Todos os posts de Leandro Arndt

Editor de Visão Católica. Historiador formado pela UFPR, ex-aluno do Curso Superior de Teologia da Arquidiocese de Brasília (curso livre). Mantém também o site http://www.caritasinveritate.teo.br/

Moçambique: oposição chantageia com armas pela aprovação de projeto de lei

A Renamo (Resistência Nacional Moçambicana) ameaçou com ataques militares caso o projeto de lei de autonomia regional não seja aprovado. Contudo, Lourenço do Rosário, mediador entre o governo e a antiga guerrilha anticomunista, disse que o projeto é “fraco e não defensável”, segundo informações da Rádio Vaticana. O presidente de Moçambique, Filipe Jacinto Nyusi, lamenta que a Renamo e seu líder, Afonso Dlhakama, desrespeitem os consensos já alcançados com base no diálogo entre governo e oposição.

A Renamo e a Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique, de orientação socialista até os anos 1980) lutaram uma contra a outra durante a guerra civil de Moçambique, de 1975 a 1992, de modo semelhante ao que aconteceu em Angola. A guerra terminou com os acordos de paz assinados em Roma, com a mediação da Comunidade de Santo Egídio, do bispo D. Jaime Gonçalves e do governo italiano. Em 2012, a Renamo acusou o governo moçambicano da Frelimo de quebrar os termos do acordo, ao que se seguiu novo acordo de paz em 2014. A Voice of america considerou que o novo acordo demonstrava o poder da negociação quando lideranças políticas estão comprometidas com o diálogo.

(Foto em destaque: Afonso Dlhakama [Renamo] e Armando Guebuza [Frelimo], então presidente de Moçambique, assinam novos acordos de paz em 2014 — Voice of America)

CNBB lança nota sobre o momento vivido pelo país

Ao final de sua 53.ª Assembléia Geral, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil lançou nota onde denuncia o risco à ordem democrática vigente desde a Constituição Cidadã de 1988 e insta os três poderes a trabalharem em espírito de diálogo para a promoção do bem comum.

Os principais aspectos abordados pelos bispos:

  • Obras na Amazônia afrontam a população, por não ouvi-la, e por favorecer o desmatamento e a degradação ambiental.
  • Deputados discutem terceirização (Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados)
    Deputados discutem terceirização antes de aprovar redação final do PL 4.330/2004. (Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados)

    A lei da terceirização “não pode, em hipótese alguma, restringir os direitos dos trabalhadores. É inadmissível que a preservação dos direitos sociais venha a ser sacrificada para justificar a superação da crise.”

  • A corrupção é pecado grave que brada aos céus, e está presente tanto no Estado quanto na sociedade civil. Punir corruptos e corruptores é dever do Estado. Deve-se recuperar cultura que prime pelos valores da honestidade e retidão.
  • A credibilidade política não pode ser recuperada com aprovação de leis que retirem direitos dos mais vulneráveis. Lamentam que no Congresso se formem bancadas que se opõem aos direitos e conquistas sociais dos mais pobres.
  • A Igreja no Brasil se opõe à proposta de emenda à Constituição 215/2000, que torna atribuição do Congresso Nacional a demarcação de terras indígenas e a ratificação das já existentes (hoje a competência é do governo federal).
  • Cartaz
    Cartaz da Pastoral da Juventude da CNBB contra a redução da maioridade penal.

    A redução da maioridade penal “não é solução para a violência que grassa no Brasil e reforça a política de encarceramento num país que já tem a quarta população carcerária do mundo. Investir em educação de qualidade e em políticas públicas para a juventude e para a família é meio eficaz para preservar os adolescentes da delinquência e da violência.” O erro da aprovação da PEC 171/1993 na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados (CCJC) “é um equívoco que precisa ser desfeito”.

  • Em vez de reduzir a maioridade penal, o caminho é aplicar corretamente as sanções e as políticas públicas preconizadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). É preciso criar mecanismos para responsabilizar os gestores públicos que não aplicarem o ECA.
  • O Estatuto do Desarmamento deve ser preservado, a sensação de segurança conferida pelas armas é ilusão. O interesse econômico da indústria de armas não pode ser alimentado à custa de vidas humanas.
  • A Reforma Política Democrática, subscrita pela CNBB, é caminho para resolver muitos desses problemas.

Vê-se, portanto, ênfase na proteção dos direitos dos menos favorecidos e a oposição à ampliação da terceirização. Os direitos dos indígenas e a promoção da ética são pontos diretamente abordados pelo documento. A redução da maioridade penal, já aprovada pela CCJC, “é um equívoco que precisa ser desfeito”, o caminho é aplicar corretamente o Estatuto da Criança e do Adolescente. O Estatuto do Desarmamento deve ser preservado, e a reforma política é caminho para solucionar muitos dos problemas vividos pelo Brasil.

Leia na íntegra o que disseram os bispos:

“Entre vós não deve ser assim” (Mc 10,43).

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, reunida em sua 53ª Assembleia Geral, em Aparecida-SP, no período de 15 a 24 de abril de 2015, avaliou, com apreensão, a realidade brasileira, marcada pela profunda e prolongada crise que ameaça as conquistas, a partir da Constituição Cidadã de 1988, e coloca em risco a ordem democrática do País. Desta avaliação nasce nossa palavra de pastores convictos de que “ninguém pode exigir de nós que releguemos a religião para a intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional, sem nos preocupar com a saúde das instituições da sociedade civil, sem nos pronunciar sobre os acontecimentos que interessam aos cidadãos” (EG, 183).

