constituiu para governar a Igreja, guardar o depósito da fé e conduzir o povo fiel. Os relatos são de que a manifestação contra o governo em Brasília começou com uma oração e prosseguiu com músicas militares e coreografias — parecendo até um “fascismo do século XXI”, pois eram os fascistas que buscavam angariar apoio com tais demonstrações massivas militaristas e organizadas. Já em São Paulo, a polícia militar compareceu para “averiguar” uma assembléia de trabalhadores a favor de Lula e do governo federal em São Bernardo do Campo. Esses foram apenas alguns dos preocupantes episódios que têm ocorrido em todo o país.

Isso tudo acontece como resultado de uma paulatina escalada da tensão política, através de processos judiciais e midiáticos. Seu atual momento começou com uma entrevista do promotor público Cassio Conserino à revista Veja, em janeiro (na qual antecipou que denunciaria Lula, antes mesmo de ouvir a defesa). Depois, o impasse quanto ao depoimento que esse mesmo promotor tentou obrigar Lula a prestar, no que foi impedido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Em seguida, um contestabilíssima condução coercitiva de Lula pela Polícia Federal, a mando do juiz Sérgio Moro — que conduz de maneira igualmente contestável os inquéritos da operação Lava Jato. Essa condução coercitiva teve como pretexto evitar a violência política, mas foi justamente esse o resultado dela. Parece que as próprias manifestações contra o governo são parte de uma tentativa de influenciar a composição do comissão do processo de impeachment, cuja eleição foi programada justamente para a próxima quinta-feira.

Importante se faz reafirmar que qualquer solução que atenda à lógica do mercado e aos interesses partidários antes que às necessidades do povo, especialmente dos mais pobres, nega a ética e se desvia do caminho da justiça. (CNBB)

Pobre o país que não ouve seus bispos!

Eis a íntegra da nota da CNBB:

NOTA DA CNBB SOBRE O MOMENTO ATUAL DO BRASIL

“O fruto da justiça é semeado na paz, para aqueles que promovem a paz” (Tg 3,18)

Nós, bispos do Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil–CNBB, reunidos em Brasília-DF, nos dias 8 a 10 de março de 2016, manifestamos preocupações diante do grave momento pelo qual passa o país e, por isso, queremos dizer uma palavra de discernimento. Como afirma o Papa Francisco, “ninguém pode exigir de nós que releguemos a religião a uma intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional, sem nos preocupar com a saúde das instituições da sociedade civil, sem nos pronunciar sobre os acontecimentos que interessam aos cidadãos” (EG, 183).

Vivemos uma profunda crise política, econômica e institucional que tem como pano de fundo a ausência de referenciais éticos e morais, pilares para a vida e organização de toda a sociedade. A busca de respostas pede discernimento, com serenidade e responsabilidade. Importante se faz reafirmar que qualquer solução que atenda à lógica do mercado e aos interesses partidários antes que às necessidades do povo, especialmente dos mais pobres, nega a ética e se desvia do caminho da justiça.

A superação da crise passa pela recusa sistemática de toda e qualquer corrupção, pelo incremento do desenvolvimento sustentável e pelo diálogo que resulte num compromisso entre os responsáveis pela administração dos poderes do Estado e a sociedade. É inadmissível alimentar a crise econômica com a atual crise política. O Congresso Nacional e os partidos políticos têm o dever ético de favorecer e fortificar a governabilidade.

As suspeitas de corrupção devem ser rigorosamente apuradas e julgadas pelas instâncias competentes. Isso garante a transparência e retoma o clima de credibilidade nacional. Reconhecemos a importância das investigações e seus desdobramentos. Também as instituições formadoras de opinião da sociedade têm papel importante na retomada do desenvolvimento, da justiça e da paz social.

O momento atual não é de acirrar ânimos. A situação exige o exercício do diálogo à exaustão. As manifestações populares são um direito democrático que deve ser assegurado a todos pelo Estado. Devem ser pacíficas, com o respeito às pessoas e instituições. É fundamental garantir o Estado democrático de direito.

Conclamamos a todos que zelem pela paz em suas atividades e em seus pronunciamentos. Cada pessoa é convocada a buscar soluções para as dificuldades que enfrentamos. Somos chamados ao diálogo para construir um país justo e fraterno.

Inspirem-nos, nesta hora, as palavras do Apóstolo Paulo: “trabalhai no vosso aperfeiçoamento, encorajai-vos, tende o mesmo sentir e pensar, vivei em paz, e o Deus do amor e da paz estará convosco” (2 Cor 13,11).

Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, continue intercedendo pela nossa nação!

Brasília, 10 de março de 2016.

Dom Sergio da Rocha                              Dom Murilo S. R. Krieger

    Arcebispo de Brasília-DF                     Arcebispo de S. Salvador da Bahia-BA

   Presidente da CNBB                         Vice-Presidente da CNBB

      Dom Leonardo Ulrich Steiner

         Bispo Auxiliar de Brasília-DF

          Secretário-Geral da CNBB

O liberalismo é contra a Igreja. Por quê?

Embed from Getty Images O liberalismo é intrinsecamente contrário à Igreja. Na imagem, uma pessoa sendo decapitada durante a Revolução Francesa (c. 1793).

O liberalismo, ainda que muitos não saibam, é contra a Igreja. Porque a Igreja representa uma ordem imutável e clara. Junto com a Igreja vem o direito natural e a Revelação. Portanto, obrigações de fazer ou deixar de fazer, em público e em privado, fundadas não na razão humana, mas na ordem divina. Os liberais se opõem a tudo o que seja obrigação e não tenha origem na razão – dizem ser contrário à “liberdade”. O liberalismo, aliás, surgiu na época das “luzes”, no século XVIII, e fundamentou a Revolução Francesa e os regimes liberais do século XIX e início do XX, que perseguiram a Igreja por esses mesmos motivos. Portanto, é preciso tomar cuidado antes de aprovar políticas ou votar em partidos liberais, seja por questões morais ou econômicas, que não se podem separar.

Cardeal Odilo Scherer: bem comum e paz social

Cardeal Dom Odilo Pedro Scherer
Cardeal Dom Odilo Scherer

Há muita confusão política nos dias atuais. Alguém, por acaso, é a favor da corrupção? Que propostas existem contra a corrupção? O que foi demonstrado nas manifestações de sexta-feira e domingo passados? A serenidade recomendada pelo cardeal Odilo Pedro Scherer, arcebispo de São Paulo, nos é muito proveitosa. Ele faz muito bem em recordar que, na sociedade, todos têm direitos e deveres, é que sempre é necessário promover o bem comum, especialmente dos “membros mais frágeis do corpo social”. Chamo a atenção para algumas frases do artigo reproduzido em seguida:

“O bem comum está sempre relacionado com a pessoa humana e sua dignidade inviolável; nesse sentido, faz parte do bem comum tudo o que é necessário para assegurar a vida digna da pessoa humana: alimento, moradia, trabalho, educação, saúde, segurança, a justa liberdade para fazer escolhas, o direito à boa reputação, a conveniente informação… Para ser integral, o bom comum sempre se refere às necessidades do corpo e do espírito humano.”

“A noção de bem comum, adotada como princípio orientador da vida política, social e econômica, é oposta ao modelo de Estado liberal e de sociedade individualista.”

“[…] é dever das Autoridades Públicas dispor os bens e serviços do Estado segundo critérios de justiça e equidade, para que todos tenham acesso a eles; o Estado não pode estar apenas a serviço de categorias privilegiadas, nem deixar-se instrumentalizar por elas para assegurar privilégios de modo unilateral e individualista, quando não desonesto. O bem comum está relacionado estreitamente com a prática da solidariedade.”

“Olhando o cenário brasileiro atual, tem-se a impressão que seria preciso recuperar o princípio ético do bem comum na busca de soluções para os problemas crônicos que afligem o País. A corrupção e o desvio de recursos públicos denotam falta de senso ético e são contrários ao bem comum; da mesma forma, também o são a afirmação obsessiva de direitos individuais, por vezes mais supostos que reais, e a insensibilidade diante da condição ainda sofrível de grande parte da população brasileira. A perda do referencial do bem comum leva à afirmação de comportamentos sociais, políticos e econômicos sempre mais individualistas e tende ao triunfo da lei do mais forte: isso seria um retrocesso civilizatório.”

Leia a íntegra do artigo do cardeal Odilo Scherer:

Bem comum e paz social

Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo (SP)

Vivemos dias de apreensão e de humores alterados. Fatos graves de corrupção na administração dos bens do Estado, junto com certa crise econômica e política, levam a vários tipos de manifestações na opinião pública e nas organizações sociais. O Brasil está novamente com os nervos à flor da pele…

Certa vez, ouvi de um bispo bem experiente e já idoso esta observação: quando, ao meu redor, todos se agitam e pedem pressa, fico ainda mais calmo e me ponho a discernir bem sobre o que está acontecendo; só depois tomo decisões”. Parece um conselho interessante para motivar uma reflexão sobre um dos principais fundamentos da sociedade organizada e do Estado: o princípio do bem comum. A Doutrina Social da Igreja, desde Leão XIII, na segunda metade do século XIX, tem repetido constantemente que a busca do bem comum é a razão de ser da sociedade organizada e do Estado.