O momento não é de acirrar ânimos, nem de assumir posições revanchistas ou de ódio que desconsiderem a política como defesa e promoção do bem comum. Os três poderes da República, com a autonomia que lhes é própria, têm o dever irrenunciável do diálogo aberto, franco, verdadeiro, na busca de uma solução que devolva aos brasileiros a certeza de superação da crise.

A retomada de crescimento do País, uma das condições para vencer a crise, precisa ser feita sem trazer prejuízo à população, aos trabalhadores e, principalmente, aos mais pobres. Projetos, como os que são implantados na Amazônia, afrontam sua população, por não ouvi-la e por favorecer o desmatamento e a degradação do meio ambiente.

A lei que permite a terceirização do trabalho, em tramitação no Congresso Nacional, não pode, em hipótese alguma, restringir os direitos dos trabalhadores. É inadmissível que a preservação dos direitos sociais venha a ser sacrificada para justificar a superação da crise.

A corrupção, praga da sociedade e pecado grave que brada aos céus (cf. Papa Francisco – O Rosto da Misericórdia, n. 19), está presente tanto em órgãos públicos quanto em instituições da sociedade. Combatê-la, de modo eficaz, com a consequente punição de corrompidos e corruptores, é dever do Estado. É imperativo recuperar uma cultura que prima pelos valores da honestidade e da retidão. Só assim se restaurará a justiça e se plantará, novamente, no coração do povo, a esperança de novos tempos, calcados na ética.

A credibilidade política, perdida por causa da corrupção e da prática interesseira com que grande parte dos políticos exerce seu mandato, não pode ser recuperada ao preço da aprovação de leis que retiram direitos dos mais vulneráveis. Lamentamos que no Congresso se formem bancadas que reforcem o corporativismo para defender interesses de segmentos que se opõem aos direitos e conquistas sociais já adquiridos pelos mais pobres.

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/2000, por exemplo, é uma afronta à luta histórica dos povos indígenas que até hoje não receberam reparação das injustiças que sofreram desde a colonização do Brasil. Se o prazo estabelecido pela Constituição de 1988 tivesse sido cumprido pelo Governo Federal, todas as terras indígenas já teriam sido reconhecidas, demarcadas e homologadas. E, assim, não estaríamos assistindo aos constantes conflitos e mortes de indígenas.

A PEC 171/1993, que propõe a redução da maioridade penal para 16 anos, já aprovada pela Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça da Câmara, também é um equívoco que precisa ser desfeito. A redução da maioridade penal não é solução para a violência que grassa no Brasil e reforça a política de encarceramento num país que já tem a quarta população carcerária do mundo. Investir em educação de qualidade e em políticas públicas para a juventude e para a família é meio eficaz para preservar os adolescentes da delinquência e da violência.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em vigor há 25 anos, responsabiliza o adolescente, a partir dos 12 anos, por qualquer ato contra a lei, aplicando-lhe as medidas socioeducativas. Não procede, portanto, a alegada impunidade para adolescentes infratores. Onde essas medidas são corretamente aplicadas, o índice de reincidência do adolescente infrator é muito baixo. Ao invés de aprovarem a redução da maioridade penal, os parlamentares deveriam criar mecanismos que responsabilizem os gestores por não aparelharem seu governo para a correta aplicação das medidas socioeducativas.

O Projeto de Lei 3722/2012, que altera o Estatuto do Desarmamento, é outra matéria que vai na contramão da segurança e do combate à violência. A arma dá a falsa sensação de segurança e de proteção. Não podemos cair na ilusão de que, facilitando o acesso da população à posse de armas, combateremos a violência. A indústria das armas está a serviço de um vigoroso poder econômico que não pode ser alimentado à custa da vida das pessoas. Dizer não a esse poder econômico é dever ético dos responsáveis pela preservação do Estatuto do Desarmamento.

Muitas destas e de outras matérias que incidem diretamente na vida do povo têm, entre seus caminhos de solução, uma Reforma Política que atinja as entranhas do sistema político brasileiro. Apartidária, a proposta da Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, da qual a CNBB é signatária, se coloca nessa direção.

Urge, além disso, resgatar a ética pública que diz respeito “à responsabilização do cidadão, dos grupos ou instituições da sociedade pelo bem comum” (CNBB – Doc. 50, n. 129). Para tanto, “como pastores, reafirmamos ‘Cristo, medida de nossa conduta moral’ e sentido pleno de nossa vida” (Doc. 50 da CNBB, Anexo – p. 30).

Que o povo brasileiro, neste Ano da Paz e sob a proteção de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, supere esse momento difícil e persevere no caminho da justiça e da paz.

Aparecida, 21 de abril de 2015.

Cardeal Raymundo Damasceno Assis
Arcebispo de Aparecida
Presidente da CNBB

Dom José Belisário da Silva, OFM
Arcebispo de São Luís do Maranhão
Vice Presidente da CNBB

Dom Leonardo Ulrich Steiner
Bispo auxiliar de Brasília
Secretário-Geral da CNBB

(Foto em destaque: Coletiva de imprensa no início dos trabalhos da 53.ª Assembléia Geral da CNBB — da própria CNBB)

Cáritas pede ajuda para vítimas do tornado em SC

Cáritas pede ajuda para socorrer vítimas de tornado em Xanxerê (SC). Imagem: Cáritas brasileira.
Cáritas pede ajuda para socorrer vítimas de tornado em Xanxerê (SC). Imagem: Cáritas brasileira.

A Cáritas brasileira pede ajuda para socorrer as vítimas do tornado da última segunda-feira (20) em Xanxerê, Santa Catarina. Mais de 10 mil pessoas e 3.944 imóveis foram atingidos pelo fenômeno, que teve ventos entre 100Km/h e 300Km/h (categoria F2 ou F3).

O governo federal mobilizou 100 militares para auxiliar na remoção dos escombros, liberou o FGTS para as pessoas atingidas e antecipou o pagamento dos benefícios previdenciários. Também o governo estadual e a prefeitura de Jaraguá do Sul estão ajudando com o trabalho da defesa civil, dos bombeiros e da doação de lonas, colchões e cestas básicas.

Devido ao tornado, mais de 300 pessoas receberam atendimento médico, sendo que 100 ficaram feridas, das quais 3 tiveram membros amputados. Duas pessoas morreram.

Câmara amplia ainda mais a terceirização

A Câmara dos Deputados aprovou ontem a noite a redação final do PL 4330/2004, que amplia a terceirização. O texto, que ainda precisa ser aprovado pelo Senado Federal e sancionado pela Presidência da República, prevê terceirização das atividades-fim da empresa contratante, contratação de empresários individuais como terceirizadores de mão-de-obra, fim da solidariedade entre contratante e contratada, apenas para citar algumas medidas.

A contratação de empresários individuais, acrescentada ao projeto de lei na votação de ontem à noite, pode permitir que uma pessoa seja contratada como se fosse uma empresa, acabando com os direitos trabalhistas dela. O fim da solidariedade entre contratante e contratada significa implica que, quando a contratada deixar de cumprir as obrigações trabalhistas, a contratante não poderá ser cobrada de imediato. Terceirizar a atividade-fim da empresa significa que não haverá mais limites para a contratação de terceirizados, mesmo que eles tenham relação de subordinação com a empresa — o que é formalmente vedado, mas como alguém poderia exercer a atividade própria da empresa sem que a mesma determine o que fazer e como fazer?

O governo federal orientou a bancada a votar contra a proposta.

  • Orientaram seus deputados a votar a favor da terceirização: PMDB, PSDB, DEM, Solidariedade, PPS, PP, PTB, PSC, PHS, PEN.
  • Orientaram seus deputados a votar contra a terceirização: PT, PSB (que não foi seguido por muitos de seus deputados), PDT, PCdoB, PROS, PV, PSOL, PRB, PTN, PMN, PRP, PSDC, PRTB, PTC, PSL, PTdoB.
  • Deixaram seus deputados votar como quisessem: PSD e PR.

O voto de cada deputado pode ser conferido no site da Câmara dos Deputados.

Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, onde a proposta será analisada agora, já se manifestou contrário a ela. “Essa regulamentação não pode significar só regulamentação da atividade-fim. Isso é uma inversão, é uma involução, significa revogar a Constituição, os direitos e as garantias individuais e coletivos”, disse. Segundo ele, a tramitação do projeto de lei no Senado Federal será normal, sem o açodamento visto na Câmara dos Deputados.

As entidades empresariais apoiaram o projeto. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) chegou a fazer propaganda em rede nacional de televisão para tentar convencer a população sobre os supostos benefícios da proposta, que teve forte oposição das centrais sindicais e dos estudantes, como demonstrado no dia último 15.

(Foto em destaque: deputados discutem terceirização — Luis Macedo/Câmara dos Deputados)

Boletim de mártires 20/04/2015

Atualização: notícia de 28 cristãos etíopes mortos na Líbia.

Nos últimos dias, uma série de notícias sobre cristãos que sofrem por defender a fé. Hoje, na missa na Casa Santa Marta, o papa nos lembrou: “O Senhor desperta-nos com o testemunho dos santos, com o testemunho dos mártires, que todos os dias nos anunciam que a missão é caminhar no caminho de Jesus: anunciar o ano da graça.”

16/4: Parlamento Europeu exige que Turquia reconheça o genocídio armênio

Intelectuais armênios assassinados a 24 de abril de 1915 (Fonte: Wikimedia)
Intelectuais armênios assassinados a 24 de abril de 1915 (Fonte: Wikimedia)

O genocídio armênio, lembrado pelo papa no centésimo aniversário desse triste evento, foi objeto de declaração do parlamento da União Européia. O documento afirma que a Turquia deve “aproveitar a comemoração do centenário do genocídio armênio como uma oportunidade importante para prosseguir seus esforços —inclusive a desclassificação dos arquivos— por evidenciar o seu passado, reconhecendo o genocídio armênio e, desta maneira, abrir o caminho à uma verdadeira reconciliação entre os povos turco e armênio”. A Turquia, apesar das evidências históricas e das profundas mudanças promovidas pelo coronel Ataturk nos anos 1920, até hoje se recusa a reconhecer o crime contra a humanidade cometido pelo Império Turco-Otomano e pelo califado de então. O documento do Parlamento Europeu se segue a declarações do papa Francisco sobre esse genocídio e sobre outros massacres cometidos no século XX.

17/4: Congresso “Todos somos nazarenos”

Começou dia 17 em Madri o congresso Todos somos nazerenos. Um de seus objetivos é não deixar que o mundo esqueça o “genocídio cristão” atualmente em curso em diversas partes do mundo, mormente na África e na Ásia. “Nem um só minuto de esquecimento de quem sofre perseguição religiosa”, pediu Soledad Becerril. A situação é tão grave, lembra reportagem da ACI Digital, “que o observador permanente da Santa Sé ante as Nações Unidas, Dom Silvano Tomasi, pediu a intervenção armada para frear o chamado ‘Estado Islâmico'”.