O que se entende por “bem comum”? Partindo dos ensinamentos do papa João XXIII, na encíclica Mater et Magistra (1961), o Concílio Vaticano II (1965) definiu o bem comum como o conjunto das condições da vida social que permitem aos grupos e a cada um de seus membros alcançarem de maneira mais fácil o desenvolvimento integral da pessoa humana e a realização dos legítimos objetivos dos grupos sociais (cf. Constituição pastoral Gaudium et Spes, 26).

O bem comum está sempre relacionado com a pessoa humana e sua dignidade inviolável; nesse sentido, faz parte do bem comum tudo o que é necessário para assegurar a vida digna da pessoa humana: alimento, moradia, trabalho, educação, saúde, segurança, a justa liberdade para fazer escolhas, o direito à boa reputação, a conveniente informação… Para ser integral, o bom comum sempre se refere às necessidades do corpo e do espírito humano.

A busca e a promoção do bem comum “constituem a própria razão de ser dos Poderes Públicos”, afirmava Leão XIII em 1891, na primeira grande encíclica social (cf. Rerum Novarum, nº 26). Esta convicção aparece continuamente nas palavras do magistério social da Igreja, até na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (2013), do Papa Francisco: “É obrigação do Estado cuidar da promoção do bem comum da sociedade” (nº 240). Aos Poderes Públicos cabe, portanto, ordenar de tal forma o funcionamento do Estado e das relações sociais, que o bem comum seja assegurado para a sociedade inteira. A ordem social, a vida política e o progresso econômico devem estar sempre subordinados ao bem das pessoas, e não o contrário.

A noção de bem comum, adotada como princípio orientador da vida política, social e econômica, é oposta ao modelo de Estado liberal e de sociedade individualista. O que é bom para todos tem precedência sobre o que poderia ser um bem apenas individual; mas o Estado e a sociedade não podem buscar o seu bem, passando por cima da dignidade da pessoa humana, que deve ser sempre respeitada.

É bem antiga a convicção de que a autoridade civil não deve servir apenas ao interesse de um grupo ou de poucos cidadãos, pois ela deve estar a serviço de todos” (Leão XIII, Encíclica Immortale Dei,1885,V). Contudo, na sua missão de promover o bem comum, os Poderes Públicos devem dar atenção especial aos membros mais frágeis do corpo social, por razões de justiça e equidade; se o Estado existe para promover o bem de todos, precisa servir, especialmente, aos membros mais frágeis do corpo social, sobretudo quando estes se encontram marginalizados e discriminados em relação aos demais membros da sociedade na afirmação de seus legítimos direitos e interesses (cf Leão XIII, Rerum Novarum,1891, nº 29).

Por aí, entende-se que o bem comum inclui direitos e deveres. A satisfação dos interesses particulares precisa ser harmonizada com o bem mais amplo. Mais uma vez, é dever das Autoridades Públicas dispor os bens e serviços do Estado segundo critérios de justiça e equidade, para que todos tenham acesso a eles; o Estado não pode estar apenas a serviço de categorias privilegiadas, nem deixar-se instrumentalizar por elas para assegurar privilégios de modo unilateral e individualista, quando não desonesto. O bem comum está relacionado estreitamente com a prática da solidariedade.

Até aos trabalhadores recomendou o papa João XXIII que todos os setores do mundo do trabalho devem ser sensíveis aos apelos do bem comum, conciliando seus legítimos direitos e interesses com os direitos e necessidades de outras categorias econômico-profissionais (cf encíclica Mater et Magistra, 1961, nº 155). E o papa Francisco lembrou recentemente a todos: “a dignidade da pessoa humana e o bem comum estão acima da tranqüilidade de alguns, que não querem renunciar a seus privilégios” (Evangelii Gaudium, 2013, nº 218).