A reportagem destaca ainda:

Sobre a perseguição no mundo, CitizenGo recorda alguns dados recentes que mostram o seu crescimento e ferocidade anticristã: “No último dia 2 de abril, um grupo fundamentalista matou 147 universitários no Quênia. Antes de realizarem a matança, os assassinos separaram os muçulmanos dos cristãos. Algumas testemunhas afirmam ter visto corpos decapitados. Lamentavelmente, essa é apenas a tragédia mais recente na Nigéria, outras ocorreram no Paquistão, na Líbia, na Síria ou no Iraque. As vítimas? Sempre as mesmas: os cristãos. Enquanto isso, o Ocidente parece continuar olhando para outra direção”.

E também:

“Devemos proteger os nossos irmãos e irmãs perseguidos, exilados, assassinados e decapitados. São nossos mártires. E são muito mais numerosos que nos primeiros séculos da Igreja (…) espero que a comunidade internacional não desvie seu olhar nem se mantenha calada e inerte perante esse crime inaceitável”.

Nesse ambiente, a cristã paquistanesa Asia Bibi – injustamente presa e condenada à pena capital – oferece-nos, desde o corredor da morte, uma demonstração de fé, firmeza e esperança. Assim ela escreveu na última Páscoa da Ressurreição:

“A Páscoa de Jesus Cristo nos dá um exemplo de paz e perdão. Todos temos de aprender do ensinamento e do sacrifício de Cristo, crucificado por nós. Perdoou a todos e todo o mal. Neste dia especial, peço para que todos os cristãos no Paquistão possam viver e orar em paz.”

17/4: Cemitérios cristãos vandalizados em Mosul e na Galiléia

Ruínas de Kafr Bir'Im, na Galiléia, aldeia cristã abandonada após a ocupação israelense. Foto: Anita/Flickr.
Ruínas de Kafr Bir’Im, na Galiléia, aldeia cristã abandonada após a ocupação israelense. Foto: Anita/Flickr.

Outra reportagem da mesma agência informa sobre o vandalismo realizado nos cemitérios de Mosul (Iraque, cidade ainda controlada pelo Estado Islâmico) e na Galiléia (sob controle israelense). Na primeira cidade, o vandalismo vem sendo realizado desde 2014, quando a cidade foi ocupada por fundamentalistas islâmicos. Na segunda, vem em seguida a uma série de vandalismos realizados por colonos extremistas judeus contra igrejas, mosteiros e cemitérios cristãos. A vila de Kafr Bir’Im, majoritariamente cristã, foi abandonada desde a ocupação israelense, e seus antigos habitantes e os descendentes deles estão proibidos de retornar.

17/4: Governo sírio dedica jardim a mártires do genocídio assírio

Na mesma onda de limpeza étnico-religiosa promovida pelos Jovens Turcos durante a Primeira Guerra Mundial, há cem anos, também cristãos siríacos (assírios) foram alvo de genocídio. O governo sírio, chefiado pelo alawita Bashar al Assad, denominou “Jardim dos mártires siríacos” um jardim no centro de Damasco, capital do país, celebrando o centenário do massacre de cristãos, sírios, assírios e caldeus na Anatólia, província do Império Turco-Otomano. Os cristãos e os alawitas estão entre os perseguidos pelo “Estado Islâmico”, que combate os governos da Síria e do Iraque.

18/4: Província paquistanesa limita aplicação da Lei da Blasfêmia

Apesar de não ter poder para alterar a Lei da Blasfêmia (que é usada para atacar as minorias religiosas e realizar vinganças pessoais no Paquistão, majoritariamente muçulmano), a província paquistanesa de Sindh determinou que os acusados passem primeiro por um exame psiquiátrico, que pode levar à atenuação da pena. A reportagem da Agência Fides informa:

Segundo Nasir Saeed, diretor da Ong “CLAAS”, a medida não representa uma mudança direta da lei sobre a blasfêmia. “É um passo significativo da parte do governo Sindh e ajudará a salvar vidas humanas e muitas vítimas inocentes”, visto que os vários casos, pois pessoas que sofrem de doença mental foram acusadas e consideradas blasfemas. A lei controversa continua “entre as causas principais de sofrimento dos cristãos e de outras minorias religiosas no Paquistão. Por isso é urgente fazer modificaçõese nesta lei”.
Saeed acrescenta numa nota enviada à Fides: “Gostaria que o governo Sindh fizesse mais um passo avante, adotando medidas que punem os que formulam falsas acusações de blasfêmia a fim de deter o abuso desta lei, usada para fazer vinganças pessoais”.

18/4: Professor cristão egípcio é afastado por mostrar vídeo contra o Estado Islâmico

O professor copta egípcio Yousif Aaman foi obrigado a abandonar, junto com sua família, o vilarejo natal, no Egito. Isso aconteceu após ele exibir, para cinco alunos, um vídeo em seu smartphone que acusava o chamado “Estado Islâmico” pelas atrocidades realizadas, como as execuções filmadas e divulgadas na internet. Segundo a Agência Fides, “isso foi o suficiente para despertar o ódio e as falsas acusações de islamistas da região, que obrigaram as autoridades locais a intervirem para restabelecer a calma, convocando para sexta-feira, 17 de abril, uma reunião de ‘reconciliação’ entre cristãos e muçulmanos, da qual participaram também imãs e sacerdotes da região.”

18/4: Tiroteio contra escola católica no Paquistão

Um estudante e dois seguranças ficaram feridos após terroristas abrirem fogo contra escola católica de ensino médio São Francisco, no distrito de Behar, província de Lahore, no Paquistão. “Este novo ataque testemunha a deterioração da situação dos cristãos no Paquistão e espalha ainda mais temor”, disse o advogado cristão Sardar Mushtaq Gill à agência Fides.

19/4: Cristãos etíopes mortos pelo Estado Islâmico na Líbia

Neste domingo, 19, o chamado “Estado Islâmico” divulgou vídeo do martírio de 28 cristãos etíopes na Líbia, 12 deles degolados em uma praia, 16 fuzilados no deserto. A Líbia se convulsiona em uma guerra civil desde que os EUA e as potências européias ajudaram grupos armados a derrubar o governo de Muammar Khadafi em 2011. Essa guerra civil proporcionou espaço para a ação de extremistas islâmicos (que agora se aliaram ao califado proclamado em territórios da Síria e do Iraque).

(Pintura em destaque: Jean-Léon Gérôme — A última prece dos mártires cristãos.)

Catar: trabalho escravo e mortes em construções da Copa 2022

Mais de 1.200 pessoas já morreram na construção de estádios para a Copa do Mundo de Futebol 2022. Mais de um milhão de pessoas trabalha em condições semelhantes à escravidão, com jornadas que chegam a 16h diárias a temperaturas de até 50ºC na sombra. A denúncia, repercutida pela Rádio Vaticana, é de sindicatos italianos e internacionais. Eles estimam que, até a Copa, mais de 4 mil terão morrido sob essas condições.

Vista noturna de Doha, no Catar. Em que se baseia a opulência econômica desse país?  (Foto: Nuroptics/Wikimedia)
Vista noturna de Doha, no Catar. Em que se baseia a opulência econômica desse país? (Foto: Nuroptics/Wikimedia)

Os operários, provenientes da Índia, do Nepal e de Bangladesh, são submetidos a um regime de trabalho em que “não podem deixar a empresa sem o consenso do patrão, não conseguem visto para sair do país e enfim, não possuem alguma margem de contrato sobre condições de trabalho, de horário e de salário”, diz o órgão de imprensa da Santa Sé.

O emirado do Catar rejeita as acusações, mas se sabe que mais de 900 mortes foram registradas nos consulados dos três países de onde provém essa mão de obra. “Mais da metade das mortes deve-se a infartos devidos às duras condições ambientais e de trabalho”, disseram as organizações.

Opinião de Visão Católica

Não se pode tratar o Catar como um país qualquer, talvez até uma democracia. Ao contrário, segundo o Instituto Brasileiro de Estudos Islâmicos, ligado à mesquita de Curitiba, o Catar é, junto com a Arábia Saudita, um dos centros dos quais emana a doutrina wahabista, que é a base religiosa do fundamentalismo islâmico, inclusive aquele do chamado “Estado Islâmico”. Como pode ter conseguido ser a sede de um evento esportivo dessa natureza, que deveria promover a convivência entre os povos e a paz? E, no entanto, recebe sempre o apoio das potências militares e econômicas ocidentais, junto com a Arábia Saudita.

53.ª Assembléia Geral da CNBB: bispos debatem conjuntura social e eclesiástica

Entrevista coletiva
Coletiva de imprensa no início dos trabalhos da 53.ª Assembléia Geral da CNBB. Foto: CNBB.

Teve início ontem (15) a 53.ª Assembléia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Esta assembléia debaterá principalmente as Diretrizes Gerais para a Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (DGAE) e elegerá novos dirigentes para a Conferência. “Todos os eleitos são para o serviço, assim como trabalha a Campanha da Fraternidade 2015, com o lema ‘Eu vim para servir’, afirmou dom Pepeu, arcebispo de Vitória da Conquista, em entrevista coletiva.

Outro tema importante é a atual conjuntura do país. Dom Joaquim Mol, bispo auxiliar de Belo Horizonte e responsável pelo acompanhamento da reforma política afirmou: “Temos frequentemente assistido manifestações das quais não constam na pauta a reforma política. É uma pena, pois só por meio dela podemos melhorar o quadro político do país, eliminando a corrupção, a barganha, e outras práticas ruins da política, responsáveis por deixar grande parte da população na miséria”. A diocese de Belo Horizonte foi alvo de manifestações contra a CNBB no último dia 12.

Rubens Ricupero fala da conjuntura social

Rubens Ricupero fala sobre conjuntura social à 53.ª Assembléia Geral da CNBB. Foto: CNBB.
Rubens Ricupero fala sobre conjuntura social à 53.ª Assembléia Geral da CNBB. Foto: CNBB.

Hoje (15), o oblato beneditino e ministro da fazenda do governo Itamar Franco (1992-1994), Rubens Ricupero, falou sobre a conjuntura social. “Precisamos do mínimo denominador comum que poderia nos unir a todos, todos os brasileiros de boa vontade, acima das visões divergentes: tudo fazer para que o Brasil não sofra nenhum retrocesso nas conquistas nos últimos 30 anos. Conquistas no plano político, institucional e, principalmente, no combate à pobreza”, disse. “Qualquer sociedade será julgada pela maneira como trata os mais pobres, os mais frágeis, os mais vulneráveis. Esse é o sentido principal da ação política”, acrescentou.

Ricupero também pediu atenção especial para uma visão histórica dos últimos 30 anos. “Os militares deixaram o poder porque, na verdade, eles tinham fracassado, tinham destruído as instituições e se declaravam, no fundo, vencidos por duas crises econômicas que, apesar dos poderes que tinham, não conseguiram controlar: a hiperinflação e a dívida externa. O novo governo civil começou sobre piores auspícios. A morte do presidente eleito e o presidente Sarney teve de governar com dificuldade. Mas, esse período trouxe uma conquista muito importante: aprovar uma Constituição progressista, aberta”.