Olhando o cenário brasileiro atual, tem-se a impressão que seria preciso recuperar o princípio ético do bem comum na busca de soluções para os problemas crônicos que afligem o País. A corrupção e o desvio de recursos públicos denotam falta de senso ético e são contrários ao bem comum; da mesma forma, também o são a afirmação obsessiva de direitos individuais, por vezes mais supostos que reais, e a insensibilidade diante da condição ainda sofrível de grande parte da população brasileira. A perda do referencial do bem comum leva à afirmação de comportamentos sociais, políticos e econômicos sempre mais individualistas e tende ao triunfo da lei do mais forte: isso seria um retrocesso civilizatório.

Bem alertou o papa Francisco, na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, que o bem comum e a paz social estão entrelaçados: uma paz social, que não seja fruto do desenvolvimento integral de todos, “não terá futuro e será sempre semente de novos conflitos e variadas formas de violência” (nº 219).

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo no dia 14 de março de 2015

CNBB: contra impeachment de Dilma

CNBBA Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou nota sobre a situação política atual. O texto afirma que “qualquer resposta […] que atenda ao mercado e aos interesses partidários antes que às necessidades do povo, especialmente dos mais pobres, nega a ética e desvia-se do caminho da justiça.” Durante a apresentação da nota, Dom Leonardo Steiner disse: “Existem regras para se entrar com um pedido inicial de impeachment. Creio que não chegamos a esse nível.”

Veja a íntegra da nota:

Nota da CNBB sobre a realidade atual do Brasil

“Pratica a justiça todos os dias de tua vida e não sigas os caminhos da iniquidade” (Tb 4, 5)

O Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, reunido em Brasília-DF, nos dias 10 a 12 de março de 2015, manifesta sua preocupação diante do delicado momento pelo qual passa o País. O escândalo da corrupção na Petrobras, as recentes medidas de ajuste fiscal adotadas pelo Governo, o aumento da inflação, a crise na relação entre os três Poderes da República e diversas manifestações de insatisfação da população são alguns sinais de uma situação crítica que, negada ou mal administrada, poderá enfraquecer o Estado Democrático de Direito, conquistado com muita luta e sofrimento.

Esta situação clama por medidas urgentes. Qualquer resposta, no entanto, que atenda ao mercado e aos interesses partidários antes que às necessidades do povo, especialmente dos mais pobres, nega a ética e desvia-se do caminho da justiça. Cobrar essa resposta é direito da população, desde que se preserve a ordem democrática e se respeitem as Instituições da comunidade política.

As denúncias de corrupção na gestão do patrimônio público exigem rigorosa apuração dos fatos e responsabilização, perante a lei, de corruptos e corruptores. Enquanto a moralidade pública for olhada com desprezo ou considerada empecilho à busca do poder e do dinheiro, estaremos longe de uma solução para a crise vivida no Brasil. A solução passa também pelo fim do fisiologismo político que alimenta a cobiça insaciável de agentes públicos, comprometidos sobretudo com interesses privados. Urge, ainda, uma reforma política que renove em suas entranhas o sistema em vigor e reoriente a política para sua missão originária de serviço ao bem comum.

Comuns em épocas de crise, as manifestações populares são um direito democrático que deve ser assegurado a todos pelo Estado. O que se espera é que sejam pacíficas. “Nada justifica a violência, a destruição do patrimônio público e privado, o desrespeito e a agressão a pessoas e Instituições, o cerceamento à liberdade de ir e vir, de pensar e agir diferente, que devem ser repudiados com veemência. Quando isso ocorre, negam-se os valores inerentes às manifestações, instalando-se uma incoerência corrosiva, que leva ao seu descrédito” (Nota da CNBB 2013).

Nesta hora delicada e exigente, a CNBB conclama as Instituições e a sociedade brasileira ao diálogo que supera os radicalismos e impede o ódio e a divisão. Na livre manifestação do pensamento, no respeito ao pluralismo e às legítimas diferenças, orientado pela verdade e a justiça, este momento poderá contribuir para a paz social e o fortalecimento das Instituições Democráticas.

Deus, que acompanha seu povo e o assiste em suas necessidades, abençoe o Brasil e dê a todos força e sabedoria para contribuir para a justiça e a paz. Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, interceda pelo povo brasileiro.
Brasília, 12 de março de 2015.

Dom Raymundo Cardeal Damasceno Assis
Arcebispo de Aparecida – SP
Presidente da CNBB

Dom José Belisário da Silva, OFM
Arcebispo de São Luis do Maranhão – MA
Vice Presidente da CNBB

Dom Leonardo Ulrich Steiner, OFM
Bispo Auxiliar de Brasília
Secretário Geral da CNBB