Ele também falou da necessidade urgente de retomar o crescimento econômico, sem o que se torna precária a ascenção social das camadas mais pobres realizada pelos últimos governos. Para ele, ajustes econômicos são necessários, mas não podem prejudicar os mais necessitados. “Temos que rapidamente deter esse movimento [da economia]. Precisamos de um ajuste que poupe os que são mais frágeis, que permita o equilíbrio da dívida pública e que atraia o investimento”. E afirmou que o governo conhece essas necessidades e que confia na equipe econômica.

Lendo a bula Misericordiae vultus, com que o papa Francisco decretou o Ano Santo da Misericórdia, Rubens Ricupero deu atenção a uma citação de Paulo VI, no encerramento do Concílio Vaticano II: “em vez de diagnósticos desalentadores, se dessem remédios cheios de esperança; para que o Concílio falasse ao mundo atual não com presságios funestos mas com mensagens de esperança e palavras de confiança”

A conjuntura eclesial, nas palavras de mons. Jorge Portela Amado

Mons. Jorge Portela Amado, pároco da catedral do Rio de Janeiro, fala sobre conjuntura eclesial à 53.ª Assembléia Geral da CNBB. Foto: CNBB.
Mons. Jorge Portela Amado, pároco da catedral do Rio de Janeiro, fala sobre conjuntura eclesial à 53.ª Assembléia Geral da CNBB. Foto: CNBB.

Em seguida, mons. Jorge Portela Amado, pároco da catedral do Rio de Janeiro, falou da conjuntura eclesial, dando ênfase às relações entre Igreja e sociedade, na esteira da Campanha da Fraternidade. “Uma palavra emerge com crescente vigor em nossos dias: perplexidade. Este é um termo que penso poder ajudar a compreender pastoralmente o que se passa neste mundo sob aceleradas transformações, não apenas no superficial, mas também e principalmente nas categorias mais profundas de compreensão da vida e consequente atuação sobre ela”, ponderou monsenhor Joel.

Mons Jorge ressaltou três vozes que podem ser ouvidas no mundo de hoje. A primeira é a do papa Francisco, voz universal, ouvida em todos os lugares, uma pessoa admirada e uma liderança moral. A segunda é a voz acolhedora da Igreja: “não teme sujar-se nas lamas existenciais, correndo às pressas para as periferias, tenham essas periferias as formas que tiverem”. A terceira é a “voz que escuta”: “Creio que o Espírito tem dito à Igreja que, nestes e em todos os casos, a grande atitude é o acolhimento pessoal sob suas variadas formas. Acolhimento aqui não significa o atendimento incondicional das solicitações, fruto do medo de perder a freguesia, atitude mais própria de empórios religiosos do que da genuína ação evangelizadora”.

Essa realidade complexa, segundo ele, impele ao encontro e à missão. “Em tudo isso, importa identificar um viés apto a conduzir transversalmente a ação evangelizadora em nossos dias, fornecendo conteúdo, identidade, rosto, para tudo o que a Igreja fizer. A meu ver, este viés foi oficializado pelo papa Francisco ao convocar toda a Igreja para o Ano Santo da Misericórdia. De fato, a misericórdia é uma das maiores necessidades de nosso tempo. O que da Igreja se pede, neste momento da história, é que seja sinal transbordante e interpelador da misericórdia de Deus”, acrescentou.

(Com informações da CNBB)

Combate à corrupção: CGU economiza R$ 1,2 bilhão dos cofres públicos

A Controladoria-Geral da União (CGU) divulgou ontem (14) as cifras resultantes do trabalho de auditoria da folha de pagamento do poder executivo federal. Ao longo de cinco anos (2010 a 2014), foram economizados R$ 1,2 bilhão de reais que teriam sido pagos irregularmente a servidores públicos. O valor corresponde a mais de duzentas vezes o orçamento previsto para o órgão em 2015. A CGU verificou informações de 259 órgãos que utilizam o sistema eletrônico de gestão de pessoal civil do governo federal. Apenas 12 órgãos permanecem sem resolver mais de 5% das constatações do órgão de controle.

Denúncias contra a CGU

Ministro da CGU
Ministro da CGU, Valdir Moysés Simão, apresenta informações sobre a investigação da SBM Offshore. (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Por outro lado, também ontem a Controladoria teve de se defender de acusações de Jonathan Taylor, ex-diretor da empresa holandesa SBM Offshore, fornecedora da Petrobras. A CGU começou a investigar o caso em abril de 2014 e, em outubro do mesmo ano, servidores do órgão foram à Inglaterra ouvi-lo pessoalmente a respeito de afirmações que ele fizera por e-mail. Na ocasião, ele indagou se poderia vir a ser recompensado financeiramente pela colaboração com a investigação, o que não está previsto na legislação brasileira. Notícia divulgada ontem pela Folha de S. Paulo afirmava de que o delator acusava a CGU de esperar a passagem das eleições presidenciais para só então investigar as denúncias de corrupção. O órgão, em resposta, publicou linha do tempo das investigações, evidenciando o contrário.

Cunha quer terceirização a todo custo

O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), prometeu hoje (14) votar a qualquer custo o projeto de lei que retira os limites da terceirização. Segundo a Agência Brasil, ele afirmou que amanhã será este o único item da pauta do plenário da Câmara, e que será o único até ser votado, mesmo que demore várias e várias sessões, atrasando a apreciação de outros projetos. Por outro lado, as centrais sindicais e as organizações estudantis prometem manifestações e paralisações.

Tempos Modernos, filme de Charlie Chaplin, retrata a precariedade das condições de trabalho modernas.
Tempos Modernos, filme de Charlie Chaplin, retrata a precariedade das condições de trabalho modernas.

Segundo o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), há uma relação “gritante” entre terceirização, trabalho escravo e acidentes de trabalho. Segundo informação publicada na Rede Brasil Atual, o exemplo é o setor elétrico, onde, de 75 mortes decorrentes de acidentes de trabalho em 2013, 61 foram de terceirizados (81%). Também o salário dos terceirizados é um quarto menor que o dos contratados diretamente.

O movimento estudantil se soma ao coro das centrais sindicais, “Estamos com as centrais sindicais porque somos os futuros trabalhadores do país e a terceirização é um grande problema. O terceirizado ganha menos que o efetivo. A terceirização vai diminuir direitos trabalhistas e precarizar as condições de trabalho. É uma medida para os empresários, que vão lucrar mais, não para o trabalhador”, afirmou à Rede Brasil Atual a presidenta da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Bárbara Bahia.

Também organizações católicas participarão da mobilização. Além de serem contrárias à ampliação da terceirização e à redução da maioridade penal, essas organizações trarão à pauta a reforma política e a implementação do Imposto sobre Grandes Fortunas, que já está previsto na Constituição Federal, mas nunca chegou a ser regulamentado.

Opinião de Visão Católica

Além da necessidade de proteção dos elementos mais frágeis da sociedade — no caso, os trabalhadores e os adolescentes —, algumas manifestações no último dia 12 deixaram clara a necessidade de se procurar outra pauta para a política brasileira, que não aquelas defendidas pelo presidente da Câmara e pelos movimentos políticos e partidários de direita.

Faixa contra padres marxistas
Faixa contra frei Gilvander
Faixa contra a CNBB
Faixas contra clérigos e a CNBB expõe o ódio de manifestantes à doutrina social da Igreja. Fotos: autor desconhecido. Fonte: Viomundo.

Além das velhas frases pela volta da ditadura militar (que perseguiu a Igreja Católica, de religiosos a bispos, como o servo de Deus dom Hélder Câmara), chamo a atenção para frases colocadas na casa dos bispos de Belo Horizonte. As faixas diziam: “Fora CNBB comunistas bolivarianos”, “‘Frei’ Gilvander você foi despejado da Igreja vá invadir terras em Cuba” e “Padres marxistas vcs. sao maus e perversos”. As frases foram escritas assim mesmo. Até mesmo uma agência de comunicação supostamente católica entrou na onda, e seu coordenador em língua portuguesa escreveu: “Fora Reforma política promovida pela CNBB”, misturando o protesto e o domingo da Divina Misericórdia. Mas, faltou misericórdia aos manifestantes desse domingo.

Sinagoga destruída por nazistas em Munique. A violência política foi a marca da ascensão dos nazistas ao poder. (Foto: autor desconhecido. Fonte: Wikimedia)
Sinagoga destruída por nazistas em Munique. A violência política foi a marca da ascensão dos nazistas ao poder. (Foto: autor desconhecido. Fonte: Wikimedia)

Atacar a CNBB (que propõe a reforma política como meio para se combater a corrupção) e padres ligados às camadas mais frágeis da população (caso do frei Gilvander Luís Moreira, ligado à Comissão Pastoral da Terra), junto com “ensaios sensuais” em plena manifestação, ou a defesa do assassinato político demonstram quem são e a quem se uniram os manifestantes contrários ao atual governo. Os bispos são ordenados para governar a Igreja (I Tm 3,5). Atacar os bispos brasileiros e se dizer católico é enganação. A banalização do sexo e a violência são diabólicas.

(Foto de destaque: Eduardo Cunha. Por Alex Ferreira/Câmara dos Deputados)

Turquia teima em não reconhecer genocídio de armênios

Viúva armênia foge diante de massacres no Império Turco-Otomano no final do século XIX. (Domíno público. Fonte: Wikimedia)
Viúva armênia foge diante de massacres no Império Turco-Otomano no final do século XIX. (Domíno público. Fonte: Wikimedia)

Em várias ocasiões, defini este tempo como um tempo de guerra, uma terceira guerra mundial combatida «por pedaços», assistindo nós diariamente a crimes hediondos, a massacres sangrentos e à loucura da destruição. Ainda hoje, infelizmente, ouvimos o grito, abafado e transcurado, de muitos dos nossos irmãos e irmãs inermes que, por causa da sua fé em Cristo ou da sua pertença étnica, são pública e atrozmente assassinados – decapitados, crucificados, queimados vivos – ou então forçados a abandonar a sua terra.

Também hoje estamos a viver uma espécie de genocídio, causado pela indiferença geral e colectiva, pelo silêncio cúmplice de Caim, que exclama: «A mim, que me importa? (…) Sou, porventura, guarda do meu irmão?» ( Gn 4, 9; Homilia em Redipuglia , 13 de Setembro de 2014).
No século passado, a nossa humanidade viveu três grandes e inauditas tragédias: a primeira, que geralmente é considerada como «o primeiro genocídio do século XX» (JOÃO PAULO II E KAREKIN II, Declaração Conjunta , Etchmiadzin, 27 de Setembro de 2001), atingiu o vosso povo arménio – a primeira nação cristã – juntamente com os sírios católicos e ortodoxos, os assírios, os caldeus e os gregos. Foram mortos bispos, sacerdotes, religiosos, mulheres, homens, idosos e até crianças e doentes indefesos. As outras duas são as perpetradas pelo nazismo e pelo estalinismo. E, mais recentemente, houve outros extermínios de massa, como os do Camboja, do Ruanda, do Burundi, da Bósnia. E todavia parece que a humanidade não consiga parar de derramar sangue inocente. Parece que o entusiasmo surgido no final da II Guerra Mundial esteja a desaparecer e dissolver-se. Parece que a família humana se recuse a aprender com os seus próprios erros causados pela lei do terror; e, assim, ainda hoje há quem procure eliminar os seus semelhantes, com a ajuda de alguns e o silêncio cúmplice de outros que permanecem espectadores. Ainda não aprendemos que «a guerra é uma loucura, um inútil massacre» (cf. Homilia em Redipuglia , 13 de Setembro de 2014).

Hoje, queridos fiéis arménios, recordamos – com o coração trespassado pela dor mas repleto da esperança no Senhor Ressuscitado – o centenário daquele trágico acontecimento, daquele enorme e louco extermínio que cruelmente sofreram os vossos antepassados. Recordá-los é necessário, antes forçoso, porque, quando não subsiste a memória , quer dizer que o mal ainda mantém aberta a ferida; esconder ou negar o mal é como deixar que uma ferida continue a sangrar sem a tratar!

Intelectuais armênios assassinados a 24 de abril de 1915 (Fonte: Wikimedia)
Intelectuais armênios assassinados a 24 de abril de 1915 (Fonte: Wikimedia)

Essas são as palavras do papa Francisco, proferidas na missa do domingo da Misericórdia (12), que motivaram a Turquia a chamar para consultas seu embaixador no Vaticano. São palavras, dirigidas aos cristãos armênios, que recordam o genocídio perpetrado pelo antigo Império Turco-Otomano e seu califado. Um genocídio que resultou na morte de até 1,5 milhão de pessoas, e que a moderna Turquia se recusa a conhecer (embora aceite uma cifra menor, de 500 mil pessoas assassinadas, o que já é terrível).

Ordem do ministro do interior do Império Turco-Otomano, determinando a deportação dos armênios. (Fonte: Wikimedia)
Ordem do ministro do interior do Império Turco-Otomano, determinando a deportação dos armênios a 24 de abril de 2015. (Fonte: Wikimedia)

O governo turco chamou de “calúnia” o discurso do Santo Padre, afirmando que teria ignorado o sofrimento de outros povos e de não-cristãos durante a guerra. Isso, apesar de Francisco ter feito referência a diversos outros massacres, inclusive dois da mesma grandeza do genocídio armênio (os genocídios nazista e stalinista), contra .

Já na homilia de hoje na capela da Casa Santa Marta, sem citar o episódio com o governo turco, o papa falou:

Também hoje a mensagem da Igreja é a mensagem do caminho da franqueza, do caminho da coragem cristã. Esses dois discípulos [Pedro e João] simples e iletrados – como diz a Bíblia – foram intrépidos. Uma palavra que se pode traduzir com ‘coragem’, ‘franqueza’, ‘liberdade de falar’, ‘não ter medo de dizer as coisas’ … É uma palavra que tem muitos significados no original. A parresia, aquela franqueza … E do temor passaram à ‘franqueza’, a dizer as coisas com liberdade.

Opinião de Visão Católica

Se a Turquia pretende ser um Estado diferente daquele anterior (o Império Turco-Otomano), é preciso que saiba reconhecer os erros do passado. Se, porém, pretende ter a imagem de “invasora da Europa”, ou de “dominadora de cristãos”, basta continuar sua política. A fronteira turca está aberta aos que desejam ingressar no Estado Islâmico e cometer as piores atrocidades contra cristãos e muçulmanos. E o governo turco continua negando as atrocidades turco-otomanas. Essas últimas poderiam bem ser ditas “daquele império que existia antes”. Mas, as atitudes denunciam a continuidade entre o Império Turco-Otomano e a Turquia de hoje. Ainda se pode, porém, reverter tudo isso, basta haver franqueza e reconhecer a verdade histórica. O diálogo e a comunhão só podem estar baseados na caridade e na verdade.

História

Mapa do Império Turco-Otomano
Mapa do Império Turco-Otomano. (Imagem: André Koehne/Wikimedia)

O Império Turco-Otomano surgiu em 1299 e se expandiu até controlar os Bálcãs, a Hungria e partes da Polônia, da Rússia e da Ucrânia, além da Armênia. Em 1453, tomou Constantinopla e transformou a antiga catedral de Santa Sofia, sede da Igreja Ortodoxa, em uma mesquita. Em 1517 foi instituído o califado otomano.

De 1915 a 1917, com o avanço russo sobre o território turco-otomano (com apoio de armênios), iniciou-se o processo de assassinato e migração forçada de armênios para territórios da Síria e da Mesopotâmia (Iraque), que se encontravam sob domínio turco.

Mulher armênia exposta à venda como escrava. (Foto: domínio público/Wikimedia)
Mulher armênia exposta à venda como escrava. (Foto: domínio público/Wikimedia)

Com a derrota turca na Primeira Guerra Mundial, iniciou-se um processo que levou à proclamação da república turca, sob a liderança do coronel Ataturk, que promoveu ainda a secularização do governo e o fim do califado. Hoje, no entanto, a Turquia é porta de entrada para o califado do chamado “Estado Islâmico”, que aterroriza cristãos, muçulmanos, curdos e todos os que não concordarem com sua visão muito contestada do Islã.